O Estado de São Paulo, n. 45645, 07/10/2018. Política, p. A10

 

'Baixo Clero' com a missão de chegar à Presidência

Leonencio Nossa e Constança Rezende

07/10/2018

 

 

Eleições 2018 Perfis / Trajetória de Bolsonaro até liderança nas pesquisas mistura religião, redes sociais e programas de TV

 

À frente de um partido nanico, o PSL, com pouca verba partidária e sem marqueteiros de grife, o deputado Jair Bolsonaro, de 63 anos, integrante por quase três décadas do chamado “baixo clero” da Câmara, confidencia a amigos que está confiante, mas ao mesmo tempo surpreso com a chance de chegar à Presidência da República. Há até poucos meses, essa possibilidade também provocava risos nos corredores da Câmara – cujo comando ele disputou em eleição no ano passado e da qual saiu com apenas quatro votos. Capitão reformado do Exército, Bolsonaro foi acusado de insubordinação no quartel e fez carreira política como uma espécie de sindicalista de famílias de soldados e cabos do Rio de Janeiro. Hoje, vota na Escola Municipal Rosa da Fonseca – nome da mãe do primeiro presidente da República, o marechal Deodoro da Fonseca –, na Vila Militar, na condição de líder das pesquisas. “Só ele apostou nesse projeto”, afirma o general reformado Augusto Heleno Ribeiro. Um dos conselheiros do presidenciável, ele conta que, nas seis campanhas do amigo a uma vaga na Câmara, o candidato percorria as ruas do Rio de Janeiro numa van. “Hoje ele tem muitos amiguinhos. Antes, não tinha, não.”

‘Missão’. Bolsonaro passou a tornar público seu projeto de chegar ao Palácio do Planalto depois das eleições de 2014, quando obteve 464 mil votos para permanecer na Câmara, um resultado expressivo para quem apresentava até então votações médias de 100 mil votos. O ponto de inflexão veio da sua aproxima- ção com o pastor Silas Malafaia – que o casou com Michelle, uma ex-assessora do deputado na Câmara – e outros líderes de igrejas evangélicas do Rio. Nos discursos do capitão reformado, a palavra “missão” deixou de ser usada como um jargão de caserna para se referir a uma suposta recomendação divina. “É uma missão. Eu não sei o motivo de Deus enxergar em mim a possibilidade de mudar o País”, disse Bolsonaro, na quinta-feira, a aliados. Nessa trajetória recente, Bolsonaro contou ainda com a participação em programas humorísticos na TV para propagandear suas propostas – muitas delas consideradas preconceituosas em relação a mulheres e gays, por exemplo, e de forte cunho conservador em termos de valores individuais. Assim ele se tornou conhecido no restante do País e passou a ser chamado de “mito”, um termo que, a princípio, ele pediu para não ser adotado pelos seguidores nas redes sociais, base de sua campanha. O atentado a faca durante a campanha em Juiz de Fora (MG), há pouco mais de um mês, serviu para cristalizar de vez essa ima- gem entre esses seguidores.

Ameaças. Nas três semanas de internação (primeiro na Santa Casa de Juiz de Fora e, depois, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo), a candidatura do deputado foi ameaçada não pela ação dos adversários, mas por declarações de seus próprios auxiliares. Seu conselheiro na área econômica, Paulo Guedes, chegou a cogitar a criação de impostos nos moldes da antiga CPMF, enquanto o vice na chapa, o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), criticou reiteradamente o pagamento do 13.º salário e do adicional de férias. Mourão também avaliou que crianças criadas apenas por mulheres são cooptadas com mais facilidade pelo tráfico. A chance de sair vitorioso da eleição provocou pelo menos dois efeitos. O primeiro deles é uma disputa interna para definir quem tem mais influência nos rumos da campanha. Bolsonaro chamou um outsider da política, o advogado Gustavo Bebianno, para presidir o partido que praticamente “alugou” do deputado Luciano Bivar (PE). Com contatos em escritórios de advocacia do Rio, Bebianno virou um supersecretário e começou a ditar regras na campanha. O movimento não agradou aos filhos e antigos companheiros de Bolsonaro. Mas, com a subida nas pesquisas, a presença de Bebianno – que atuou como advogado em processos a que o presidenciável respondia – teve de ser aceita. O outro efeito é a fila de políticos de diferentes partidos que passaram a bater a sua porta oferecendo apoio. “Uma coisa é chamar as pessoas, outra é ser procurado. São pesos diferentes”, afirma o líder ruralista Luiz Antonio Nabhan Garcia, cotado para assumir o Ministério da Agricultura em um eventual governo Bolsonaro. Já o general Heleno diz que um dos pontos centrais do discurso de Bolsonaro, o de rejeitar um loteamento de governo, não pode ser alterado. “É preciso quebrar essa lenda de que, para ter apoio no Congresso, precisa entregar ministérios.” Paulista de Glicério, cidade hoje com 4 mil moradores, a 494 quilômetros de São Paulo, Bolsonaro tem cinco filhos de três casamentos. A família já forma uma pequena bancada. O mais velho, Flávio, de 37 anos, é deputado estadual no Rio e disputa cadeira no Senado; Carlos, de 35, o mais próximo do pai, é vereador; e Eduardo, de 34, concorre a um novo mandato na Câmara por São Paulo. O presidenciável ainda é pai de Renan, de 19, e Laura, de 7.

 

QUEM É

JAIR BOLSONARO

63 anos

• Coligação: PSL, PRTB

• Currículo: Capitão reformado, formou-se em Educação Física.

• Cargos que ocupou: Elegeuse vereador no Rio pelo PDC. Em 1990, foi eleito deputado federal e está no sétimo mandato.

• Família: Casado pela terceira vez. Tem 4 filhos e 1 filha.

• Curiosidade: Apelidado de Cavalão pelos colegas militares, o ex-paraquedista quase morreu em um salto ao bater num prédio no Rio.

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O plano B que precisa se descolar de Lula

Ricarso Galhardo
07/10/2018

 

 

Eleições 2018 Perfis / Haddad vence resistência interna no PT até ser ‘nomeado’ candidato pelo ex-presidente na prisão

 

A confirmação de que Fernando Haddad seria o “plano B” do PT na disputa presidencial chegou pelo WhatsApp. Era sábado à tarde, 4 de agosto, dia da Convenção Nacional. A cúpula petista se reunia na sede da legenda, em São Paulo, para escolher o candidato a vice e virtual substituto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba. Um grupo ainda se opunha ao nome de Haddad quando apitou o celular da presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Na tela surgiu a foto de uma carta escrita a mão na qual Lula indicava Haddad. Gleisi a leu em voz alta, o ex-prefeito foi aclamado, fez um discurso em tom de agradecimento, e a direção petista voltou para a Casa de Portugal, na Liberdade, onde centenas de delegados participavam da convenção alheios à decisão. A escolha só seria divulgada às 23h55 de domingo, 5 minutos antes do fim do prazo determinado pelo Superior Tribunal Eleitoral, mas naquele sábado Haddad já não escondia a felicidade pela escolha. “É quase um milagre termos conseguido segurar esse processo até agora”, deixou escapar, às gargalhadas, enquanto tomava café de coador em copo de vidro no Topless, bar que serve pratos feitos na rua do diretório. Até a chegada da carta, Haddad teve de superar resistências e fazer concessões para minimizar a desconfiança de setores do PT – o ex-prefeito não costumava ter uma participação ativa no partido. Orientado por Lula, se juntou à cúpula petista na Corrente Construindo um Novo Brasil, a maior do PT; ampliou seu grupo interno ao se aproximar do ex-presidente da sigla Rui Falcão, do tesoureiro do partido, Emídio de Souza, e do deputado Vicente Cândido, e recuou das críticas que fazia à presidente cassada Dilma Rousseff. Sem apoio no partido e ainda alvo de críticas internas por ter perdido a eleição para prefeito no primeiro turno, em 2016, Haddad foi empoderado por Lula como coordenador do programa de governo petista. Convencido da necessidade de uma ampla frente de partidos de esquerda para o que chamava de “inexorável confronto com a direta e a extrema direita”, Haddad usou o “cargo” conferido por Lula para se aproximar de lideranças do PSB, do PCdoB e, principalmente, de Ciro Gomes, do PDT. A aproximação enfureceu o PT e mais uma vez Lula foi obrigado a entrar em campo para salvar seu pupilo. Companheiros dizem que ele sempre teve a Presidência na perspectiva, mas a percepção de que poderia efetivamente ser candidato só veio no dia da prisão de Lula, 7 de abril. A maioria das pessoas se lembra do fato de Lula não ter feito nenhum gesto explícito em favor do ex- prefeito naquele dia, mas alguns não esquecem que o expresidente, discretamente, puxou Haddad pela mão para a frente do palanque enquanto outros se acotovelavam por um lugar de destaque na missa/comício de despedida. Naquele momento o preferido do PT e de Lula era o ex-ministro Jaques Wagner, que declinou de todas as investidas, a última delas no sábado da Convenção. Só então o ex-presidente escreveu a carta enviada pelo WhatsApp. Até a oficialização, em 11 de setembro, Haddad passaria mais de um mês numa espécie de purgatório político. De sua cela em Curitiba, Lula, líder absoluto em todas pesquisas mas enquadrado na Lei da Ficha Limpa, traçou uma estratégia na qual Haddad seria “sua voz e suas pernas”, portador da “ideia” na qual o líder petista diz ter se transformado enquanto cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A estratégia de retardar ao máximo a troca do bastão se mostrou suficiente para colocar Haddad no segundo lugar nas pesquisas, até agora. Mas o desconforto do candidato fica cada dia mais evidente para integrantes da campanha. Seus auxiliares reclamam que o PT nunca deixou de lado a desconfiança e que todas decisões têm de passar pelos homens de Lula como Sérgio Gabrielli e Luiz Dulci. O programa de governo feito sob medida para Lula vem sendo questionado publicamente e deve ser flexibilizado. “Por ser uma construção coletiva, isso é normal. Nem sempre o que ele está defendendo é o que ele diria. O programa é a cabeça do Lula, não a dele”, disse Cândido. Aos poucos, Haddad vai ter de sair de baixo das asas de Lula para ser ele próprio. O perfil mais conciliador do que a média petista é visto como um ponto positivo para atrair possíveis alianças de segundo turno. Haddad tem feito acenos ao mercado e já falou em executar uma reforma da Previdência com faixas de idade mínima para aposentadoria e modulou a proposta de convocação de uma Constituinte, agora substituída pela ideia de reformas pontuais. O ritmo e a amplitude dessas concessões vão depender das alianças e da dinâmica de um eventual segundo turno, mas a ligação com Lula vai continuar, em maior ou menor grau, até o fim da disputa. Indagado sobre quando Haddad vai enfim sair da sombra de Lula, um ex-colaborador seu na Prefeitura foi categórico: “Quando estiver no governo”.

 

QUEM É

FERNANDO HADDAD

55 anos

• Coligação: PT, PCdoB e PROS.

• Currículo: É professor universitário licenciado, bacharel em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia.

• Cargos que ocupou: Ministro • da Educação (2005-2012), prefeito de São Paulo ( 2013-2016).

• Família: Casado com Ana Estela Haddad e pai de dois filhos.

• Curiosidades: Toca guitarra e  é faixa preta de Taekwondo.