O globo, n.31158 , 27/11/2018. ECONOMIA, p.15

Nova escalada

João Sorima Neto

Manoel Ventura

 

 

O cenário conturbado da economia global — com forte oscilação nos preços de commodities e incerteza sobre os rumos da guerra comercial — reduz a cada dia a onda de otimismo do mercado financeiro desde as eleições. Passada a campanha, o mercado financeiro passou por um choque de realidade e, ontem, a moeda americana fechou em alta pelo quinto dia seguido, com valorização de 2,4% (o maior avanço em cinco meses, desde 14 de junho), a R$ 3,913. É a maior cotação desde o início de outubro.

Diante da nova escalada da moeda americana, o Banco Central (BC) anunciou ontem que emprestará US$ 2 bilhões das reservas internacionais para segurar a cotação e acalmar o mercado. O BC não emprestava dólares com compromisso de recompra, o chamado leilão de linha, desde 28 de agosto, em meio a oscilações no mercado durante o período eleitoral.

Analistas de câmbio ouvidos pelo GLOBO avaliam que, passada a eleição presidencial, quando o dólar recuou de R$ 4,20 para R$ 3,70, a moeda americana começou a ser pressionada por fatores externos, como a queda acumulada no período do preço de commodities importantes, como petróleo e minério de ferro, além dos efeitos da disputa comercial entre EUA e China.

Fatores internos também têm contribuído para reduzir o entusiasmo. O adiamento da votação da Reforma da Previdência para 2019 sinalizou que o governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, terá de negociar para aprovar medidas no Congresso, o que leva muitos investidores a manter apostas no avanço do dólar. A alta acumulada pela moeda americana nos últimos cinco pregões é de 4,75%.

—Há um fluxo negativo de recursos de estrangeiros na Bolsa, que ainda não compartilha do otimismo do investidor local. Em novembro, a saída de recursos da Bolsa soma R$ 3,5 bilhões, o que reduz a liquidez no mercado de câmbio. Além disso, algumas empresas multinacionais já começam a se preparar para remeter lucros e dividendos ao exterior no fim do ano, o que também faz a divisa subir — diz Fernando Bergallo, diretor de câmbio da FB Capital, lembrando que a previsão de desaceleração da economia global também pesa no humor dos investidores.

Para Ricardo Gomes da Silva, diretor da corretora de câmbio Correparti, o mercado se deu conta dos entraves adiante para o próximo governo:

— Passada a eleição, voltamos a encarar o Brasil real, com problemas fiscais nos Estados, dificuldades que o novo governo terá para aprovar medidas no Congresso. Nema independência do Banco Central foi votada este ano, e are formada Previdência fico upara 2019. Há incerteza até quanto à votação da cessão onerosa (acordo pelo qual a Petrobras adquiriu o direito de explorar cinco bilhões de barris de petróleo no pré-sal e que é precondição para o megaleilão de petróleo em 2019). Tudo isso leva os investidores a buscarem “proteção” no dólar.

 

CÂMBIO À MERCÊ DO EXTERIOR

Os analistas também apontam a queda acumulada, desde outubro, no preço do petróleo como fator de pressão sobre a moeda. A desvalorização no preço da commodity afeta divisas de países ligados ao petróleo, como Brasil, Rússia e África do Sul. Ontem foi a vez do preço minério de ferro despencar mais de 8% no mercado internacional. O real acabou sendo afetado porque o Brasil é um dos grandes exportadores do produto.

Cleber Alessie, operador de câmbio da H. Commcor, avalia que dificilmente o dólar voltará para R$ 3,70 no curto prazo se não houver fato positivo no mercado doméstico:

—Se o Congresso aprovasse pelo menos a independência do BC, poderíamos ter algum impacto no câmbio. Se nada acontecer, o câmbio fica à mercê do exterior.

 

BOLSA TEM QUEDA DE 0,79%

Ontem também foi um dia de perdas no mercado de ações. O Ibovespa, principal índice acionário do país, fechou em queda de 0,79%, aos 85.546 pontos, depois de ter ficado boa parte do dia em alta.

O movimento das ações de bancos, que têm forte peso sobre o Ibovespa, foi o que mais contribuiu para o dia de perdas na B3. As ações preferenciais (PN, sem voto) do Itaú Unibanco recuaram 1,33%, enquanto as PN do Bradesco perderam 1,87% .

— Os bancos passaram a cair e puxaram o índice, que vinha em alta. O dia foi mais tranquilo nos pregões lá fora, mas por aqui a aversão ao risco acabou prevalecendo com a saída de recursos de investidores estrangeiros— avaliou Ari Santos, operador da corretora H. Commcor.