O globo, n. 31108, 08/10/2018. País, p. 6

 

Se não fosse urna, ‘já teríamos novo presidente’

Jussara Soares

Jeferson Ribeiro

08/10/2018

 

 

Bolsonaro volta a questionar confiabilidade do sistema de votação. Presidente do TSE, Rosa Weber, reafirmou ‘a total confiança nas urnas eletrônicas’ e disse que nunca houve nenhum caso comprovado de fraude

Em transmissão ao vivo no Facebook, após o encerramento da apuração, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro pediu aos apoiadores que o ajudem na campanha na segunda fase da eleição presidencial. Reforçando o discurso que manteve durante a campanha de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis, Bolsonaro atribuiu a “problemas” do sistema eletrônico de votação o fato de não ter vencido a eleição no primeiro turno.

— Devemos continuar mobilizados, não podemos nos recolher. Vamos juntos ao TSE exigir soluções para isso que aconteceu. Foi muita coisa. Tenho certeza que se esse problema não tivesse ocorrido, se tivesse confiança no sistema eletrônico, já teríamos o nome do novo presidente. O que está em jogo é a nossa liberdade —afirmou.

Bolsonaro passou sua campanha no primeiro turno questionando as urnas eletrônicas. Quando estava internado em São Paulo, após ter levado uma facada durante ato de campanha em Juiz de Fora, chegou a afirmar que não aceitaria resultado diferente de sua vitória.

Em entrevista, a presidente do TSE, Rosa Weber, assegurou que as eleições transcorreram dentro da normalidade e que jamais foi registrada fraude no sistema de votação:

— O nosso sistema eletrônico é auditável. Apresentadas impugnações, temos como verificar nossos equipamentos, para apurar se houve alguma falha ou, se for o caso, o que nunca ocorreu até hoje, alguma fraude. Minha confiança é que tenhamos no segundo turno tanta normalidade quanto no primeiro turno.

Embora tenha atribuído a problemas nas urnas eletrônicas o fato de não ter vencido no primeiro turno, Bolsonaro previu dificuldades na disputa com Fernando Haddad, do PT.

— Não vai ser fácil o segundo turno. Eles têm bilhões para gastar. Eles quebraram grandes empresas, afundaram bancos, arrebentaram com fundos de pensão. Eles têm poder econômico enorme e parte da mídia favorável a seus propósitos —afirmou no vídeo, ao lado de seu conselheiro econômico, Paulo Guedes.

Na transmissão, o deputado agradeceu os quase 50 milhões de votos que teve no primeiro turno.

— Vamos unir o nosso povo. Unidos seremos uma grande nação. Japão, Coreia do Sul e até mesmo Israel, vemos o que eles não têm e o que eles são. Vemos o que nós temos e o que não somos. Vamos fazer uma política externa sem o viés ideológico. Vamos jogar pesado na questão da segurança pública, vamos trazer a paz para as mulheres.

Falando como se já tivesse vencido a eleição, Bolsonaro afirmou que vai acabar com a “indústria da multa” ambiental e com “todos os ativismos”. A ideia, segundo ele, é “tirar o Estado do cangote de quem produz”, com base em desoneração da folha de pagamento e privatizações, sem, no entanto, “entregar” o patrimônio estratégico brasileiro.

— Nós diminuiremos o tamanho do Estado. Teremos no máximo 15 ministérios. No primeiro ano, no mínimo em 50 estatais, ou privatizamos ou extinguimos. Nós temos responsabilidade em definir que estatais são estratégicas. Não queremos entregar nosso patrimônio para qual país que seja. Devemos valorizar o que é nosso.

Bolsonaro votou cedo, em uma escola municipal na Vila Militar, em Deodoro, na Zona Oeste do Rio. Acompanhado de seguranças e usando um colete à prova de balas, ele se mostrava confiante em uma vitória no primeiro turno, mas se disse preparado para disputar o segundo turno e, se estiver liberado pelos médicos, voltar a fazer campanha na rua:

— Estando liberado, pretendo rodar o Brasil, fazer o que sempre fiz. Apesar do risco, a gente vai correr o risco. Estou com a bolsa de cólon do lado, não é fácil, mas faz parte da vida da gente —afirmou.

Ainda antes de saber os aliados que elegeria no Congresso, Bolsonaro apostava em contar com o apoio de 350 parlamentares:

— Não haverá negociação partidária. Esse meu apoio de mais de 260 deputados da bancada ruralista, grande parte da bancada evangélica e da bancada de segurança... então, no varejo, temos aproximadamente 350 parlamentares que querem estar conosco. Grande parte desses são deputados honestos. E não querem conversar com Sérgio Moro em Curitiba.

O capitão da reserva disse que chegou como líder da corrida presidencial porque teve apoio de pessoas que temem que o Brasil vire uma nação socialista.

—Tivemos apoios de setores importantes da sociedade, empresários, comerciantes, lideranças evangélicas. Pessoas de bem do Brasil que querem se afastar do socialismo. Gente que quer economia liberal e menos Estado, gente que quer defender valores familiares. Tudo tem acordado as pessoas que o Brasil não pode continuar nesse rumo do socialismo e ser amanhã o que a Venezuela é hoje.

“Não vai ser fácil o segundo turno. Eles têm bilhões para gastar, eles quebraram grandes empresas, afundaram bancos, arrebentaram com fundos de pensão”

Jair Bolsonaro, candidato do PSL

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Quadro é favorável a Bolsonaro

Merval Pereira

08/10/2018

 

 

A vitória de Jair Bolsonaro com quase o dobro de votos de Fernando Haddad sinaliza que o candidato do PSL entrará no segundo turno em posição de vantagem, embora todos considerem essa uma nova eleição. Mas quando um candidato sai do primeiro turno em ascensão, o clima que se cria em torno dele é favorável a novas adesões, e as negociações beneficiam o vencedor.

Por isso, nunca um candidato que entrou no segundo turno na dianteira da disputa presidencial deixou de se eleger. Foi assim com o expresidente Lula, que não ganhou eleições no primeiro turno – em 2006 chegou a ter 49% —, mas sempre saiu vencedor com cerca de 60% dos votos no segundo turno, contra candidatos do PSDB.

Desta vez, o candidato petista Fernando Haddad terá que reverter bem mais votos do que os adversários do PT nas vezes anteriores, uma tarefa mais difícil do que a do tucano Aécio Neves em 2014, por exemplo, que terminou o primeiro turno com 33,55%, contra 41,59% de Dilma, e conseguiu no segundo turno 48,36%, contra 51,64%, perdendo por pouco. Haddad, hoje, termina com menos votos do que Aécio teve no primeiro turno em 2014, e Bolsonaro quase venceu agora.

A união dos opostos será feita neste segundo turno à força, pois no primeiro as legendas de esquerda e de centro se dispersaram entre várias candidaturas. A questão é saber quão unidos estarão neste segundo turno, e quem terá mais condições de atrair votos do centro político.

Haddad, pelas pesquisas, é capaz de levar a maioria dos votos de Ciro, Marina e Alckmin, mas não o bastante para se contrapor a Bolsonaro, que atrairá, até mesmo por falta de opções, o eleitorado de centro-direita espalhado entre candidaturas nanicas de Alvaro Dias, Meirelles, Amoedo, além da parte minoritária de Alckmin e Ciro.

A impossibilidade de escolha, no entanto, pode gerar um índice maior de votos brancos, nulos e da abstenção neste segundo turno, o que facilitará a vida dos candidatos, especialmente do que está na frente, pois precisarão de menos votos válidos para se eleger.