Título: Comissão da Verdade entra na investigação
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2012, Política, p. 2

Colegiado pretende reunir todos os documentos existentes em Minas Gerais sobre as agressões sofridas por Dilma Rousseff durante a ditadura. Expectativa é de que existam outros depoimentos semelhantes ao prestado pela presidente, em 2001

A Comissão da Verdade vai recolher os documentos existentes no Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Cnedh-MG) relacionados à tortura sofrida pela presidente Dilma Rousseff durante a ditadura, divulgados com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas. A comissão também investigará os fatos relacionados ao episódio, classificado pelo coordenador da comissão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, como "chocante". Em um depoimento em 2001, Dilma relata a forma em que foi agredida pelos seus algozes, quando pertencia a grupos de esquerda.

De acordo com o ministro, há a possibilidade de existir outros documentos semelhantes que podem esclarecer outros episódios ocorridos durante o regime militar, envolvendo não apenas a presidente, mas outras pessoas. "Se o Correio e o Estado de Minas descobriram isso, deve haver outro tanto", afirmou Gilson Dipp, que ficou impressionado com os relatos de Dilma, feita a uma equipe do Cnedh-MG quando ainda era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. "É impressionante", observou o coordenador da Comissão da Verdade, que desconhecia documentos semelhantes. O ministro também não sabia que a cidade de Juiz de Fora tinha sido um dos locais de tortura da ditadura.

Gilson Dipp ressaltou que, além da descoberta de outros locais de tortura, o fato novo são os relatos precisos sobre como agiam os agentes do regime militar. "Que ela foi torturada a gente já sabia, mas quando há um relato mais detalhado é sempre mais chocante, também por se tratar da chefe de Estado", observa o coordenador da Comissão da Verdade. O ministro explicou que o grupo vai aproveitar a presença de uma pesquisadora que já está em Minas Gerais para recolher todo o material existente. "Ela foi indicada para verificar junto à Comissão dos Direitos Humanos os documentos publicados pelos jornais. Temos que reabilitá-los, e não só os relacionados à presidente, mas outros que devem estar perdidos por lá e mandar investigar isso tudo", afirmou Gilson Dipp.

Bilhete A coordenadora da Comissão da Verdade da Câmara, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), afirmou que vai reforçar no Executivo o pedido de investigação dos documentos encontrados em Minas. "A nossa comissão não tem prerrogativa para fazer esse trabalho, que cabe ao governo. Vamos pressionar para que isso seja feito", afirmou Erundina, que cobrou maior agilidade do grupo montado pelo Palácio do Planalto para investigar a violação dos direitos humanos durante o regime militar. Porém, segundo Gilson Dipp, a Comissão da Verdade já está recolhendo novos documentos e fazendo seu cronograma de trabalho.

De acordo com os depoimentos relevados pelo Correio/Estado de Minas, as torturas praticadas contra a presidente ocorreram com maior intensidade depois da descoberta de um bilhete, onde supostamente havia um plano de fuga de presos políticos. O manuscrito foi do então dirigente do Comando de Libertação Nacional (Colina) Ângelo Pezzuti, que usava o codinome de Gabriel, e era endereçado à Dilma e outra mulher, Oroslinda Maria Taranto Goulart, a Orós. A troca de bilhetes resultou em novas sessões de agressões à presidente, que na época tinha 22 anos.

Até então, se sabia que Dilma havia sido torturada em São Paulo e Rio de Janeiro, mas se desconhecia haver sessões de agressões no interior de Minas, conforme comprovado pelo seu depoimento de 11 anos atrás. A revelação repercutiu internacionalmente, mas tanto a presidente quanto os ministros ligados ao tema, como o da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, não quiseram comentar as reportagens.

Um dia levei tanta, tanta palmatória, que meus pés e mãos viraram uma bola. Eu não conseguia ficar em pé no chão. Tive de ser carregada no colo pelo meu torturador"

Emely Salazar, psicóloga, militante estudantil no período da ditadura