O globo, n. 31117, 17/10/2018. País, p. 4

 

Imunidade policial

Vinicius Sassine

17/10/2018

 

 

PGR se opõe a uma das prioridades de Bolsonaro

A proposta do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) de dar imunidade a policiais militares que matem em serviço deve provocar o primeiro embate entre o ex-capitão e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Se for eleito, o presidenciável deve trabalhar para aprovação de um projeto que ele mesmo apresentou na Câmara, no ano passado, aplicando automaticamente o princípio da legítima defesa — no termo técnico, “excludente de ilicitude” —, sem a investigação das ocorrências. Para integrantes da PGR, um crime só pode ser declarado como existente ou inexistente após ser investigado.

A nova bancada do PSL, de 52 integrantes, que assume em fevereiro, se mobiliza para que a proposta tenha prioridade nos cem primeiros dias de um eventual governo de Bolsonaro. Na avaliação do grupo, o assunto foi fundamental na campanha, ajudou a eleger deputados e será decisivo para consolidar apoio popular.

Em junho deste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou num processo no Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo que os Tribunais do Júri possam julgar militares que cometem crimes dolosos contra a vida. Os júris atuam após investigação das polícias civis e militares e do MP.

—A gente é contra. A excludente de ilicitude já existe, mas depende de prova. Qualquer um pode dizer que é legítima defesa. Mas, para comprovar, é preciso ter inquérito, investigação. Ao contrário do que advogam, isso não é uma proteção aos PMs. Com a investigação, pode-se chegar à conclusão de que foi legítima defesa. O contrário disso gera desconfiança, e não apoio nas comunidades onde policiais atuam —disse ao GLOBO ontem a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal.

Projeto com o filho

O presidenciável e o filho que também é deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSLSP), apresentaram três propostas que tratam do tema. A última, em 2017, prevê alterações da legislação para que PMs fiquem sem punição e não sejam presos quando houver homicídios durante a atividade policial. Pelo projeto, “será prontamente aplicada a excludente de ilicitude prevista nos casos de legítima defesa”, mesmo quando as vítimas forem “terceiros”.

Para Bolsonaro, policiais não podem ser processados pelo combate à criminalidade.

— O excludente de ilicitude não é apenas para os policiais, é para todo cidadão de bem. Isso existe na legislação americana. A gente está costurando em Brasília, lógico, partindo do princípio que vai se eleger, né? Após o cumprimento de uma missão, vocês têm que ser condecorados, não processados —disse Bolsonaro, na sede do Bope, na segunda-feira.

A legítima defesa está prevista no Código Penal. Investigações da Polícia Civil e da própria PM costumam determinar, no entanto, se as mortes provocadas por policiais se deram num contexto de defesa. O projeto dos Bolsonaro só prevê a investigação quando for flagrante que não houve legítima defesa.

Em novembro passado, o plenário da Câmara aprovou urgência para a tramitação da proposta de Bolsonaro, o que significa que o projeto pode ser pautado para análise diretamente pelos deputados em plenário, sem passar por comissões. Basta que o presidente da Câmara paute. A aprovação depende de maioria simples: se 300 deputados estão presentes e 151 votam a favor, a mudança na lei é aprovada na Câmara, dependendo ainda do Senado. (Colaborou: Jussara Soares)

A lei e a proposta

Como é hoje

> O Código Penal prevê casos que asseguram imunidade ao policial que mata em serviço. Um dispositivo estabelece que não há crime quando o fato é praticado em legítima defesa. A legítima defesa é praticada por quem, conforme o mesmo código, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente”.

> Já o Código de Processo Penal, de 1941, prevê que, em caso de resistência à prisão, o autor “poderá usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”.

> Uma investigação a cargo da Justiça comum, diante de mortes em confrontos com PMs, define se houve legítima defesa ou não no episódio.

Como pode ficar

> Um projeto de lei de 2014, de autoria de Jair Bolsonaro, retira a expressão “uso moderado de meios necessários” para qualificar a legítima defesa. Além disso, o agressor deixaria automaticamente de responder por um ato culposo, quando não há intenção de agredir.

> Em 2015, Eduardo Bolsonaro apresentou projeto de lei que exclui prisão em flagrante de PMs que matarem em serviço, mas prevê investigação por meio de um inquérito policial.

> Em 2017, Jair Bolsonaro propôs projeto de lei que amplia as condições para não punir policiais. Pelo texto, em caso de morte de quem resistir a uma ação policial e até mesmo de “terceiros”, “será prontamente aplicada a excludente de ilicitude prevista nos casos de legítima defesa”.

A visão dos especialistas

‘O inimigo da polícia é o sistema judicial’

Paulo Rangel Desembargador do TJ-RJ e professor da Uerj

JÁ TEMOS HOJE a legítima defesa, mas se for feita uma alteração mais específica para os policiais é melhor ainda. Toda reforma no Código Penal ou no Código de Processo Penal que vise modernizar a legislação é sempre bem-vinda. (Os pontos propostos por Bolsonaro) podem ser contemplados em uma revisão na medida em que os policiais vão encontrar na legislação uma maior proteção. O grande inimigo dos policiais hoje não é o bandido que está nas ruas, mas sim o sistema judicial. Ele atua, mata um bandido e vai parar no banco dos réus. Isso é inadmissível. (Igor Mello)

‘Legalidade às práticas que muitos já adotam’

Michel Misse Sociólogo e professor da UFRJ

O QUE BOLSONARO está querendo é dar legalidade às práticas que muitos policiais já adotam. São raríssimos esses casos de policiais punidos por mortes cometidas em serviço. Essa mudança seria péssima, porque o que está sendo feito na prática hoje não é objeto de averiguação e, se necessário, de punição. Todas as polícias do mundo têm protocolos que definem condições para o uso da força, que não pode ser exercida de forma completamente arbitrária. É claro que o policial tem o direito de decidir. Está na situação para dizer o montante de força que é necessário utilizar. (I.M)

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Candidatos não se compromete com lista tríplice do MPF

17/10/2018

 

 

Em entrevista ao “Jornal Nacional”, ontem à noite, o candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, não se comprometeu a escolher o futuro procurador-geral da República a partir de uma lista tríplice votada por membros do Ministério Público caso, segundo ele, os nomes sejam comprometidos com a esquerda. O candidato garantiu, porém, que o nomeado não será do Ministério Público Militar.

— O critério é a isenção. É alguém que esteja livre do viés ideológico de esquerda, que não tenha feito carreira em cima disso. Que não seja um ativista no passado por certas questões nacionais — disse ele, acrescentando que a maior parte dos procuradores é isenta e que vai escolher um procurador do Ministério Público para o posto.

— Eu quero alguém do MP. Caso eu seja presidente,não vai ser do Ministério Público Militar, como tem sido dito. Mas que tenha realmente uma visão macro e que respeite a Constituição e os parlamentares que têm imunidade por suas opiniões, palavras e votos.

Questionado sobre como ser isento escolhendo alguém mais à direita, o presidenciável explicou:

—Pode ser que eu tenha me expressado mal. Não queremos à esquerda. Que seja ao centro. Não quero alguém do MP subordinado a mim, como tiveram no passado a figura do engavetador-geral da União, mas alguém que pense grande, que pense no seu país. Nós não podemos correr o risco de alguém que atrapalhe a nação — completou Bolsonaro.

Desde 2003, quando o expresidente Lula indicou Claudio Fonteles para a PGR, os mais votados têm sido nomeados. Depois de Fonteles, Antonio Fernando de Souza ficou por dois mandatos, ainda no governo de Lula. Roberto Gurgel também teve dois mandatos, indicado por Lula e Dilma. A ex-presidente também nomeou duas vezes Rodrigo Janot. Em 2017, o presidente Michel Temer quebrou a tradição de indicar o mais votado ao escolher Raquel Dodge, que havia ficado em segundo lugar na votação da categoria.