O globo, n. 31108, 08/10/2018. País, p. 12

 

Conflagrado, PSDB sofre a pior derrota de sua história

Silvia Amorim

Cristiane Jungblut

08/10/2018

 

 

Partido que elegeu FH duas vezes amarga menos de 5% dos votos com Alckmin e vive divisão em torno de Doria

O PSDB sofreu ontem a pior derrota de sua história numa eleição presidencial e chega para sua principal disputa no segundo turno —o governo de São Paulo — mais conflagrado do que nunca. Tucanos ligados a Geraldo Alckmin, José Serra e Fernando Henrique Cardoso prometem boicotar a candidatura de João Doria (PSDB) no maior estado do país. Na definição de parlamentares tucanos, o partido “virou pó”. O PSDB saiu de 55% dos votos válidos numa campanha nacional, em 1994, na esteira do Plano Real, para menos de 5% dos votos ontem.

A derrota teve simbolismos especialmente para Alckmin. Nascido em Pindamonhangaba, no Vale do Paraíba paulista, ele perdeu para Jair Bolsonaro (PSL) na sua terra. Com quase 95% das urnas da cidade apuradas, o ex-governador tinha pouco mais de 12 mil votos, 15,24% do total, enquanto Bolsonaro chegava a 59,5%. Atônitos, os dirigentes tucanos adotavam ontem o discurso de “renovação”, mas não sabiam ao certo como e nem o que renovar.

— A primeira coisa a fazer é ter a coragem de discutir tudo, sobre como o partido é e como deve ser. O PSDB nunca encontrou claramente o seu caminho (desde que saiu do poder, com Fernando Henrique) —disse o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.

Prefeito de Manaus, Arthur Virgílio foi o primeiro a alertar o partido de que se tornaria “periférico” em 2018. O tucano, que foi isolado depois de tentar ser o candidato do partido à Presidência, diz agora que Alckmin deve renunciar ao comando do PSDB para permitir uma discussão interna mais profunda.

— Havia esnobismo do partido, de dizer: somos os melhores. O PSDB saiu periférico —disse Virgílio.

'Volta às raízes'

Os criadores do PSDB defendem “uma volta às raízes”, um esforço para mostrar as razões de criação do partido. Porém, no mais importante e simbólico reduto tucano, São Paulo, não há clima para unidade. O posicionamento de Alckmin na eleição paulista é um mistério. Aliados de Doria já defendem troca da direção nacional do PSDB numa antecipação das eleições internas.

— Não podemos perder mais tempo e não dá para continuar com essa Executiva — defendeu ontem o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando.

A atual diretoria, presidida por Alckmin, tem mandato previsto até dezembro de 2019.

A necessidade de uma renovação geracional no partido tem sido defendida por outros tucanos, especialmente os mais jovens. Deputada federal e candidata eleita ao Senado por São Paulo, Mara Gabrili falou ontem em luto e renascimento:

— Sempre acredito que podemos reconstruir e repaginar. O luto se instalou. A gente vai entrar numa nova fase de renascimento. Isso passa por novas lideranças e novas atitudes das antigas lideranças.

Individualmente, parlamentares e governadores deverão declarar apoio a Bolsonaro. O caso mais emblemático é o de João Doria, que marcou para esta segunda-feira um anúncio do apoio ao capitão do PSL.

Por outro lado, FH e um grupo mais progressista do partido resiste em seguir esse caminho sob o argumento de que é enterrar de vez o partido e suas bandeiras de legenda social democrata. FH já ensaiou acenos ao candidato do PT, Fernando Haddad. Segundo aliados, Alckmin deverá tentar uma neutralidade do partido no segundo turno. Seria muito difícil para ele, após toda a campanha de desconstrução de Bolsonaro, declarar apoio ao adversário.

O histórico de votações do PSDB no primeiro turno de eleições presidenciais

11,19%

Mário Covas 1989

55,22%

FH 1994

53,05%

FH 1998

23,20%

José Serra 2002

41,64%

Geraldo Alckmin 2006

32,61%

José Serra 2010

33,55%

Aécio Neves 2014

4,78%

Geraldo Alckmin 2018

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Derretimento de Marina põe em risco o futuro da Rede

08/10/2018

 

 

Na terceira candidatura ao Planalto, ex-senadora fica atrás de Daciolo

A ex-senadora Marina Silva teve ontem a sua derrota mais sofrida desde 2010, quando, recém-saída do PT, disputou a Presidência pela primeira vez e colheu mais de 19 milhões de votos. Dessa vez, com uma estrutura partidária precária, teve pouco mais de um milhão (1%), amargando a oitava posição.

Marina ficou atrás de estreantes como Amoêdo (Novo), Cabo Daciolo (Patriota) e Henrique Meirelles (MDB). Ela perdeu até mesmo no seu berço político. Os 9,5 mil votos que teve no Acre, não permitiriam que ele fosse eleita sequer deputada federal.

Além de perder o protagonismo, Marina também deixa em situação delicada a Rede Sustentabilidade, partido que ela criou em 2015, que terá dificuldades para atingir a cláusula de barreira. O partido poderá ser forçado a uma fusão com outra legenda, como o PV do seu candidato a vice, Eduardo Jorge, já que deve ficar sem fundo partidário e tempo de TV para as próximas disputas. Isso porque, apesar de eleger cinco senadores, a Rede não tinha eleito nenhum deputado federal eleito ontem, com 99% das urnas apuradas

O apoio político de Marina no segundo turno se tornou quase irrelevante para Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT). Após o resultado, a candidata disse que independente de quem vença o segundo turno estará na oposição nos próximos quatro anos. Disse que o partido ainda vai discutir o segundo turno, mas frisou que vê o autoritarismo e a corrupção como ameaças à sociedade.

— As pessoas que votaram em mim, recolheram seus votos democraticamente e, agora, acharam por bem ofertá-los a outras candidaturas. Houve grande pulverização no centro — disse Marina, após o resultado.

O desfecho contrasta com a posição dela há quatro anos, que quase foi para o segundo turno e teve o capital político ampliado por mais de 22,1 milhões de votos na condição de herdeira de Eduardo Campos (PSB), morto num acidente aéreo.

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Não foi a economia, estúpido

Lauro Jardim

08/10/2018

 

 

Jair Bolsonaro capturou corações e mentes de 49 milhões brasileiros em um país enredado em violenta crise econômica, com 12,7 milhões de desempregados. O triunfo eleitoral do capitão, contudo, passou ao largo de propor soluções para a retomada do crescimento ou para o drama fiscal. Ou ainda para a urgente reforma da Previdência.

Apesar do desemprego nas alturas, a corrupção, a segurança pública e os valores familiares pareceram importar muito mais ao eleitor.

Bolsonaro sepultou o mantra consagrado por James Carville, o estrategista de Bill Clinton, para quem o que define o voto nas democracias ocidentais é a situação econômica do país (“É a economia, estúpido”).

Sua campanha tornou hegemônicos outros temas. E surfou neles com inegável sucesso. O que esteve em jogo, ao menos até aqui, foram os valores que Jair Bolsonaro encarna — e foram eles os vencedores do primeiro turno.

São os princípios mais retrógrados na área da segurança pública (“bandido bom é bandido morto”). São também anacrônicos na esfera do comportamento e valores familiares. Mas foi a bordo dessa caravana de preconceitos e atrasos que Bolsonaro capturou o seu eleitor.

O Posto Ipiranga deu um lustro ao campo econômico do candidato. Paulo Guedes serviu para acalmar o mercado financeiro, ainda que seus agentes não tenham confiança absoluta na súbita conversão de Bolsonaro ao liberalismo.

Não importa — a aversão ao PT é maior do que uma eventual dúvida sobre as reais intenções de Bolsonaro nesta seara.

A economia, contudo, nunca foi o que mais importou para a grande massa dos eleitores do capitão. A pauta econômica foi sequestrada pela ideia da pistola nas mãos do “cidadão de bem”, pela luta antiaborto e o combate ao kit gay, pela defesa do antipoliticamente correto e da “família tradicional”. E pelo antipetismo, claro. Bolsonaro é o pastor desses brasileiros.

Henrique Meireles pensou que por causa da economia iriam chamá-lo. Só que o eleitor preferiu chamar o guarda.