O globo, n. 31116, 16/10/2018. País, p. 6

 

Mais perto do Planalto, mais sinais de moderação

Marco Grillo

Hudson Corrêa

16/10/2018

 

 

Tanto Jair Bolsonaro quanto Fernando Haddad revisaram posições polêmicas desde que chegaram ao segundo turno para obter votos e diminuir rejeição. Recuos sobre convocação de Assembleia Constituinte e novo tratamento a gays são exemplos

Com o calendário eleitoral cada vez mais perto do momento decisivo e a necessidade de abrir diálogo com campos políticos distantes dos círculos que tradicionalmente os acompanham, os dois candidatos à Presidência que permaneceram na disputa reviram posições antigas — próprias ou de instâncias partidárias — e, agora, acenam de maneira clara para um eleitorado mais amplo. Com trajetórias e posicionamentos políticos distintos, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), cada um à sua maneira, moderaram suas falas ao longo da campanha eleitoral, o que pode ser visto com mais clareza desde o início do segundo turno.

A perspectiva de vitória em 28 de outubro — lidera a corrida com 59% dos votos válidos, contra 41% do adversário, segundo o Ibope — fez com que Bolsonaro evitasse repetir declarações agressivas do passado, como em relação aos homossexuais, e desautorizasse aliados que causaram embaraços para a campanha.

No lugar do parlamentar que verbalizou posições homofóbicas —“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, já disse em entrevista —, o candidato à Presidência adotou um tom mais ameno. “Vamos fazer um governo para todo mundo. Para os gays, e inclusive tem gay que é pai, tem gay que é mãe”, afirmou recentemente em uma transmissão no Facebook.

Respeito à Constituição

Logo no primeiro dia de campanha do segundo turno, Bolsonaro negou, ao ser perguntado em uma entrevista ao Jornal Nacional, ter a intenção de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Afalafo inecessária como um contraponto a uma declaração de seu vice, general Hamilton Mourão. O militar disse que as mudanças constitucionais não precisariam ser feitas por congressistas eleitos.

“Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito”, disse Mourão. O presidenciável refutou a hipótese: “Jamais eu posso admitir um anova Constituinte, até por falta de poderes paratal. Se estamos disputando a eleição, é porque acreditamos no voto popular e seremos escravos da Constituição”.

Depois de atrair a maior parte do eleitorado antipetista no primeiro turno, a intenção de Bolsonaro é conquistar os votos que podem garantira eleição afastando a imagem de que seria um radical disposto a promover rupturas institucionais.

No caso de Haddad, a mudança de discurso tornou-se uma necessidade urgente, avaliada pelo comando da campanha como único caminho possível para evitara derrota. O programa de governo mais à esquerda e a influência explícita do ex-presidente Lula deram lugar, inclusive, a um novo logotipo de campanha — sem o nome de Lula e com o verde-amarelo da Bandeira brasileira ocupando o lugar que era do vermelho do PT.

O documento com as propostas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prega que o governo construa as “condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte”. Também ao Jornal Nacional, Haddad voltou atrás: “Nós revimos nosso posicionamento. Vamos fazer as reformas devidas por emenda constitucional”.

A discussão sobre a possibilidade de indulto a Lula, permitindo que ele saísse da cadeia, também já provocou idas e vindas no PT. Em um primeiro momento, Haddad se esquivava da discussão afirmando que o ex-presidente não estava pedindo o benefício. Em entrevista à Rádio CBN, em 18 de setembro, o candidato do PT foi mais incisivo —“A resposta é não” (sobre assinar o indulto). Uma semana depois, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que “não veria problema nenhum em o presidente eleito dar indulto” a Lula. Questionado no último fim de semana, Haddad repetiu que o ex-presidente não pede o benefício.

No campo da autocrítica sobre a corrupção no governo do PT, a passagem ao segundo turno fez Haddad dar um passo além do que havia feito na primeira fase da disputa. Ao Jornal Nacional, em 14 de setembro, o ex-prefeito de São Paulo argumentou que os esquemas não eram exclusividade do partido. “A corrupção na Petrobras, no depoimento de vários delatores, data de tempos muito remotos, remonta à ditadura militar”. No último sábado, Haddad ensaiou uma crítica: “Faltou controle interno nas estatais. Diretores ficaram soltos para promovera corrupção e se enriquecer pessoalmente ”.

Eleitor volátil

Para o cientista político João Trajano Sento-Sé, a alta rejeição aos dois candidatos, medida em pesquisas no primeiro turno, forçou as mudanças de discurso.

— É compreensível que eles revejam pontos, com ajuste retórico, em direção ao centro. A volatilidade de apoio dos eleitores, mais acentuada do que o comum, estimula o candidato abuscar ovo todo adversário— avalia o especialista.

O cientista político Leonardo Barreto acrescenta que tem ocorrido uma reação aos fatos inesperados da campanha, que exigem respostas rápidas.

— No caso do Haddad, ficou claro que o Lula o levou ao segundo turno, mas também que havia batido no teto. Ele teve que tomara decisão de tirar o Lula, massem ter nada para colocar no lugar —afirma Barreto.

Para Barreto, a liderança de Bolsonaro, segundo as pesquisas, fez com que ele tivesse que adotar outra postura:

— O Bolsonaro está numa condição de ser eleito, com uma vantagem muito grande. Ele tem que ser presidencial no segundo turno, oque significa dialogar com todo o povo e não apenas com seus eleitores.Aí ele antecipou a mudança delinguem e discurso.

Recuos, conciliações e decisões revistas

Como os dois presidenciáveis fizeram acenos em busca de votos

Constituinte

“Construiremos as condições de sustentação social para a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte” Texto do programa de governo do PT “Nós revimos nosso posicionamento. Vamos fazer as reformas devidas por emenda constitucional”

Fernando Haddad, em entrevista ao Jornal Nacional em 8 de outubro

José Dirceu

“Nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”

Frase de José Dirceu em entrevista ao El Pais, em 26 de setembro

“O ex-ministro não participa da minha campanha, não participará do meu governo e eu discordo da formulação desta frase. Para mim, a democracia está sempre em primeiro lugar”

Fernando Haddad, em entrevista ao Jornal Nacional em 8 de outubro

Indulto

“Eu não veria problema nenhum em o presidente eleito dar indulto ao presidente Lula. Isso aí é absolutamente normal”

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em 25 de setembro

“Ele (Lula) não pede. É engraçado vocês me pedirem para me posicionar sobre algo que o presidente não está pedindo. Ele está pedindo um julgamento justo”

Fernando Haddad, ao El Pais em 14 de outubro. O petista já havia dito em 18 de setembro que não concederia o indulto

Corrupção na Petrobras

“A corrupção na Petrobras, no depoimento de vários delatores, testemunhas e colaboradores, data de tempos muito remotos, remonta à ditadura militar”

Fernando Haddad, em 14 de setembro

“Faltou controle interno nas estatais. Isso é claro. Diretores ficaram soltos para promover a corrupção e se enriquecer pessoalmente”

Fernando Haddad em agenda de campanha, dia 13 de outubro

Constituinte

“Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”

General Mourão, em 13 de setembro

“Jamais eu posso admitir uma nova Constituinte, até por falta de poderes para tal. Se estamos disputando a eleição, é porque acreditamos no voto popular e seremos escravos da Constituição”

Jair Bolsonaro, em entrevista ao Jornal Nacional em 8 de outubro

Violência

“Se um cara lá que tem uma camisa minha comete um excesso, o que tem a ver comigo?”

Jair Bolsonaro, em entrevista de 9 de outubro

“Dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim”

Jair Bolsonaro, no Twitter em 10 de outubro

Salário para mulheres

“Na questão privada, não temos como interferir, fica no livre arbítrio do empregador. Eu não empregaria com o mesmo salário”

Jair Bolsonaro, em entrevista à RedeTV!

“Não sou homofóbico. Não acho que ninguém deve ser estuprado. Não defendo que mulher deve ganhar menos. Não sou racista”

Jair Bolsonaro, no Twitter em 25 de agosto

LGBT

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”

Jair Bolsonaro, em entrevista à Playboy em 2011

“Vamos fazer um governo para todo mundo. Para os gays, e inclusive tem gay que é pai, tem gay que é mãe. É um trabalho para todos vocês”

Jair Bolsonaro, em transmissão ao vivo de 6 de outubro

Opinião do Globo - Autocrítica

No ensaio de autocrítica que tem feito o candidato petista Fernando Haddad, ele tangencia a questão da macrocorrupção verificada em estatais nos governos Lula e Dilma diagnosticando-a como decorrência da “falta de fiscalização”.

Na verdade, e isto Haddad não admitirá, o que houve no petrolão e suas linhas auxiliares de desvio do dinheiro público é que o Planalto esteve muito próximo da Petrobras, Eletronuclear e Eletrobras não para supervisioná-las, a fim de proteger o patrimônio público, mas com objetivo oposto.