O globo, n. 31117, 17/10/2018. País, p. 7

 

Após crise com Cid, PT passa a negar busca por 'frente democrática'

Catarina Alencastro

Sérgio Roxo

 

 

‘Que frente?’, perguntou Jaques Wagner, articulador do movimento; irmão de Ciro Gomes diz que não se arrepende

Um dia após os ataques do senador eleito Cid Gomes (PDT-CE), e sem conseguir novos apoios, o PT negou ontem que tenha tentado formar uma “frente democrática”. “Que frente?”, disse Jaques Wagner, encarregado da negociação. Cid afirmou que não se arrepende de críticas. Um dia depois dos ataques do senador eleito pelo Ceará Cid Gomes (PDT) a militantes petistas num ato de apoio à candidatura de Fernando Haddad, o PT se dedicou a tentar minimizar possíveis estragos causados pelas declarações do irmão de Ciro Gomes, presidenciável do PDT que terminou em terceiro lugar no primeiro turno. Enquanto Haddad evitou comentar as declarações e elogiou Cid, outros dirigentes chegaram a negar que o partido estivesse tentando criar uma “frente democrática” contra Jair Bolsonaro (PSL).

O ex-ministro Jaques Wagner, que articulava a formação da frente buscando a adesão de nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Marina Silva (Rede), como o GLOBO noticiou semana passada, ontem se esquivou ao ser perguntado sobre o assunto. Uma aliança ampla já estava mais distante desde que Ciro Gomes declarou “apoio crítico” ao PT e depois viajou. Além disso, Marina não declarou apoio a Haddad.

—Que frente? —respondeu Wagner, ao ser perguntado se a declaração de Cid enterrava o plano. — A gente quer ampliar com a sociedade. A gente conversa com todo mundo, mas não tem ideia de frente. O Ciro já declarou que não vota no outro, então vota na gente.

Já Bolsonaro tentou tirar proveito da crise na esquerda. Ele abriu seu programa de ontem à noite na TV ao exibir, em seu programa eleitoral na TV, as imagens de Cid Gomes chamando de “babaca” militantes petistas com quem discutiu. Cid diz ainda que “o PT vai perder feio” a eleição, o que será “bem feito” porque, em sua visão, o partido não fez autocrítica e “acha que fez tudo certo”.

Haddad evita criticar Cid

Em evento com movimentos sociais ontem à tarde, em São Paulo, Haddad deu um recado indireto para Ciro Gomes e seu irmão Cid, ao elogiar políticos que não são do PT e estão dando apoio explícito à sua candidatura. Ao se dirigir à sua vice, Manuela D'Ávila, que é do PCdoB, e a Guilherme Boulos, candidato a presidente pelo PSOL, ele comparou a atitude dos dois ao apoio dado por Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB) e Miguel Arraes (PSB) a Lula no segundo turno contra Fernando Collor, em 1989.

— Sem pedir nada em termos pessoais ou partidários, vocês colocaram os interesses nacionais e democráticos acima de qualquer outro interesse.

Ao falar diretamente sobre Cid Gomes, mais cedo, Haddad evitou atritos com o senador eleito pelo Ceará:

— Tenho uma amizade pessoal com Cid. Ele fez elogios à minha pessoa. Não vou comentar o vídeo, porque não vi todo. No que me diz respeito, a amizade com o Cid é a mesma e o apreço é o mesmo.

Cid Gomes publicou um texto nas redes sociais afirmando que não queria “se vingar de ninguém” e que acha Haddad “infinitamente melhor que Bolsonaro”, reafirmando, porém, a opinião de que o PT deveria pedir desculpas por seus erros. Em conversa com o GLOBO, ontem, Cid Gomes afirmou que não se arrependeu das declarações.

— Claro que não (me arrependo), mulher. Se eu tivesse dito qualquer palavrão, eu teria me arrependido. Mas a única palavra mais forte que usei foi ‘babaca’. E ‘babaca’ é uma palavra que pode ser dita em qualquer templo.

O PT ainda tem esperança de que Ciro Gomes compareça a atos públicos com Haddad quando voltar da viagem à Europa.

Opinião do Globo - Penitência

O vídeo em que o senador eleito pelo PDT cearense Cid Gomes, irmão de Ciro, candidato a presidente derrotado, enquadra militantes petistas em evento pró-Haddad é um símbolo da via crucis do PT em 2018.

Nele há evidências da clássica arrogância do partido, mesmo por baixo na disputa eleitoral, sintoma da incapacidade de a legenda perceber a realidade em que se encontra.

Tudo isso levou Cid a engrossar a cobrança, que se generaliza, para que o partido faça uma autocrítica. Em vão, embora o mea culpa fosse prática comum na esquerda diante de um fracasso.