O globo, n. 31117, 17/10/2018. País, p. 10

 

PF indicia Temer e filha por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Aguirre Talento

Bela Megale

Carolina Brígido

17/10/2018

 

 

Investigação aponta que presidente recebeu propina do setor portuário em troca de benefícios na administração pública

Após 13 meses de investigação, a Polícia Federal (PF) finalizou o inquérito que apurava se o presidente Michel Temer e seu grupo político receberam propina em troca de beneficiar indevidamente empresas do setor portuário. No relatório final, a PF indiciou o presidente e sua filha Maristela por corrupção passiva , lavagem de dinheiro e organização criminosa, além de outros acusados. Procurada, a defesa de Temer não comentou.

O relatório final afirma que Temer usou empresas do coronel reformado da Polícia Militar João Baptista Lima, amigo do presidente, para receber propina da empresa Rodrimar por meio de uma complexa engenharia financeira envolvendo repasses a empresa de fachada ligada ao coronel. A PF aponta ainda crimes em pagamentos feitos pelo grupo Libra por meio de doações oficiais. Ambas as empresas são concessionárias de áreas do Porto de Santos, reduto de influência política do emedebista.

O relatório final, assinado pelo delegado Cleyber Malta Lopes, foi entregue ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) — prazo máximo estabelecido pelo ministro Luís Roberto Barroso. Agora, o material será encaminhado à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que deverá decidir se oferece denúncia contra o presidente com base nesses fatos.

Presidente denunciado

Temer já havia sido denunciado duas vezes pelo antecessor de Dodge, Rodrigo Janot, em casos envolvendo a delação do grupo J&F (dono da JBS), mas o Congresso Nacional barrou a abertura de ação penal contra o presidente — a primeira foi por corrupção passiva e a segunda, por organização criminosa. Caso Dodge ofereça nova denúncia, será a terceira contra o emedebista no exercício do cargo de presidente.

Além de Temer e Maristela, a PF apontou indícios de corrupção passiva e lavagem de dinheiro contra o coronel João Baptista Lima e sua mulher, Maria Rita Fratezi, além do seu sócio Carlos Alberto Costa e o filho dele, Carlos Alberto Costa Filho. A PF também aponta corrupção ativa do empresário Antônio Celso Grecco e seu subordinado Ricardo Mesquita, da Rodrimar, e de Gonçalo Torrealba, do grupo Libra, citados como responsáveis por pagamentos de propina em troca de benefícios na administração pública. A PF pediu o bloqueio de bens de todos eles, inclusive de Temer e sua filha.

A PF ainda solicitou a prisão preventiva do coronel Lima, seu sócio Carlos Alberto Costa e de sua mulher e do contador Almir Martins Ferreira, que também foi indiciado — Almir é suspeito de operar a empresa de fachada que receberia propina para Temer. No despacho, Barroso proíbe os quatro de saírem do país e pede a manifestação da PGR sobre o pedido de prisão.

Prazos de concessão

A investigação tem como base um decreto assinado por Temer no ano passado que prorrogou e estendeu os prazos de concessão de áreas públicas às empresas portuárias. A PF suspeita que Temer tenha recebido propina para favorecer as empresas nesse decreto.

Aberta em setembro de 2017, a investigação envolveu medidas, como a quebra dos sigilos bancário e fiscal do presidente da República. Segundo o relatório, as empresas do coronel Lima teriam servido de captadoras da propina junto às empresas. Parte dessa propina teria sido repassada a Temer por meio do pagamento de reformas imobiliárias — o coronel Lima atuou na reforma de uma casa de 350 m² de Maristela Temer em 2014.

De acordo com o despacho do ministro Barroso, “foram apurados fatos envolvendo propinas em espécie, propinas dissimuladas em doações eleitorais, pagamentos de despesas pessoais por interpostas pessoas — físicas e jurídicas —, atuação de empresas de fachadas e contratos fictícios de prestação de serviços”. Barroso determinou o encaminhamento dos autos para a Procuradoria-Geral da República para que decida sobre o oferecimento ou não de denúncia contra os indiciados e se manifeste sobre os pedidos de prisões e bloqueio de bens. A íntegra do relatório final da PF não veio a público.

Em depoimento prestado por escrito à PF durante a investigação, Temer afirmou que o decreto portuário não favoreceu indevidamente empresas do setor, disse que jamais recebeu pagamentos ilícitos e afirmou que o coronel não recebia dinheiro em seu nome. Procurado, o advogado de Temer, Brian Alves Prado, afirmou que não vai se manifestar porque ainda não teve acesso ao relatório final. O Palácio do Planalto não comentou.

As defesas de Gonçalo Torrealba, do Grupo Libra, e de Antonio Celso Grecco, da Rodrimar, também disseram que não comentariam porque não tiveram acesso ao relatório. Os advogados do coronel Lima e de sua mulher,Maria Rita, Cristiano Benzota e Maurício Silva Leite, afirmaram que o cliente nega o cometimento de ilícitos.