O globo, n.31113 , 13/10/2018. País, p.6

Bolsonaro 'foge' de Doria e fica neutro em SP e RJ

Jussara Soares

Silvia Amorim

 

 

Ex-prefeito de São Paulo tenta gravar programa de TV com presidenciável, mas candidato do PSL não aparece no encontro marcado por deputada eleita de seu partido; presidente da legenda nega agenda com tucano

O empenho que o candidato ao governador de São Paulo do PSDB, João Doria, tem demonstrado na campanha de Jair Bolsonaro (PSL) ao Planalto não foi o suficiente para conquistar o apoio explícito do ex-capitão do Exército no segundo turno das eleições. Ontem, o ex-prefeito da capital paulista viajou ao Rio para um encontro com o presidenciável, mas não foi recebido. A cúpula do PSL afirmou que Bolsonaro manterá a neutralidade nos estados, com exceção de Roraima, Rondônia e Santa Catarina, onde candidatos da legenda seguem na disputa. A decisão anunciada pela campanha não impacta somente os planos de Doria. O candidato do PSC ao governo do Rio, Wilson Witzel, que contou com apoio do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) na reta final do primeiro turno, também buscava a manifestação do presidenciável. Eduardo Paes (DEM) atuou nos últimos dias para que o ex-capitão ficasse neutro. O encontro que selaria o voto “Bolsodoria”, cogitado desde a pré-campanha, havia sido confirmado pela assessoria de imprensa do tucano pela manhã e causou mal-estar na equipe de Bolsonaro. A reunião foi articulada pela deputada federal eleita Joice Hasselmann e pelo deputado estadual eleito Frederico D’Ávila, ex-integrante do PSDB e do governo Geraldo Alckmin. A tentativa de aproximação desagradou integrantes do PSL que se posicionam contra o tucano. Presidente do diretório paulista do PSL, o senador eleito Major Olímpio declarou nesta semana apoio ao governador Márcio França (PSB), que tenta a reeleição.

 

CENÁRIO DE GRAVAÇÃO

Doria, acompanhado de Joice Hasselmann e D’Ávila, chegou às 18h à casa do empresário Paulo Marinho, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. O local é cenário para os programas do candidato do PSL. Bolsonaro era esperado para fazer uma gravação, mas não apareceu. Poucos minutos depois, o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, chegou à casa de Marinho e negou que qualquer encontro tivesse agendado. Outro que apareceu no local foi o economista Paulo Guedes.

— O João Doria é uma pessoa que tem uma posição muito mais à direita do que à esquerda, isso é muito claro. É uma pessoa que toma posição, um sujeito firme, e nós admiramos, mas não vamos nos envolver em questões estaduais —disse Bebianno, reafirmando as recentes declarações de Bolsonaro de que liberou os integrantes do partido para apoios individuais, mas manterá a neutralidade. Doria ficou cerca de duas horas na casa de Marinho. Ao sair, afirmou que a visita era apenas para oferecer apoio, sem a expectativa de contrapartida de Bolsonaro. Apesar de visivelmente constrangido, ex-prefeito alegou que o presidenciável não compareceu por “não se sentir bem fisicamente” e negou frustração: — Eu compreendi perfeitamente. Se ele tivesse vindo aqui para gravar, feito agenda sem a nossa presença, poderia haver dúvidas de que ele não estava simpático (à visita). Além de não ser recebido pessoalmente, Doria confirmou que não falou ao telefone com Bolsonaro. O ex-prefeito rebateu as críticas que esteja tentando “surfar” na popularidade do capitão do exército. — Eu respondo (a crítica) com a votação que tive em São Paulo. Com seis milhões de votos, eu fui eleito, e fui eleito pelo PSDB. Não surfei em onda nenhuma. Isso é improcedente. Questionado por não visitar Bolsonaro em casa, Doria justificou que o candidato “está convalescente”. Diariamente, o presidenciável do PSL recebe visitas de políticos e artistas. Diante da insistência pela não ida de Doria à casa do presidenciável, Joice Hasselmann interrompeu:

—Ele não foi porque não foi esse o combinado. Falei com ele (Bolsonaro) ao telefone. Nós marcamos de passar aqui onde haveria uma gravação, eu, como candidata do PSL, agora eleita, e também como voz do partido — disse Joice, que não ocupa cargo de direção do PSL, nem na executiva nacional, nem na estadual. Articuladora do encontro, ela negou que o objetivo fosse que Bolsonaro aparecesse ao lado de Doria em vídeo de campanha. A conversa com jornalistas foi encerrada de modo abrupto, sob a alegação de que havia voo marcado para São Paulo.

 

ESTRATÉGIA TUCANA

A negativa de Bolsonaro em gravar um vídeo com Doria para o segundo turno foi um golpe na principal estratégia de comunicação do tucano na fase final da disputa. Na avaliação de integrantes da campanha, o episódio foi um erro político. Para um dos auxiliares do candidato, não seria um grande problema Doria não ter o apoio explícito de Bolsonaro, mas tentar e não conseguir colou no tucano uma derrota política desnecessária. Apesar do desgaste, Doria continuará apostando na nacionalização da eleição estadual, pegando carona na popularidade de Bolsonaro. Ele continuará dizendo que vota no presidenciável contra o PT, como já tem feito.