Título: Comparação sobre as condições do cárcere
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2012, Política, p. 2

No depoimento pessoal prestado à jovem equipe do Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), há uma década, Dilma Rousseff teve paciência de comparar os tipos de tortura e as condições a que foi submetida nos cárceres onde ficou em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, por dois anos e 10 meses, entre 1970 e 1972, durante a ditadura no Brasil. Segundo pincelou Dilma, dentro da penitenciária Barão de Mesquita, no Rio, ninguém via ninguém. "Havia um buraquinho, na porta, por onde se acendia cigarro", contou. O procedimento carioca era semelhante ao mineiro, onde ela ficava sempre sozinha, sendo colocada em uma solitária em Juiz de Fora. "Muitas vezes usavam em mim palmatória. Usaram em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco esse método", explicou.

Contemporânea de militância estudantil de Dilma (codinome Estela) em Belo Horizonte, mas de vertente oposta, ligada aos movimentos sociais da Igreja Católica, como a Pastoral de Direitos Humanos, a psicóloga Emely Salazar, de 74, confirma o uso da palmatória em Minas. "Um dia levei tanta, tanta palmatória, que meus pés e mãos viraram uma bola. Eu não conseguia ficar em pé no chão. Tive de ser carregada no colo pelo meu torturador, o tenente Marcelo (Araújo Paixão), com a cabeça apoiada no ombro dele. Tive ódio de mim nesse dia", desabafa Emely, que chega a ter pesadelos até hoje com o episódio. É o mais marcante pinçado de sua longa temporada de quase dois anos na prisão, só que no Dops, em BH (Leia depoimento de Emely Salazar na página 3).

Em São Paulo, a vida nas masmorras também não era fácil. Pelo menos, a então subversiva Dilma tinha a companhia das outras presas políticas, que dividiam a mesma ala. "Na Oban (Operação Bandeirantes, que mais tarde passaria a se chamar Doi-Codi), as mulheres ficavam junto às celas de tortura", explica Dilma em outro trecho do depoimento, publicado com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas, desde domingo. O mesmo ocorria, segundo a presidente, em outro presídio paulista. "Todas as mulheres presas no Tiradentes sabiam que (eu) estava presa: uma, por exemplo, Maria Celeste Martins...", relata. A amiga citada nominalmente pela presidente faria companhia a Dilma na chamada Torre das Donzelas, onde eram abrigadas as presas políticas no presídio Tiradentes, mais tarde demolido em São Paulo.

Outra característica "marcante", segundo adjetivo empregado na época por Dilma, dos interrogatórios de Minas é que não eram feitos por militares — eles apenas acompanhavam. A presidente prossegue: "Em SP, era diferente, os militares interrogavam e o Dops acompanhava . Em SP, chegou a ponto da Oban invadir o Dops. Durante um certo tempo, quem controlou a repressão foi a Polícia Civil, através dos Dops. Na minha época, o Dops era muito forte e os órgãos militares se encaixavam subordinadamente. O delegado Fleury tinha grande poder, que perdeu, depois, para os militares", disse. Em Minas, segundo a presidente, eles trabalhavam em conjunto. Ela completa a distinção entre as forças da repressão dos três estados: "O processo de subordinação a Polícia Civil pelo Exército não tinha se completado. Já no RJ estava completamente alijada a PC: era a Marinha, Exército e Aeronáutica". Números

Como velha e boa militante, em determinado trecho mais descontraído de seu depoimento pessoal, Dilma passa questionar os termos de sua própria condenação. Com calo de ativista, Dilma subverte os números, questionando a lógica dos militares. "Tive participação política em três estados: comecei em Minas Gerais 90% da minha militância. Só no último ano ficaria a metade (do tempo) no Rio e SP. Fui condenada nos três estados . No Rio de Janeiro, levei um ano e um mês (de prisão), por ter militado oito meses. Em Minas, levei um ano, por cinco anos de militância. Por que isso?", depõe Dilma, perante a jovem equipe do Conedh-MG, enviada ao Rio Grande do Sul em 2001, na intenção de tentar convencer a então ministra das Minas e Energia, entre seis outros militantes políticos, a prestar depoimento no processo mineiro.

Dilma foi condenada a um ano de prisão no Inquérito Policial Militar em Minas, pelo artigo 36 (pertencer a organização de luta armada), e a um ano e um mês no do Rio. Segundo o livro A vida quer é coragem, lançado em janeiro, contando a trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidente do Brasil, o jornalista mineiro Ricardo Batista Amaral revela que "em São Paulo, o juiz auditor carregou a mão na denúncia — chamou Dilma de "papisa da subversão", "uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais" — e obteve a pena máxima: quatro anos. Em novembro de 1972, o Superior Tribunal Militar (STM) reavaliou os processos, fixou a pena total em dois anos e um mês e determinou a soltura da ré. Quando desceu a Torre das Donzelas, Dilma tinha completado dois anos e 10 meses no cárcere. No saldo, nove meses além da pena imposta pelo tribunal militar.

Um dia levei tanta, tanta palmatória, que meus pés e mãos viraram uma bola. Eu não conseguia ficar em pé no chão. Tive de ser carregada no colo pelo meu torturador"

Emely Salazar, psicóloga, militante estudantil no período da ditadura