O Estado de São Paulo, n. 45648, 10/10/2018. Metrópole, p. A14
Candidatos querem rever a base curricular
Renata Cafardo
10/10/2018
Os programas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) preveem adaptações ao documento, aprovado no fim de 2017 e em fase de implementação; especialistas criticam planos de ampliar ensino a distância e de assumir escolas de ensino médio com problemas
Independentemente de quem for eleito presidente da República, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, deve mudar. Os programas de governo de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) preveem adaptações ao documento, inédito no País, que descreve objetivos de aprendizagem para todos os anos de educação infantil e fundamental. Desde a aprovação, Estados, municípios e escolas particulares estão trabalhando para se adaptarem a novas diretrizes.
O programa de Bolsonaro menciona mudanças na BNCC, sem entrar em detalhes, em um contexto de modernização do conteúdo. Em outro trecho, o texto fala que os currículos devem ter “mais Matemática, Ciências e Português, sem doutrinação e sexualização precoce”. Ontem, em entrevista à Rádio Jovem Pan, o candidato afirmou que não quer que se aprenda sobre sexo nas escolas.
“Ninguém dá aula de sexo. A questão da sexualidade entra na escola como perspectiva de formação, temos jovens contraindo aids, meninas ficando grávidas. A escola não é só para aprender conteúdo”, diz a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Colello.
A única menção à sexualidade na Base está nas habilidades de Ciências do 8.º ano, quando os adolescentes têm 14 anos. A proposta é que sejam discutidas questões como doenças sexualmente transmissíveis e transformações durante a puberdade com atuação dos hormônios sexuais.
Por outro lado, Haddad também diz querer tirar “imposições obscurantistas” da Base, sem deixar claro ao que se refere. “Nenhuma das duas campanhas conhece a Base em profundidade, é um documento técnico, um guia para dar um salto de qualidade na educação brasileira”, diz o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne. A BNCC começou a ser construída durante o governo de Dilma Rousseff e foi concluída na gestão de Michel Temer.
“Os bons resultados que temos visto em Educação são fruto de continuidade e, por isso, me preocupam as grandes rupturas”, diz a superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) Anna Helena Altenfelder, sobre prováveis mudanças na Base.
Ensino a distância. Ao comentar o texto sobre Educação da candidatura de Bolsonaro, o diretor executivo da Lemann afirma que “não há um programa” e sim “um conjunto de ideias, com discursos vazios e pouca clareza”. O texto menciona, por exemplo, “dar um salto de qualidade na educação”, mas sem dizer quais medidas específicas seriam adotadas.
O Estado tentou contato com Stavros Xanthopoylos, que é ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e está sendo apontado como futuro ministro da Educação de Bolsonaro. Xanthopoylos confirmou que é “consultor educacional” do candidato, mas que tinha “determinação superior” para não dar entrevistas. O profissional é conhecido por sua atuação na área de educação superior a distância.
A proposta de educação não presencial também faz parte do programa da candidatura do PSL. Segundo o texto, o ensino a distância se daria, por exemplo, em escolas rurais. A ideia foi criticada por todos os especialistas ouvidos pelo Estado. “A criança precisa ir à escola, onde ela aprende uma série de competências socio-emocionais, interage com o outro”, diz a coordenadora do Centro de Excelência e Inovação de Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV, Claudia Costin. Segundo ela, nenhum país que melhorou a qualidade da educação fez isso de maneira não presencial.
Outra crítica comum aos educadores foi o plano de Haddad de o governo federal assumir escolas de ensino médio com problemas. “Preocupa essa excessiva centralização no Ministério da Educação. O papel da União é ser indutora”, diz Anna Helena. Pela lei, as escolas de ensino médio são de responsabilidade dos Estados.
“O problema não é quem está gerindo a escola, são a formação de professores, a qualidade de materiais, as condições para dar uma boa aula. Assumir escolas pode aumentar a desigualdade”, completa Mizne. O próprio Haddad, que é ex-ministro da Educação, foi o responsável pelo plano da área. “Fala-se em escola em tempo integral, ampliar as vagas na creche, que todas as crianças saibam ler até 8 anos. Tudo muito bonito, mas tivemos vários anos de PT. Por que até agora não foi feito?”, indaga Silvia.
Críticas a Paulo Freire
O plano de Bolsonaro fala em “expurgar a ideologia” do mais célebre educador brasileiro, conhecido no mundo todo e morto em 1997. Ele defendia um ensino voltado para a visão crítica.
JAIR BOLSONARO
RICARDO MORAES E WASHINGTON ALVES/REUTERS
● Em dois anos, ter um colégio militar em todas as capitais de Estado
● “Dar um salto de qualidade” na educação “sem doutrinar”
● Na alfabetização das crianças, “expurgar a ideologia de Paulo Freire”
● Incentivar a educação a distância, inclusive nas escolas de ensino básico
● Manter a mesma quantidade de recursos já investidos em Educação
● Mais Matemática, Ciências e Português “sem doutrinação e sexualização precoce”
● Investir mais em educação básica do que em ensino superior
● Ter mais disciplina nas escolas
● Mudar a Base Nacional Curricular Comum (aprovada em 2017)
● Estimular parcerias de universidades com a iniciativa privada
● Qualificação crescente dos professores
Estou procurando alguém para ser ministro da Educação que tenha autoridade. Que expulse a filosofia de Paulo Freire. Que mude os currículos escolares."
JAIR BOLSONARO, EM ENTREVISTA ONTEM À RÁDIO JOVEM PAN
FERNANDO HADDAD
● Assumir escolas de ensino médio com baixo desempenho (que hoje são responsabilidade dos Estados) e oferecer vagas federais de ensino médio
● Revogar a reforma do ensino médio e promover uma reforma curricular
● Bolsas para estudantes do ensino médio continuarem estudando
● Investimento em Educação em tempo integral
● Assegurar que todas as crianças tenham habilidades básicas de Leitura e Matemática até os 8 anos
● Fazer “fortes ajustes” na Base Nacional Comum Curricular (aprovada em 2017) para retirar as “imposições obscurantistas”
● Implementar a prova nacional para ingresso na carreira docente para contratar professores para escolas públicas
● Ampliar vagas em creches
● Investir 10% do PIB em Educação
● Investir em formação inicial e continuada para professores
● Concretização das metas do Plano Nacional de Educação
Uma pessoa tem de acordar e ter para onde ir. Isso exige do poder público oportunidades de emprego e educação. É carteira de trabalho assinada em uma mão e um livro na outra."
FERNANDO HADDAD, EM ENTREVISTA AO JORNAL NACIONAL ANTEONTEM