Título: Em defesa da água
Autor: Chaves, Gláucia
Fonte: Correio Braziliense, 13/06/2012, Ciência, p. 22

Diversas pesquisas buscam formas de uso sustentável dos recursos hídricos. Redução do consumo e aproveitamento de rios e mares para geração de energia são algumas iniciativas

São muitos os alertas sobre a necessidade de utilizar os recursos naturais do planeta de forma mais inteligente, caso contrário, o preço a ser pago pela humanidade será alto. De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), divulgado na semana passada para basear as discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que se inicia hoje, os recursos hídricos são um bem que exige especial atenção. Segundo o órgão ligado à ONU, mais de 600 milhões de pessoas devem ficar sem acesso à água potável até 2015, enquanto mais de 2,5 bilhões não disporão de saneamento básico. Desde 2000, os reservatórios de água subterrânea se deterioraram ainda mais, enquanto o uso mundial do líquido triplicou nos últimos 50 anos.

Na busca por soluções, a ciência é certamente um dos atores mais importantes. Pesquisadores de universidades, institutos ligados a governos e ONGs buscam formas de uso inteligente do recurso, seja utilizando-o para produção de energia mais barata, seja encontrando formas de reutilizá-lo, por exemplo, em indústrias e estações de tratamento.

Um exemplo é o estudo desenvolvido na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, que propõe usar a diferença de salinidade entre a água dos rios e do mar para gerar energia, economizar combustível e diminuir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. Menachem Elimeleque e Ngai Yin Yip, docentes do Departamento de Química e Engenharia Ambiental da instituição de ensino, explicam que a ideia é usar um processo conhecido com osmose retardada pela pressão (ORP) para transformar a água dos rios que vai para o oceano em fonte de energia. "Na ORP, a água doce flui naturalmente por osmose através de uma membrana especial para diluir a água do mar, que está do outro lado", escreveram recentemente em artigo no jornal especializado Environmental Science & Technology. A pressão desse fluxo faz com que a turbina de um gerador se movimente e produza energia elétrica.

Segundo os dois, com apenas um décimo do fluxo global das águas dos rios seria possível gerar com a técnica energia suficiente para 520 milhões de pessoas, sem que um átomo de carbono fosse emitido. Para produzir a mesma energia em uma usina a carvão, mais de 1 bilhão de toneladas métricas de gases do efeito estufa seriam liberadas na atmosfera por ano.

No Brasil, também surgem iniciativas que visam a melhor utilização dos recursos hídricos. Em Brasília, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) tem iniciativas nesse sentido desde 1993. Após a lavagem e a limpeza das estações de tratamento, a água que sobra passa por processos biológicos e é reutilizada em trabalhos considerados "menos nobres", sem contato direto com os seres humanos. Uma parceria entre a Caesb e a Universidade de Brasília (UnB) rendeu ainda um projeto de reutilização de águas de efluentes para a criação de peixes em Samambaia.

Outro exemplo é o projeto Coroado, coordenado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Financiado pela União Europeia, o objetivo do trabalho é — por meio de estudos na região metropolitana de São Paulo, na Bacia do Rio Copiapó (Chile), na Bacia do Rio Bravo e do Rio Grande (México) e na Bacia do Rio Suquía (Argentina) — elaborar um manual com diretrizes para estimular a aplicação de novas tecnologias de reuso de água em todo o planeta.

José Carlos Mierzwa, coordenador técnico do projeto, explica que, mais que discutir a importância da reutilização da água, os especialistas querem descobrir maneiras de implantar programas com essa temática. "Vamos analisar quais as vantagens e o que fazer para minimizar as desvantagens desses programas", detalha. A previsão é que o relatório do projeto, orçado em 4 milhões de euros, seja finalizado até novembro.

Municípios e indústrias Carla Veiga da Silva, especialista em recursos hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), diz que, entre as várias iniciativas promovidas pela instituição, uma das principais envolveu um convênio com a Universidade de Santiago (no Chile) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), finalizado em 2011. "Foi um projeto de uso racional de água em edifícios residenciais, para tratar e reutilizar o esgoto do prédio e a água da chuva", explica. Há ainda ações de reutilização de água em municípios com até 50 mil habitantes. O objetivo, além da óbvia economia financeira, é transformar o esgoto tratado em biomassa, material derivado de resquícios de matéria orgânica e muito útil na produção agrícola.

Além de projetos práticos, Carla diz ainda que a ANA participa da elaboração de manuais com orientações voltadas para a conservação de água para o setor industrial — um dos que mais consomem o recurso. "O objetivo é a conservação. Desenvolver ferramentas e difundi-las, fazer o intercâmbio de informações e descobrir o que está acontecendo", completa. Outro acordo de cooperação, firmado entre a ANA e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), pretende realizar uma articulação institucional para o aprimoramento e incentivo do uso consciente da água no setor industrial. "Dentro desse estudo, vamos ver a viabilidade de uma certificação, de um selo azul de uso eficiente de água", comenta.

Projetos de dimensões mais modestas, mas nem por isso menos nobres, são realizados a partir de iniciativas individuais. O técnico em agropecuária Edison Urbano, idealizador do site Sempre Sustentável (sempresustentavel.com.br), descobriu que reutilizar a água do banho na descarga do vaso sanitário significava uma economia de até 30% nos gastos com água. Urbano já usa o sistema em casa há 10 anos, mas conta que o projeto ainda não está finalizado. "Se a água do banho ficar reservada por muito tempo, pode apodrecer", explica. "O tratamento químico mais eficaz que encontrei para evitar isso é o cloro, mas ainda preciso de um laudo laboratorial para comprovar que essa água não é danosa para as pessoas ou para o meio ambiente", explica. "Mas, até agora, a minha família está normal", brinca.

Projeto mundial

Três grandes organizações ambientais lançaram esta semana um projeto de alcance mundial que vai estimular o fornecimento sustentável e a preservação dos recursos hídricos, além de realizar ações educativas sobre a água. O WWF, a Earthwatch e a WaterAid atuarão durante cinco anos financiadas pelo Grupo HSBC, que investirá US$ 100 milhões durante esse período. Entre as ações previstas, estão o fornecimento de água potável para 1 milhão de pessoas em países da Ásia e da África, o envolvimento de colaboradores em ações de monitoramento e pesquisa de recursos de água doce em todo o mundo e a proteção de cinco bacias hidrográficas: Yangtzé, Ganges, Mekong, Vale do Rift e Pantanal, esta última no Brasil. No país, estão previstas ações também nos estados do Rio de Janeiro e em São Paulo.

Prêmio

Estão abertas até o dia 30 as inscrições para o Prêmio ANA 2012, que a cada dois anos reconhece as melhores iniciativas que estimulam o combate à poluição e ao desperdício e apontam caminhos para assegurar água de boa qualidade e em quantidade suficiente para o desenvolvimento e a qualidade de vida dos brasileiros. Neste ano, a agência selecionará projetos em oito categorias: ensino, empresas, ONGs, pesquisa e inovação tecnológica, água e patrimônio cultural, imprensa, organismos de bacia, e governo. Mais informações no site www.ana.gov.br/premio.