Título: O encontro das diversidades
Autor: Mascarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 18/06/2012, Brasil, p. 8

A Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil na conferência, é a perfeita miscelânea do que há no mundo. Participantes se unem para dar o exemplo aos chefes de Estado Rio de Janeiro — Índios, europeus, gays, famílias inteiras. Ativistas de toda sorte e nacionalidade invadiram o Aterro do Flamengo, parque entre a Zona Sul e o Centro do Rio, para participar, cada um à sua maneira, da Cúpula dos Povos. O braço da sociedade civil da Rio+20 não interferirá em nada nas negociações da conferência e também não é exatamente um evento, mas uma ocupação, com tendas e pessoas espalhadas pela grama e ciclovia, manifestando uma miscelânea de anseios e reivindicações.

Ao longo do dia, palestras, debates e apresentações acontecem no espaço aberto ao público. Ontem, o clima foi de domingo no parque, com engajados e curiosos lotando o Aterro. Uma dupla de freiras venezuelanas da Congregação das Missionárias Lauritas observava um grupo de mulheres negras dançando música africana. Não arriscaram palmas, tinham que, mesmo no momento de descontração, permanecerem atentas aos índios Xavante, de Mato Grosso do Sul. "Estamos aqui para dar suporte aos índios, que querem ser ouvidos. Vivemos com eles, prestando assistência em educação, saúde, bem-estar social. Para nós, está sendo muito interessante ver tanta gente com interesses diferentes", contou a irmã Marbelis Monroi, 27 anos. Na tribo, dos 283 índios, cerca de 50 deles já são católicos.

Para o fim da noite estava prevista uma vigília ecumênica contra a intolerância religiosa. Não faltava público. Integrantes do movimento Hare Krishna cantaram e dançaram durante toda a tarde. Eles se concentraram na ciclovia, a menos de 10 metros da tenda onde ocorria manifestações de candomblé, e próximos a um pequeno grupo de adventistas que distribuía livros. Em pouco tempo, dezenas de pessoas se misturaram aos homens e mulheres de roupa laranja que repetiam o cântico Hare.

O técnico de informática Vinícius Layor, 31 anos, paramentado numa bata colorida, explicava a conexão entre candomblé e sustentabilidade: "A nossa religião respeita e cultua a natureza", resumiu, antes de ensaiar o que diria aos chefes de Estado que se reunirão a partir de quarta-feira para debater soluções e metas ambientais: "O grande impasse das negociações até agora é quem vai pagar a conta das medidas de desenvolvimento sustentável. Será que o que se pagará hoje não vai valer a pena no futuro?".

Moradora de Niterói, município vizinho à capital fluminense, a comerciante Gabriela Branco, 37 anos, levou a filha, Ana Clara, 17, para conhecer a cúpula. A adolescente, pretensa universitária do curso de relações internacionais, se dizia embevecida com "tanta mistura". "É muito legal ver pessoas tão diferentes interagindo, dançando e cantando, expondo sua cultura sem a menor vergonha", explicou Ana Clara, para em seguida esclarecer que respeita e admira todas as "tribos", mas não poderia virar hippie: "Não vivo sem meu celular". A mãe fazia coro ao entusiasmo da filha, embora desconfiasse que nem todos que parecem índios, na verdade, são: "Tem gente que joga umas peninhas no chão e quer vender como artesanato de índio".

Perto delas, Regina Santos, técnica em enfermagem, 56 anos, também foi ao Aterro com o propósito de estimular a filha, estudante primária. Abrindo uma latinha de cerveja, ela brincou: "Está achando que pobre só faz churrasco no domingo? Coisa nenhuma. Vim para ela ter coisas a debater em sala de aula amanhã". A moradora de Anchieta, bairro do subúrbio carioca, cobra dos negociadores brasileiros e internacionais um acordo. "A cúpula é a prova de que os povos se entendem. Se você colocar três crianças de diferentes raças juntas, elas vão brincar direitinho, até que um adulto diga para a branca não falar com a negra. É a mesma coisa para os chefes de Estado. Espero que eles cheguem a uma conclusão para preservar o meio ambiente. Aqui, a gente se entende."

A cúpula é a prova de que os povos se entendem. Se você colocar três crianças de diferentes raças juntas, elas vão brincar direitinho, até que um adulto diga para a branca não falar com a negra. É a mesma coisa para os chefes de Estado" Regina Santos, técnica em enfermagem