O globo, n. 31121, 21/10/2018. País, p. 7

 

No WhatsApp, grupos oferecem explicação para tudo na política

Bruno Abbud

Marco Grillo

21/10/2018

 

 

Acontecimentos do dia a dia ganham versões peculiares, teorias conspiratórias e certezas absolutas

A velocidade de disseminação de conteúdo e a falta de filtros que diferenciem com clareza fatos irrefutáveis de notícias falsas tornaram o WhatsApp um fundamental campo de batalha da campanha eleitoral —e um ambiente com pouquíssimas regras. Na última semana, acontecimentos do noticiário político ganharam leituras particulares e, muitas vezes, enviesadas, dentro de grupos formados por apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). De um lado, os militantes do capitão da reserva comemoram, com suas teorias, o desabafo do senador eleito Cid Gomes (PDT) sobre o PT; do outro, os simpatizantes do ex-prefeito de São Paulo ampliaram, também de forma peculiar, a repercussão da reportagem que lançou uma suspeita sobre a atuação de bolsonaristas na veiculação de conteúdo anti-PT.

O GLOBO acompanhou as trocas de mensagens, vídeos, fotos, áudios e links em 369 grupos formados por apoiadores dos candidatos que permanecem na disputa presidencial. A maior parte do material foi analisada por meio do projeto “Eleições sem Fake”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que desenvolveu um software que seleciona os conteúdos mais compartilhados em 350 grupos públicos de WhatsApp, de várias colorações políticas. Outros 19 grupos foram analisados diretamente pela reportagem.

Em uma mensagem encaminhada —cuja origem é indecifrável —, um dos 248 integrantes do grupo “Confederação Direita —SP” repercutiu, em tom irônico, a reportagem da “Folha de S. Paulo”, segundo a qual empresários estariam bancando disparos de mensagens no WhatsApp contra o PT:

“Vou me entregar à Polícia Federal, pois sou um dos que participam de grupos de WhatsApp com conteúdo a favor de Bolsonaro e anti-PT. Descobri hoje que sou um ‘grande empresário’ e que, ao lado de milhões de brasileiros, estou interferindo nas eleições com o repasse de mensagens em grupos privados de WhatsApp”, escreveu.

Em outra mensagem, no grupo “(CDBr) — Direita 17 Sudeste”, uma imagem compartilhada mostra a frase “Haddad está desesperado, tanta gente trabalhando para o Jair Bolsonaro não é caixa 2 é de graça (sic)”. Uma montagem que circulou em diversos grupos trazia o seguinte texto: “Gente... tô morrendo de medo. A Folha disse que o Bolsonaro tem uma organização criminosa trabalhando para ele. Fomos descobertos”.

Na realidade, a acusação sobre a organização criminosa foi feita por Haddad, ao usar as informações da reportagem. No mesmo dia da publicação, o canal oficial do PSL no Youtube e uma lista de transmissão oficial do partido no WhatsApp lançaram a hashtag #MarketeirosdoJair, seguida por um vídeo que traz depoimentos de apoiadores do candidato. A hashtag foi um dos assuntos mais relevantes do Twitter na quinta-feira.

O WhatsApp notificou extrajudicialmente empresas que enviaram mensagens em massa com o objetivo de influenciar eleitores. Segundo a empresa, os termos de uso da plataforma foram violados.

Cid: "Jogada proposital"

Nos grupos petistas, que têm um alcance bastante inferior aos do candidato do PSL, a reportagem foi disseminada com uma série de memes. Um deles sugeria a criação da “Operação Lava-Zap”, enquanto outro explorava os supostos R$ 12 milhões gastos por empresários para disseminar notícias falsas contra o PT. Uma mensagem especulava uma nova artilharia contra o partido: “Infiltrados nossos desvendaram o último plano da campanha de Bolsonaro: 48 horas antes das eleições, será espalhada por todo o Brasil, via WhatsApp, uma fake news bombástica para atacar o Haddad”.

As pesquisas eleitorais também geraram repercussões. Contrariando os números que indicam a ampla vantagem de Bolsonaro (59% a 41% nos votos válidos, segundo o Datafolha), apoiadores de Haddad, divulgaram uma mensagem mais otimista do que os dados apontam:

“O tracking interno do PT indica crescimento do Haddad. Faltam somente seis pontos percentuais para chegar a 50%.” No início da semana, fez sucesso entre os apoiadores de Bolsonaro a declaração de Cid Gomes cobrando uma autocrítica do PT e discutindo com militantes petistas.

Uma interpretação no mínimo curiosa também ganhou espaço nas realidades virtuais dos grupos de WhatsApp: “A jogada do Cid Gomes foi proposital para dar abertura para o Haddad admitir o mea-culpa”.

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Pressão por medidas do Whatsapp

21/10/2018

 

 

> A disseminação em massa de mensagens com conotação eleitoral, via WhatsApp, levou a plataforma a notificar extrajudicialmente empresas que adotaram a prática. Algumas agências que estariam com a conduta sob suspeita são a Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMS Market, que, de acordo com reportagem da “Folha de S. Paulo”, foram contratadas por empresários para disparar fake news contra o PT.

“Temos tecnologia de ponta para detecção de spam que identifica contas com comportamento anormal para que não possam ser usadas para espalhar spam ou desinformação”, disse o WhatsApp, em nota, após a revelação. > Algumas contas chegaram a ser derrubadas do aplicativo, como a do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). O perfil foi desbloqueado depois.

> Esta foi a primeira eleição presidencial em que a circulação de conteúdo no WhatsApp tem se mostrado relevante, em detrimento do tempo da televisão. Professor de Ciência da Computação da UFMG, Fabrício Benevenuto cita a importância de acompanhar as discussões no WhatsApp, como o software criado na universidade: “É uma forma de dar transparência ao que acontece nos grupos públicos e dar a dimensão do problema”.