Título: Advogados confirmam tortura em Juiz de Fora
Autor: Kiefer, Sandra; Camargos, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2012, Política, p. 2

Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas Gerais, foi um dos principais palcos do horror vivido pelos militantes que tentavam derrubar o governo militar. "Não há como negar que houve tortura. Era um instrumento institucionalizado. Basta olhar todos os processos de presos políticos. O preso político passou por tortura física ou psicológica", afirma o advogado Fahid Tahan Sab, integrante da Comissão da Verdade da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG). Fahid atuou como advogado de vários presos políticos que estiveram em Juiz de Fora, incluindo alguns nomes de expressão da política nacional, como o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), e o ex-deputado federal e presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda (PT).

Na análise de Fahid é uma vergonha para o país ter concedido anistia aos torturadores. "É um crime contra a humanidade." O advogado destaca uma questão: "Se os rapazes e as moças que pegaram em armas não têm vergonha de dizer que fizeram isso e têm até orgulho, por que os militares tentam esconder que houve tortura?". E ele próprio responde: "Os militares têm um verdadeiro horror de que a família deles descubra o passado, que ele pegou uma pessoa subjugada para impor humilhações e torturas. A pena deles é a própria consciência".

Quem também referenda as torturas praticadas em Juiz de Fora é outro advogado, também integrante da Comissão da Verdade da OAB-MG, Carlos Augusto Cateb, que fez a defesa de diversos membros do Comando de Libertação Nacional (Colina), mesmo grupo da presidente Dilma Rousseff. "Houve tortura em Juiz de Fora. Eu mesmo portei vários bilhetes que narravam as atrocidades cometidas", lembra. Na edição de ontem, o general de quatro estrelas Marco Antônio Felício da Silva disse que não houve tortura em Juiz de Fora.

Cateb também atuou na defesa de Ângelo Pezzuti, um dos líderes do Colina. Foi por uma suposta troca de bilhetes entre Pezzuti e Dilma, que a presidente acabou torturada em Juiz de Fora, conforme revelou o Correio/Estado de Minas, em série de reportagens iniciada no domingo. A maneira como os bilhetes entravam e saíam do Presídio de Linhares, em Juiz de Fora, é sui generis e revela que apesar do poder e das armas, os militares podiam ser enganados com um pouco de esperteza.

"O pessoal dos movimentos confeccionava os bilhetes em papéis bem pequenos. Pegavam um maço de cigarro, tiravam o fumo dos cigarros, colocavam o bilhete enroladinho e colocavam o fumo novamente. Quando chegava para falar com o Ângelo, vários militares armados ficavam observando a conversa. Mostrava o maço de cigarro, colocava em cima da mesa e começava a fumar. O Ângelo, ou outro preso, fazia a mesma coisa. No fim da conversa, eu pegava a cartela de cigarro dele e ele pegava a minha. Enquanto estava preso, ele também fazia os bilhetes e levava para o pessoal do movimento", relata Cateb.

O que referenda as péssimas condições dos presos políticos em Linhares são as greves de fome feitas pelos presos. A primeira foi em março de 1971, quando 42 presos políticos, homens e mulheres, ficaram 13 dias sem comer. Cinco meses depois, os presos voltaram a fazer uma greve de fome, com participação de 50 presos.

Guerrilha Cateb lembra que o acesso para Linhares era uma rua estreita, na beira de um rio, que passava apenas um carro. A historiadora Isabel Cristina Leite fez um trabalho de conclusão de curso, em 2006, focando o Colina, na Universidade Federal de Ouro Preto. No trabalho, Isabel Leite escreveu sobre a Penitenciária de Linhares: "A Penitenciária Regional José Edson Cavalieri foi inaugurada em 1966 com presos vindos de Belo Horizonte. Ficou conhecida por Penitenciária de Linhares por causa da sua localização — o Bairro de Linhares, na cidade de Juiz de Fora". A recepção de presos políticos começou em 1967, com militantes presos na Guerrilha do Caparaó, contudo, somente em 1969 é que chegam os primeiros integrantes da guerrilha urbana — integrantes da Colina e Corrente.

De acordo com a pesquisa da historiadora, os presos se referiam a Linhares como um purgatório. A frase usada pelos detentos era: "Sair do inferno e cair no purgatório". Isto é, sair do local onde ocorriam as torturas e ir para a prisão. Porém, as torturas mais cruéis aconteciam fora da prisão. Como ocorreu com a presidente Dilma, que foi levada para outro local na cidade para ser torturada. "Os militares estavam empenhados em uma espécie de guerra sagrada para impedir um iminente perigo de revolução socialista", diz Fahid, sobre a convicção dos militares.

"Não há como negar que houve tortura. Era um instrumento institucionalizado. Basta olhar todos os processos de presos políticos" Fahid Tahan Sab, integrante da Comissão da Verdade da OAB-MG

O endereço do horror Durante a ditadura, o Brasil teve pelo menos 234 centros de detenção e tortura em unidades do Exército, especialmente a partir da criação em todos os estados do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), além de delegacias da Polícia Civil. Os métodos de tortura poderiam variar de centro para centro, mas, de forma geral, os castigos físicos e psicológicos aconteciam em celas especiais, equipadas com mesas, uma barra de ferro para as sessões de pau de arara, uma pequena engenhoca para choque elétricos, além da cadeira dragão, que tinha a mesma finalidade, e palmatórias. (Maria Clara Prates)