O globo, n. 31120, 20/10/2018. País, p. 4

 

Ofensiva contra fake news

André de Souza

Jailton de Carvalho

20/10/2018

 

 

Justiça Eleitoral e PGR mandam investigar disseminação de dados falsos na eleição

A Polícia Federal vai abrir investigação para apurara disseminação de notícias falsas pelas redes sociais na campanha presidencial. Serão duas frentes de apuração. Na primeira, aberta por determinação do ministro Jorge Mussi, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a PF analisará se o candidato a presidente Jair Bolson aro( PS L) cometeu crimes eleitorais. A investigação foi solicitada pelo PT. Na outra frente, apedido da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), a PF vai investigara disseminação de notícias falsas na campanha presidencial contra ambos candidatos. O pedido da PGE cita reportagens do GLOBO, da BBC e do jornal “Folha de S.Paulo". A partir de agora, a Justiça Eleitoral deverá encaminhar com mais rapidez à Polícia Federal os pedidos de investigação sobre “fake news”. A decisão de apressar as apurações criminais foi acertada numa reunião ontem entre a presidente do TSE, Rosa Weber, com representantes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Também na próxima semana, existe a possibilidade de o plenário do TSE analisar uma ação contra a divulgação de “fake news" pelo Whatsapp. Ministros da corte já deram decisões divergentes sobre isso, mas o plenário, composto por sete integrantes, ainda não deliberou a respeito. Se o fizer, poderá criar um parâmetro para julgamentos futuros. Na prática, porém, isso terá pouco efeito na eleição deste ano, uma vez que o primeiro turno já passou e o segundo está marcado para o dia 28 de outubro.

No TSE, o pedido de investigação, aceito ontem pelo ministro Mussi, foi feito pelo PT. O partido se baseou em reportagem do jornal “Folha de S.Paulo", segundo a qual empresas — que foram proibidas de fazer doações eleitorais — estariam favorecendo a campanha do candidato do PSL ao comprar pacotes de divulgação em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. No pedido da PGR, é citada reportagem do GLOBO na qual o consultor de marketing digital da campanha presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB), Marcelo Vitorino, disse ter participado de reunião em que uma empresa ofereceu ao partido a entrega de disparo de mensagens por WhatsApp para até 80 milhões de pessoas, usando cadastro de terceiros, o que é proibido por lei. Os tucanos não aceitaram a proposta.

O PT também pediu ao TSE que as empresas acusadas de comprar os pacotes e o Whatsapp fossem investigados. Mas Mussi lembrou que as sanções de inelegibilidade e cassação de registro ou diploma não podem ser aplicadas a pessoas jurídicas. Assim, a investigação se fixará em Bolsonaro, no seu vice, o general reformado Hamilton Mourão, e em mais 11 empresários, entre eles Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, e dez sócios das empresas de mídia digital acusadas de irregularidades. Foi dado um prazo de cinco dias para que eles apresentem sua defesa. Hang nega as acusações. Mussi negou liminar em alguns pedidos do PT, como o de prender Hang e de decretar busca e apreensão de documentos na sua residência ou na sede da Havan. “Observo que toda a argumentação desenvolvida está lastreada em matérias jornalísticas, cujos elementos não ostentam aptidão para, em princípio, demonstrar a plausibilidade da tese em que se fundam os pedidos”, afirmou o ministro. Mussi também negou pedido para obrigar o empresário a repassar toda a documentação contábil, financeira, administrativa e de gestão relativo aos gastos com a campanha de Bolsonaro, e para fazer o Whatsapp elaborar um plano de contingência capaz de suspender o disparo em massa de mensagens ofensivas a Haddad. Na investigação da PGR, o inquérito deve apurar a disseminação de mensagens em redes sociais tanto em relação a Bolsonaro, quanto a Haddad. A investigação foi solicitada por meio de ofício enviado ao ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, a quem a PF é subordinada. A procuradora Raquel Dodge afirmou que o uso de recursos tecnológicos para espalhar informações falsas é “uma nova realidade mundial que exige investigação". Bolsonaro negou qualquer envolvimento com a disseminação de fake news por meio de empresas que apoiam sua candidatura. “Eu não tenho relação nenhuma com empresários nesse sentido. Nós estamos derrotando o PT com verdades. Nós não precisamos mentir sobre o sr. Haddad. Eles estão desesperados", afirmou o candidato do PSL.

Opinião do Globo - Risco de censura

Raquel Dodge, procuradora-geral da República, certamente estava com ótimas intenções ao criticar as fake news, defendendo uma regulação perigosa do exercício do direito constitucional à liberdade de expressão. Para ela, este direito só pode ser exercido para disseminar “verdades”. Mas quem avaliará cada “verdade”? Se for algum burocrata de plantão, resvalaremos para atos de exceção.

Mesmo diante da avalanche de mentiras que inundam a internet, não se deve deixar seduzir por ideias como a da criação de alguma via rápida para suprimir supostas mentiras, contra o que estabelece a Constituição.

Os caluniados sempre podem recorrer à Justiça. Enquanto isso, a própria sociedade se organiza para combater as fake news.

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Aplicativo bane Flávio Bolsonaro por 'comportamento de spam'

20/10/2018

 

 

Senador eleito pelo PSL chama ação de censura, e WhatsApp reativa conta

Em duas frentes de investigação, a Polícia Federal vai apurar a disseminação de notícias falsas pelas redes sociais e pelo WhatsApp na campanha. Por solicitação do PT, o ministro Jorge Mussi, do TSE, determinou que a PF investigue se o candidato Jair Bolsonaro (PSL) cometeu crimes eleitorais. Bolsonaro nega irregularidades. A pedido da Procuradoria-Geral Eleitoral, será averiguada a veiculação de notícias falsas sobre o petista Fernando Haddad e sobre Bolsonaro. A decisão de apressar apurações criminais sobre fake news foi acertada em reunião entre a presidente do TSE, Rosa Weber, a PF e outros órgãos. Após ser banido do WhatsApp por ‘comportamento de spam’, o senador eleito pelo Rio Flávio Bolsonaro (PSL ) conseguiu recuperar sua conta no aplicativo. Ele chegou a fazer um post, em sua conta no Twitter, para dizer que ainda não teve uma explicação clara sobre o que classificou como ‘censura’: “Meu telefone, cujo WhatsApp foi bloqueado, é pessoal e nada tem a ver com uso por empresas. O próprio WhatsApp informou que o bloqueio foi há dias. Agora já foi desbloqueado, mas ainda sem explicação clara sobre o porquê da censura”, disse. O WhatsApp confirma que a conta de Flávio Bolsonaro foi banida “por comportamento de spam “há alguns dias", não tendo relação com a reportagem do jornal Folha de S.Paulo, que apontou uma suposta ação de empresários apoiadores de Bolsonaro para financiar a disseminação de notícias contra Fernando Haddad, com o uso ilícito de cadastros de usuários do aplicativo. Outra conta banida por spam durante o período eleitoral foi o “Dilmazap”, conta que teria sido criado para a campanha da ex-presidente Dilma Rousseff ao Senado por em Minas Gerais. Para tentar conter o uso da plataforma em campanhas de desinformação, o WhatsApp informou ontem que está “tomando medidas legais imediatas para impedir empresas de enviar mensagens em massa” e que “contas associadas a essas empresas” foram banidas . Em nota, a empresa afirma que o procedimento está sendo aplicado “proativamente” ao longo de toda a campanha eleitoral. O WhatsApp informa ter banido “proativamente centenas de milhares de contas durante o período das eleições no Brasil”. “Temos tecnologia de ponta para detecção de spam que identifica contas com comportamento anormal para que não possam ser usadas para espalhar spam ou desinformação”, diz trecho da nota. A disseminação indiscriminada de mensagens no WhatsApp por empresas viola a legislação brasileira para a internet e os termos de uso do próprio aplicativo, segundo especialistas. Segundo Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), o Marco Civil da Internet veda o fornecimento de dados de consumidores —neste caso, o número do celular —a terceiros sem o “consentimento livre, expresso e informado” do internauta.