O globo, n.31114 , 14/10/2018. País, p.4

Os 10 milhões de votos que o PT perdeu

Miguel Caballero

Igor Mello

Marcelo Corrêa

 

 

Em quatro anos, o PT perdeu 10 milhões de votos nas cidades brasileiras onde a renda familiar média da população está entre R $2 mile R $8,6 mil —aclasse C, na classificação elaborada pela Fundação Ge tu lio Vargas( FGV ). Esse grupo de 3.294 não estão nem no topo nem naba seda pirâmide social deu a Dilma Rousseff (PT), no primeiro turno de 2014, 27,3 milhões de votos, contra 26,1 milhões de Aécio Neves (PSDB). No último domingo, Fernando Haddad (PT) teve apenas 17,4 milhões de votos, contra 38,6 milhões de Jair Bolsonaro—se a eleição se desse apenas nas cidades “class e C ”, o candidato do PSL venceria no primeiro turno, com 51,9% contra 23,4% do presidenciável petista.
São números que dão concretude ao que é sugerido por cientistas políticos e apontado nas pesquisas de intenção de votos: se ainda predomina no eleitor adomais pobre e é largamente derrotadona elite, o PT viu sua base política decair fundamentalmente por ter perdido o apoio nesse estrato. Essas conclusões fazem parte da atualização, apedido do GLOBO, da tese de doutorado em ciência política da pesquisadora Priscila Lapa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Em 2016, ela publicou o trabalho “Como votou aclasse C nas eleições de 2014”, que buscou mapear em quem votou o eleitor de cada classe social — como o voto é secreto, não há como saber a renda de quem digita os números na urna.
 
 

VOTOS SOMAM 74,5 MILHÕES

 

A especialista criou um modelo estatístico que alia ao fator principal da renda familiar outras variáveis como índice de Gini, IDH e escolaridade média nos 5.565 municípios brasileiros para chegar à lista de 3.294 cidade sonde está concentrada essa maior parcelado eleitorado. A partir daí, foi feito o cruzamento com os dados da votação publicados pelo TSE, que oferece os números por município. Foram 72,6 milhões de votos válidos desse grupo no primeiro turno de 2014 e 74,5 milhões agora. Esse montante representa 69,6% dos votos válidos totais, que somam 107 milhões. — Não queríamos trabalhar com intenção de votos, que é onde se pode saber a renda de cada eleitor entrevistado, mas com o resultado da votação, muito mais preciso. Foi uma resposta muito satisfatória no sentido de mostrar como aclasse C votou—diz a pesquisadora. Priscila analisa que a população da classe C vem se conectando mais à eleição.

—O debate eleitoral no Brasil sempre foi muito marcado pelas classes mais altas, informadas e de maior influência nas diretrizes políticas e econômicas, e pelas classes mais baixas, que são receptoras imediatas dos programas de governo. Aclasse C ficava esmagada. Comas redes sociais, a insatisfação pela crise econômica e casos de corrupção, entre outros motivos, essas pessoas puxaram a tomada de decisão para si. Em 2018, o PT não conseguiu dialogar com esse eleitorado.

O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea, avalia que o fenômeno eleitoral está relacionado à reversão de ganhos dessa parcela da população. Ele destaca que, entre 2003 e 2014, 52 milhões de brasileiros ingressaram na classe C.

O contingente passou de cerca de 66 milhões para 103 milhões. Nesse mesmo período, a renda do cidadão mediano cresceu 95%. A partir de 2014, os efeitos da recessão, que apareciam aos poucos nos dados oficiais, começaram a surgir no dia a dia da população. A renda do brasileiro mediano caiu 10,95%, e o número de pessoas na classe C encolheu pela primeira vez, de 118 milhões, em 2014, para 116 milhões, em 2015, os últimos dados disponíveis.

—A grande inflexão ocorrida no comportamento de ascensão de renda ocorreu no último trimestre de 2014, logo após a eleição passada — destaca o especialista, lembrando que fatores subjetivos, como a falta de confiança nas instituições, também ajudam a explicara mudança de humor da classe média.

—Foi uma década perdida para esse grupo da sociedade. A Baixada Fluminense é um exemplo dessa guinada da classe C. Lar de quase 2,7 milhões eleitores, a região sempre foi estratégica para as vitórias petistas. Em 2014, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves nos dois turnos. No segundo, obteve 67% dos votos válidos, abrindo uma vantagem de mais de 600 mil votos. A mudança política experimentada pela Baixada tem pouco a ver com motivações ideológicas.

O desencanto com a classe política e a disparada nos índices de violência são os argumentos citados pelos eleitores da região para explicar a migração para Bolsonaro. Com a maior taxa de homicídios do Brasil, Queimados é um exemplo da mudança: 59% escolheram Bolsonaro, contra 18% que votaram em Haddad. A sensação de piora na qualidade de vida é geral: a crise provocou o aumento do desemprego e da violência. Luiz Claudio da Conceição Torres, de 45 anos, vive essa realidade de perto. Morador de Queimados, Bilunga, como é conhecido no bairro Vila Nascente, está desempregado desde dezembro. Para ele, o combate à violência é a principal proposta de Bolsonaro. A cidade registrou, em 2016, 134,9 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.

— A bandidagem está correndo solta, estão assaltando até de dia —afirma. Também desempregado, Danilo Souza da Silva, de 30 anos, mora no Campo da Banha, bairro de Queimados sitiado pela guerra entre facções rivais.

—Eu deixei de votar no PT por tudo isso que aconteceu. Essa crise financeira e todas essas coisas são culpa do PT —argumenta. A desesperança com os políticos tradicionais também marca o discurso da dona de casa Maria Cistina Ribeiro, de 51 anos, moradora do bairro da Cancela, em Japeri, cidade com os piores indicadores sociais da Baixada.

— A proposta dele (Bolsonaro) é necessária. Não dá para saber se vai dar certo, mas a gente tem que mudar — explica, acrescentando a precariedade de serviços. — A vida aqui não melhorou nada. Não temos maternidade, para ir a uma emergência temos que sair da cidade. O cientista político Carlos Ranulfo, professor da UFMG, avalia que os dados mostram uma insatisfação do eleitorado não só em relação ao PT, mas à política como um todo. A classe C representa, para ele, o humor generalizado contrário à política tradicional.

— É um voto no que parece ser novo, ainda que parte do eleitor não saiba exatamente o que é essa novidade — analisa. — O que une é a rejeição à política.

 

NORDESTE AINDA FIEL

 

O Nordeste é o reduto onde o PT conseguiu preservara fidelidade de boa parte dos votos da classe C. O GLOBO entrevistou três desses eleitores em Salvador. O porteiro Cícero Lúcio dos Santos tem 53 anos, 30 dos quais na capital baiana, onde chegou quando deixou um distrito da zona rural dede Santana do Ipanema, a 207 quilômetros de Maceió. — Hoje está melhor viver lá do que aqui. E isso tema ver com o governo do PT, mudou com o Lula. Eu vejo, ninguém me conta, não. Doutoranda na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nádia dos Santos da Conceição, 36 anos, se considera “prova viva” dos governos petistas:

— Sou uma entre tantos milhares de pessoas que conseguiram ascensão intelectual e social a partir dos governos do PT.

Ado nade casa e faxineira Silmara Reis Nascimento, de 25 anos, é fiel ao PT pela opinião de que é o parti do que mais olha para os pobres. Ela é beneficiária do Bolsa Família e tem três filhos pequenos. —Voto no PT desde que eu comecei a votar. Acho que eles são mais humildes, estão mais com o povão. Eu lembro oque eu via no bairro .