O globo, n. 31110, 10/10/2018. País, p. 12

 

Witzel ameaça dar voz de prisão a Paes, que reage

Lucas Altino

10/10/2018

 

 

Candidato do PSC acusa adversário de espalhar ‘fake news’. Ex-prefeito diz que ex-juiz ‘deve aprender que governar não é um ato arbitrário’. Especialistas afirmam que detenção não poderia ocorrer

Candidato do PSC ao governo do Rio, o ex-juiz Wilson Witzel acusou Eduardo Paes (DEM) de divulgar fake news e o ameaçou com voz de prisão em debate. Paes pediu “respeito às leis, às regras, ao eleitor ”. Segundo especialistas, não cabe prisão em flagrante para crimes de baixo poder ofensivo. Em vídeo publicado no Facebook na segunda-feira, o candidato Wilson Witzel (PSC) acusou Eduardo Paes (DEM) de disseminar fake news contra ele e ameaçou dar voz de prisão ao ex-prefeito do Rio durante debates, caso o adversário faça alguma acusação mentirosa. Ontem, o ex-juiz federal, em caminhada na Zona Oeste, reiterou a ameaça. Paes, por sua vez, afirmou que Witzel deve “aprender que governar não é um ato arbitrário”. O exprefeito negou a acusação e disseques eu adversário precisa ter“respeito às leis e regras, ao eleitor eàim prensa ”. No vídeo, o ex-juiz não apresentou provas.

Apesar da ameaça de Witzel e de qualquer cidadão comum ter o direito de dar voz de prisão, a autoria da disseminação de fake news exige investigação, o que afasta a hipótese de flagrante seguido de prisão. Além disso, mesmo num caso de a vítima se sentir ofendida ao vivo na TV por causa de uma mentira, um crime contraah onraé debaixo potencial ofensivo, então não há possibilidade de detenção.

—É uma calúnia. Vou ouvir a calúnia dele, não vou dar voz de prisão a ele, evou dizer que é uma mentira, não estou produzindo fake news .O ex-juiz vai ter que aprender que, quando estamos na vida pública, agenteéot empo todo ar guido sobre oque já fez — disse Paes, durante visita ao Hospital Geral da PM, no Estácio. — Ele (Witzel) vai ter que aprender que governar não é um ato arbitrário e de autoritarismo.

NoFacebook, Witzelacusou o ex-prefeito de crime de injúria na internet:

—Essas fake news que estão correndo hoje, você (Paes) vai ser responsabilizado por todas, porque você e o seu grupo estão colocando isso na internet. Eu não tenho outro adversário, só você —disse Witzel, que também chamou Paes para o debate e ameaçou dar voz de prisão. — E você saia do armário. Mostre a sua cara e vá nos debates falar essas mentiras, que você vai ver a resposta. Mas cuidado que o crime de injúria está sujeito à prisão em flagrante. Viu? Dá uma estudadinha e converse com seus advogados. Porque, se você falar mentira ao vivo, eu vou te dar voz de prisão. E completou em seguida: — Cuidado com a sua língua. Cuidado porque você sabe que a sua língua é chicote do rabo.

Paes critica e ironiza

Ontem à tarde, Paes postou um vídeo no Facebook em que critica a ameaça:

—Eu fiquei curioso, porque durante o primeiro turno, em duas oportunidades, o candidato Romário o chamou de “frouxo”, e eu não o vi dando voz de prisão nenhuma. Depois, eu vi o candidato Indio o chamando de “mentiroso”, e também não vi voz de prisão nenhuma. Depois, foi o candidato Garotinho dizendo que Witzel ofereceu para ele favores na Justiça Federal. E mais uma vez eu não vi ele dando voz de prisão.

Para especialistas, a fala do candidato do PSC demonstra uma tentativa de intimidação política, e seu antigo cargo como juiz federal não pode ser usado para embasar uma voz de prisão.

Segundo Celso Vilardi, criminalista e professor da FGV, a discussão entre os dois “parece bobagem”:

— É uma tentativa de intimidação, que não passa pelo aspecto jurídico — afirma ao explicar tecnicamente a hipótese. — Só pode dar voz de prisão em flagrante se você tem certeza, se viu a prática. Me parece que numa história de fake news, que demanda investigação profunda, não cabe isso.

Conrado Gontijo, professor de Direito Penal do IDPSP, explica que não há prisão por calúnia, considerado um crime de baixo potencial ofensivo. Na hipótese de uma acusação deste tipo, os envolvidos no caso iriam à delegacia para assinatura de um termo circunstanciado. E depois o delegado daria prosseguimento a um inquérito.

— Depende muito do conteúdo. Calúnia, injúria e difamação são crimes contra a honra, independente do contexto e do quadro político. Mas são crimes de baixo potencial, então não tem prisão em flagrante. Iriam para a delegacia assinar um termo circunstanciado, não tem medida de restrição à liberdade. Dar voz de prisão é um exagero — diz Gontijo, que enxergou um movimento político. —Parece mais uma tentativa de gerar fatos do que de buscar responsabilização por um crime. Ele quer passar a figura de um ex-juiz, que coloca ordem na casa. Estão antecipando um embate mais duro em um encontro.

Gontijo reforça que para se definir a responsabilização pela disseminação de fake news é necessária uma investigação

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Redes bolsonaristas impulsionaram ex-juiz federal

Thiago Prado

Vera Araújo

10/10/2018

 

 

WhatsApp também foi trunfo para alavancar Witzel a quatro dias do pleito

A surpreendente votação do ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) candidato ao governo do estado do Rio que ficou em primeiro lugar ao passar para o segundo turno, teve um impulso digital na reta final. A quatro dias das eleições, o candidato passou a ser defendido como a melhor opção nas redes que apoiam Jair Bolsonaro (PSL). Na página do Facebook “Somos + de 45.000.000 com Bolsonaro (oficial)”, com 1,9 milhão de membros, a pergunta foi feita na semana passada: “Gente, quem é do RJ vai votar em quem para governador? Tá difícil escolher”. A resposta veio de imediato: uma enxurrada de 37 mil comentários, em que o número “20” do candidato do PSC apareceu como um mantra virtual.

O avanço de Witzel não ficou restrito ao Facebook. O aplicativo de mensagens WhatsApp teve um papel fundamental para difundir a corrente pelo número 20. Na semana passada, magistrados, policiais civis e militares compartilharam com seus grupos de contatos que conheciam o ex-juiz federal, respondendo aos que tinham dúvidas sobre o personagem praticamente anônimo.

— Não sou amigo pessoal dele, mas do ano passado para cá, ele (Witzel) passou a frequentar a nossa confraria de magistrados. Passamos a conhecê-lo melhor e nos afinamos às propostas dele. Achamos por bem ajudá-lo na campanha, compartilhando o seu perfil — comentou um magistrado, que pediu para não ser identificado.

A campanha do candidato se espalhou para todas as camadas sociais. Segundo Gutemberg de Paula, um dos integrantes da coordenação de campanha de Witzel, o impulso do candidato nas eleições do primeiro turno se deve à “onda Jair Bolsonaro”.

— Bolsonaro é o grande combustível da campanha de Wilson (Witzel). Daí foi criada a cadeia de eleitores ligada a ele, por meio da redes sociais e aplicativos de mensagem. Posso dizer que a era é de mudança nacional. A informação hoje chega de maneira quase instantânea. O eleitor sabe onde buscar as informações. Qual é a primeira coisa que o eleitor faz? Pegar o celular quando acorda. Daí, compartilha o que acha interessante. A palavra de ordem é compartilhar. Ele não tem só magistrados no grupo. Ele está em todas as camadas sociais —afirmou Gutemberg.

O professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado, define a campanha feita pelas redes sociais como “subterrânea”, capaz de criar fenômenos como Witzel, que conseguiu 3,1 milhões de votos, mais do dobro de seu adversário, o político Eduardo Paes (DEM), com 1,494 milhão, em tão curto tempo:

— Sem dinheiro e o tempo de TV, distribuído de acordo com a bancada do Congresso, algumas campanhas, como a de Bolsonaro, tiveram que se mobilizar pelas mídias sociais, sobretudo, pelo WhatsApp. Trata-se de uma campanha subterrânea, porque ninguém sabe quem participa. São redes de amigos, parentes, colegas de trabalho, que não podem ser monitoradas. A força dessa campanha, por estar nestas redes, pode ter surpreendido os analistas. Mas não há dúvidas de que Bolsanaro impulsionou candidatos como Witzel.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

CNJ cobra explicação de Bretas

10/10/2018

 

 

O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou que dois desembargadores e três juízes apresentem, em 15 dias, explicações ao Conselho Nacional de Justiça por terem descumprido norma do CNJ e se manifestado politicamente no primeiro turno das eleições. Entre os magistrados que terão de se justificar está o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pela Lava-Jato no estado. Ele usou o Twitter para parabenizar a eleição de Flávio Bolsonaro (PSL) e Arolde de Oliveira (PSD) ao Senado.

“Parabenizo os novos Senadores, ora eleitos pera representar o Estado do Rio de Janeiro a partir de 2019, Flavio Bolsonaro e Arolde de Oliveira. Que Deus os abençoe!”, escreveu o juiz. Filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), Flávio também usou a rede para agradecer a mensagem do juiz: “Obrigado, Dr. Bretas, e que Deus nos dê muita sabedoria, todos os dias, para fazermos a Sua vontade!”.

O desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, a desembargadora federal Ângela Mari Catão Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, e as juízas Márcia Simões Costa, da Vara do Júri de Feira de Santana (BA), e Isabele Papafanurakis Ferreira Noronha, substituta da 6ª Vara Criminal de Londrina, também deverão se justificar.