O globo, n. 31108, 08/10/2018. País, p. 7

 

Haddad, que visita Lula hoje, apela a ‘democratas’

Sérgio Roxo

08/10/2018

 

 

Após dia tenso de expectativa, em que esteve reunido em hotel de São Paulo com cúpula da campanha, Fernando Haddad começa a traçar a estratégia para o segundo turno e buscar apoios de outros partidos

Depois de um dia inteiro de tensão até garantir a vaga no segundo turno, o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, fez um pronunciamento curto para militantes no qual agradeceu ao expresidente Lula, que está preso em Curitiba, e falou em “unir os democratas do Brasil”. Haddad, que visitará Lula hoje na cadeia em Curitiba, disse que se sente desafiado pelo que terá que enfrentar nas próximas semanas e apelou para a moderação.

— Eu diria que o próprio pacto da Constituinte de 1988 está hoje em jogo em função das ameaças que sofre quase diariamente. Nós queremos enfrentar esse debate muito respeitosamente. Nós vamos para o campo democrático com uma única arma: o argumento. Nós não portamos armas — disse, numa clara alusão ao rival Jair Bolsonaro (PSL), que defende flexibilizar o porte de armas.

O petista falou que não abrirá mão de seus valores e fez um apelo ao centro:

— Nós queremos unir os democratas do Brasil, as pessoas que têm atenção aos mais pobres neste país, tão desigual. Queremos um projeto amplo, profundamente democrático, mas também que busque de forma incansável a justiça social — afirmou, ao lado da mulher, Ana Estela, da candidata a vice na chapa, Manuela D’Ávila PC do B), e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

No pronunciamento, Haddad disse que, após a confirmação de que estaria no segundo turno, falou com Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede). A expectativa é que as adesões de Boulos e Ciro venham logo. Em seguida, os petistas alimentam a esperança de que o PSB, que ficou neutro no primeiro turno da eleição, declare apoio ao candidato.

Para ter sucesso nesse segundo turno, o petista precisará quebrar um tabu: nunca um candidato que terminou em segundo na etapa inicial conseguiu reverter o quadro em eleições presidenciais. Seu adversário na disputa larga com uma vantagem de mais de 18 milhões de votos.

A partir de agora, o petista também terá de correr contra o tempo para reverter as dificuldades da falta de palanques na disputa final contra Bolsonaro.

Busca de apoio de FH

Haddad não tem nenhum apoio fechado entre os candidatos da Região Sudeste que disputarão o segundo turno para os governos estaduais. A esperança é que Márcio França (PSB), finalista da disputa em São Paulo contra João Doria (PSDB), se declare a favor do petista. O atual governador paulista foi procurado na sexta e, segundo dirigentes, deixou as portas abertas. Doria disse ontem à noite que estará com Bolsonaro.

O candidato do PT deve anunciar, nos próximos dias, uma reformulação da coordenação de campanha. Para hoje é esperada a chegada de Jaques Wagner, senador eleito na Bahia. Sua principal missão será conversar com políticos em busca de adesões.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também pode ser procurado. Nesse caso, caberia ao próprio Haddad fazer os contatos, já que ele e o ex-presidente mantêm uma boa relação. Ontem, ao ser indagado sobre Fernando Henrique, o presidenciável do PT desconversou.

Na semana passada, muitas lideranças do PT eram resistentes a um aceno muito explícito ao centro. O temor é que Bolsonaro use eventuais adesões de nomes do centrão para reforçar a imagem de que Haddad é o candidato do establishment. Há também divisões sobre a forma com que devem ser dados sinais ao mercado financeiro.

Para contrapor pregações contrárias nas igrejas evangélicas, Haddad deve destacar o histórico religioso de sua família. No sábado, ao fazer um live no Facebook o candidato deixou como pano de fundo o retrato de seu avô paterno, Cury Habib Haddad, que era líder religioso no Líbano. Ontem, depois de votar, declarou que estaria no segundo turno se “Deus quiser”.

A passagem ao segundo turno foi comemorada como uma vitória na Copa do Mundo pelos petistas que acompanhavam a apuração dos votos junto com o candidato em um hotel da Zona Sul de São Paulo. Haddad chegou ao local às 18h15m. Tinha um semblante preocupado. Às 19h, quando foi anunciado o resultado da boca de urna, houve uma primeira comemoração. A agonia só seria encerrada às 20h30m.

O petista começou o dia com um café da manhã no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, um dos berços do petismo. Logo depois, ao votar numa escola de Moema, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo, viu moradores de dois prédios vizinhos bateram panelas nas janelas. Um grupo de cerca de 30 militantes do PT que acompanhava o candidato respondeu com palavras de ordem.

“Nós vamos para o campo democrático com uma única arma: o argumento. Nós não portamos armas"

Fernando Haddad, candidato do PTà Presidência

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Agora será a hora de buscar o centro

Míriam Leitão

08/10/2018

 

 

O eleitor falou. Deu uma grande vantagem a Jair Bolsonaro, mas a disputa continua no segundo turno. Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para o centro. Tanto Jair Bolsonaro, que sai com grande vantagem na largada, quanto Fernando Haddad têm muito a caminhar.

O candidato do PT deu o primeiro passo para a construção da ponte falando em um unir os “democratas do Brasil” e os que “se preocupam com os direitos humanos". Na mesma hora, falando aos seus seguidores pela mídia social, o candidato do PSL levantou de novo dúvida sobre a urna eletrônica, disse que o que está em jogo é a operação Lava-Jato, criticou a imprensa e afirmou que é preciso evitar a volta do PT ao governo. “Não podemos continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Bolsonaro, apesar da sua clara vantagem e da onda conservadora que correu ontem o país, precisará atenuar o tom ofensivo a todas as minorias. Haddad, que larga em grande desvantagem, precisará desesperadamente do apoio de outras forças. Ontem, recebeu já um sinal de Ciro Gomes, que declarou que será “ele não”, porque combateu “sempre a favor da democracia e contra o fascismo”.

Bolsonaro, para se eleger, terá que desfazer sua defesa reiterada da ditadura e da tortura e o desprezo pelos direitos humanos. O PT precisará renegar o apoio à Venezuela e rejeitar declarações como as feitas recentemente pelo exministro José Dirceu. Contudo, quando o assunto é ameaça à democracia, Bolsonaro e PT não são equivalentes. O PT flerta com ideias autoritárias, às vezes, mas fez carreira na democracia e governou preservando a liberdade, mas Bolsonaro sempre proclamou ideias autoritárias.

Outro desafio de cada um será o detalhamento do projeto econômico. O PSL precisará explicar essa fratura exposta entre o que diz o economista e o próprio Bolsonaro e o seu círculo próximo. O PT terá ainda mais trabalho para desmontar o programa intervencionista e voltar ao caminho econômico do primeiro governo Lula. Haddad terá autonomia para isso? As próximas semana serão intensas.