O globo, n. 31111, 11/10/2018. Economia, p. 21

 

Bolsa cai 2,8%

Ana Paula Ribeiro

Danielle Nogueira

Rennan Setti

Gabriel Martins

11/10/2018

 

 

 Recorte capturado

 

 

Após declaração de Bolsonaro sobre estatais

Investidores reagiram mal às declarações deBol sonar o indicando que a reformada Previdência seria discutida só em 2019 eque aEletrobr as não seria privatizada em seu eventual governo. Analistas viram “choque” com as ideias do guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes. O dólar subiu 1,40%, e a Bolsa caiu 2,8%. Omercado financeiro reagiu ontem negativamente às declarações do candidato Jair Bolsonaro (PSL) e de seus assessores próximos sobre Eletrobras e Petrobras: a Bolsa caiu 2,80%, e o dólar fechou em alta de 1,40%, para R$ 3,764. Em entrevista à Band, na noite de terça-feira, Bolsonaro afirmou que o segmento de geração de energia da Eletrobras não será privatizado — analistas já vinham dando a venda da empresa como certa — e se declarou favorável a conservar o “miolo” da Petrobras. E ainda criticou a política de preços da petrolífera, o que gerou temor de intervencionismo.

Outro fator de decepção para os investidores foi a declaração de Bolsonaro de que a reforma da Previdência poderia ser feita “vagarosamente” e discutida apenas em 2019. Os comentários foram contrários à expectativa do mercado, que vinha apostando na eleição do candidato do PSL justamente por identificá-lo com o compromisso com as reformas e a privatização.

Sem 'vacas sagradas'

Bolsonaro tem um histórico de posições estatizantes, mas seu guru econômico, Paulo Guedes, segue o pensamento liberal, com defesa de privatizações e ampla reforma da Previdência. Não à toa, no dia seguinte ao segundo turno, em que Bolsonaro apareceu na frente de seu adversário Fernando Haddad (PT), a Bolsa subiu 4,57% e registrou volume financeiro recorde de R$ 29 bilhões.

As ações de estatais puxaramaquedado Ibo vespa, principal índice do mercado de ações brasileiro. Na entrevista de terça-feira, Bolsonaro disse que não venderia os ativos de geração de energia, apenas de distribuição. E, ontem à tarde, Levy Fidelix, presidente do PRTB —partido do candidato a vice, o general Hamilton Mourão —, afirmou que havia acertado com o PSL a venda apenas das áreas de distribuição e refino da Petrobras em um eventual governo.

Bolsonaro disse ainda que “o país não pode ter uma política predatória no preço do combustível para salvara Petrobras e quebrara economia brasileira ”.

Os papéis ordinários (ON, com direito a voto) e preferenciais (PN, sem voto) da estatal recuaram 2,76% e 3,70%, respectivamente — refletindo ainda aqueda de 2,25% do preço do barril do tipo Brent, a US$ 83,09.

Já as ações da Eletrobras despencaram 9,21% (ON) e 8,36% (PN). A maioria das distribuidoras que a estatal se propôs a vender já foi leiloada.

Bolsonaro, na entrevista, disse ser contra vender ativos de energia aos chineses. Os investimentos chineses no país já representam quase 10% da geração de energia no Brasil.

—A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil. Você vai deixara energia nas mãos do chinês? Supo nhaque você tem um galinheiro no fundo da sua casa e viva dele. Você vende todo dia ovos e algumas galinhas. Quando você privatiza, você não vai ter a garantia no fim de semana de comer um ovo cozido. Vamos deixar a energia na mão de terceiros?

Segundo Glauco Legat, analista-chefe da corretora Spinelli, os investidores “ligaram seu lado mais racional”:

—Foi uma decepção entender que aqueles segmentos não podem ser privatizados. Põe em risco o resto do discurso liberal, mostrando que Bolsonaro pode ser, no máximo, um liberal tropical, disposto a fazer adaptações e adotar postura mais populista. Isso coloca em xeque o benefício da dúvida que estão dando a ele.

Para outro gestor, preocupa o fator de o presidenciável considerar que há “vacas sagradas” na privatização.

— O mercado estava comprando o discurso de Paulo Guedes. E, embora as declarações de Bolsonaro não tenham sido muito claras, o que se viu é que houve um choque entre o candidato e seu economista. No caso da Eletrobras, o mercado acha que não deve haver “vaca sagrada”, que tudo é passível de privatização, inclusive na área de geração —afirma Maurício Pedrosa, estrategista da gestora Áfira Investimentos.

Ele lembra que ageração de caixa da Eletrobras é negativa, o que significa que ela “suga” recursos do Tesouro Nacional. Mesmo que o governo queira manter sua soberania, diz, é possível fazer isso mesmo privatizando, como por meio de uma golden share — classe especial de ação que dá direito a veto em algumas áreas. O Estado tem golden share na Embraer e na Vale, que já foram privatizadas.

A realização de lucros (venda de ações para que os investidores embolsem os ganhos dos últimos pregões) e a expectativa dos investidores em relação à divulgação de novas pesquisas eleitorais, à noite, também pressionaram os negócios na Bolsa.

— A queda é umas o made fatores. Tema realização de lucros, expectativa com pesquisas e as declarações do Bolsonaro —avalia Rafael Passos, analista da Guide Investimentos, ressaltando que o mercado “compra” mais o modelo do candidato do PSL.

Reforma mais demorada

Mesmo não tendo tanto peso para a queda das ações, a questão da reforma da Previdência também contribuiu para o mau humor dos investidores. Na avaliação de Luiz Roberto Monteiro, operador de câmbio da corretora Renascença, as declarações do candidato do PSL levaram o mercado a refazer as suas expectativas em relação a um possível governo Bolsonaro:

— Quando o candidato dá declarações sobre privatizações e reforma da Previdência, os investidores, que tinham uma projeção sobre quanto o governo economizaria, começam a refazer suas contas.

Os mais otimistas acreditavam que, se eleito, o ex-capitão do Exército pudesse fazer uma costura política com o presidente Michel Temer para aprovar, ainda este ano, o texto da reforma que está na Câmara dos Deputados. Mas ontem, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), cotado para a Casa Civil num possível governo de Bol sonaro, afirmou que o tema só seria discutido a partir de 1º dej aneiro.

—Manter o texto e aprovar agora evitaria o desgaste político do novo governo — diz Luiz Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, para quem uma nova proposta de reforma não seria aprovada antes de meados de 2019.

Na terça-feira, Bolsonaro afirmou que uma possível tentativa de aprovar uma idade mínima muito avançada (65 anos) seria barrada pela oposição eque esse assunto deve ser tratado “vagarosamente”. Ele defendeu o aumento gradual da idade mínima para aposentadoria, mas não deixou claro se a medida seria apenas para o serviço público.

— O comportamento verborrágico de Onyx e as declarações de Bolsonaro são sinais contrários à expectativa dos investidores. O mercado pode cometer um autoengano. Mas ofa toé que a alternativa( Haddad) é ainda menos favorável às reformas. Então, Bolsonaro deve continuar com apoio do setor financeiro—avalia Arnaldo Curvelo, diretor da Ativa Investimentos.

“O grande problema (na Previdência) é o serviço público. O resto você combate a fraude e o descaso. (...) Se fizer com calma, tu chega lá. Não é como muitos querem. Não adianta colocar remendo novo em calça velha. Dá para tratar desses assuntos vagarosamente”

Jair Bolsonaro, candidato do PSL

“Se ele ganhar a eleição, vamos tratar desse assunto no dia 1º de janeiro de 2019, nem um dia antes. O Jair não era a favor, eu não sou a favor, a maioria das pessoas que apoiam Bolsonaro não é a favor da reforma que o Temer propôs porque ela é ruim, uma porcaria”

Onyx Lorenzoni, deputado (DEM-RS)

“Havia uma tese do Paulo Guedes de privatizar a Petrobras como um todo. O Clube Militar sempre apoiou a Petrobras de maneira nacionalista. (...) A sugestão foi privatizar refinarias e distribuição”

Levy Fidelix, presidente do PRTB