O Estado de São Paulo, n. 45645, 07/10/2018. Política, p. A12

 

Um 'tatu em cima do toco' da terceira via

Gilberto Amendola

07/10/2018

 

 

Eleições 2018 Perfis / Como, sem o apoio do Centrão ou do PT e de Lula, Ciro Gomes virou opção à polarização

“Se você vir um tatu em cima do toco, é porque alguém botou.” A imagem foi usada, com sucesso, durante toda a campanha de Ciro Gomes (PDT). Sempre que ele repetia a frase, concluindo que tatu não sobe em toco, e, portanto, alguém o havia colocado lá, a plateia ria em sinal de aprovação. A metáfora tinha como objetivo explicar que os principais problemas do País não surgiram do acaso e, na maioria das vezes, haviam sido criados de forma intencional para atender a determinados interesses. Nesta eleição, assim como na anedota do tatu, Ciro também foi “colocado” em uma posição na qual provavelmente não chegaria sem a força irresistível das circunstâncias. Ciro não se transformou naquele que prometeu “acabar com a polarização odienta” ou no político que se declara “nem petista nem antipetista” por acaso. Ele também foi colocado lá, no “toco” da terceira via. Para entender o caminho sinuoso que levou a candidatura de Ciro a se transformar em uma opção considerada moderada em um eventual segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é preciso retroceder até o conturbado mês de setembro de 2015. Na ocasião, foi entregue à Câmara o pedido de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff que mais tarde viria a ser aceito. No mesmo mês, Ciro trocava de partido pela sétima vez, deixando o PROS e filiando-se ao PDT. Mesmo para um aliado, a fritura do governo petista parecia iminente. Sair de uma legenda pouco expressiva e abraçar um partido com história no campo da esquerda foi o primeiro movi- mento de quem estava olhando para frente, para 2018. Ciro posicionava-se, então, como uma alternativa ao PT, mas, principalmente, como uma opção de candidato para o próprio PT – que poderia vir a apoiá-lo caso seus quadros saíssem enfraquecidos da Operação Lava Jato. Ainda em 2016, Ciro declarou que não seria candidato caso o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva decidisse disputar um terceiro mandato. Apenas em abril de 2017, afirmou ser candidato, independentemente da decisão do petista. “Quando digo que não gostaria de ser candidato se o Lula também for, não é uma homenagem propriamente a ele, embora acredite que PT e PDT possam seguir juntos, apesar de nossas diferenças. Mas, se ele for candidato, ‘passionaliza’ e polariza de tal forma o ambiente que os eleitores terão dificuldade de encontrar meu discurso, centrado em temas que considero sérios, distantes da polarização simplória que ele representa”, disse na ocasião. Com algum distanciamento histórico é possível até dizer que, embora sem Lula na disputa, a fala de Ciro foi premonitória. Exatamente um ano depois, Lula foi preso. E Ciro não demorou em se posicionar contra, engrossando o coro de quem considera a prisão do ex-presidente injusta. Imediatamente, Ciro e Carlos Lupi, presidente do PDT, solicitaram uma visita ao ex-presidente na cadeia – pedido que nunca foi aceito. Ainda com a perspectiva de ser apoiado por Lula, Ciro iniciou a pré-campanha com um discurso mais à esquerda, prometendo revogar a reforma trabalhista e recomprar áreas do pré-sal. A hipótese de uma dobradinha com o próprio PT chegou a animar – ele considerou a chapa Ciro-Haddad uma espécie de “dream team”. Mas, da cadeia, Lula vetou os acenos petistas a Ciro. E fez mais do que isso: começou a articular o isolamento da candidatura dele.

Dificuldades. Sem o PT, Ciro fez dois movimentos: aproximou-se do Centrão (PP, DEM, PRB, PR e Solidariedade) e do PSB. Às vésperas da convenção nacional do PDT, no entanto, o Centrão fechou com Geraldo Alckmin (PSD B ). E uma costura entre as cúpulas do PT e do PSB, também orquestrada por Lula, consolidou aposição de “neutralidade” dos pessebistas, o que asfixiou a campanha de Ciro. As dificuldades acentuaram uma característica conhecida do candidato: o temperamento explosivo. Só nesta campanha, ele declarou que colocaria o Judiciário de volta “na caixinha”, chamou o vereador Fernando Holiday (DEM) de “capitão do mato” e xingou de “fdp” uma procuradora que propôs uma ação contra ele. As circunstâncias eleitorais, no entanto, reposicionaram Ciro na disputa – o colocando no“to coda terceira via ”. Coma consolidação de um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Haddad e, principalmente, com as pesquisas mostrando que Ciro vence Bolsonaro no segundo turno, ele encontrou um novo papel, uma nova voz. Se as urnas confirmarem as pesquisas, Ciro será dono do capital eleitoral mais relevante no segundo turno. E embora tenha dito não ser mais “permitido a ele andar com o PT”, a tendência é de que declare apoio a Haddad. Aos 60 anos, ele já disse que esta será sua última candidatura à Presidência – o que não significa que estaria fora do jogo político ou de um eventual ministério petista.

 

QUEM É​ CIRO GOMES, 60 anos

• Coligação: PDT/ Avante

• Currículo: Advogado e professor universitário.

• Cargos que ocupou: Deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, deputado federal, ministro da Fazenda e da Integração Nacional.

• Família: Pai de 4 filhos. Giselle Bezerra (namorada).

• Curiosidade: Se divertiu com os memes que circularam na internet sobre ele.

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Sempre fiel ao estilo de 'jogar parado'

Adriana Ferraz e Pedro Venceslau

07/10/2018

 

 

Eleições 2018 Perfis / Alckmin venceu resistências no PSDB, atraiu o Centrão, mas sofreu com os rumos da campanha

No dia 31 de outubro do ano passado, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) participava da entrega de uma obra em Ribeirão Corrente, no interior de São Paulo, quando um deputado aliado trouxe um bolo para celebrar a conquista de uma meta que começou a ser perseguida logo após a sua posse, em 2015. O tucano até assoprou velinhas por ter visitado a 645.ª cidade do Estado e finalmente tirado do seu mapa o último espaço em branco. O governador, enfim, tinha ido a todos os municípios paulistas. Naquela altura, Alckmin já se apresentava como pré-candidato à Presidência, mas ainda não se movimentava como tal. O senador Aécio Neves (PSDB), seu principal adversário interno, estava fora do páreo após denúncias de corrupção. Mesmo assim, ainda pairavam dúvidas sobre o nome do governador paulista. O próprio Alckmin da festinha em Ribeirão Corrente resistia a nacionalizar o seu discurso e deixar São Paulo mais à margem da pré-campanha. A movimentação do então prefeito da capital, João Doria, afilhado político que rodava o Brasil em seu jatinho como se estivesse em pré-campanha ao Planalto – apesar de sempre prometer fidelidade ao “mentor” –, também não ajudou. Mesmo pressionado, Alckmin seguiu fiel ao seu estilo de “jogar parado”. Desde a reeleição no primeiro turno em 2014, a candidatura ao Planalto era considerada um passo natural, mas nenhum planejamento nessa direção foi tomado até que ele entregasse o cargo de governador, em abril deste ano. Em parte porque a expectativa origi- nal era que seu nome fosse lançado em 2016, na convenção nacional do PSDB – já que Aécio estava no segundo mandato à frente da sigla e, teoricamente, não poderia se reeleger. “Houve um processo protelatório da escolha do candidato do PSDB à Presidência. O natural era que o Geraldo tivesse sido escolhido em 2016, mas Aécio prorrogou o próprio mandato à frente do partido. Isso prejudicou o processo”, conta o engenheiro e ex-secretário de Energia de São Paulo, João Carlos Meirelles, um dos mais próximos conselheiros de Alckmin. O movimento de Aécio fez com que a candidatura de Alckmin só se tornasse realidade um ano depois, em dezembro de 2017, quando ele assumiu o comando do partido, em meio a uma disputa fratricida entre Aécio e o senador Tasso Jereissati (CE). O comando não significou sossego. Seu discurso era visto como pacífico demais para um ambiente político cada vez mais hostil. Naquela época, aliados já faziam uma cobrança que perdurou por toda a campanha: adotar um estilo mais agressivo para en- frentar uma eleição pulverizada e marcada pela radicalização. Centrão. Foi só em 20 de julho, quando os partidos do Centrão anunciaram o apoio a Alckmin, que a candidatura do tucano finalmente passou a projetar expectativa de poder no mundo político. Ele estava em quarto lugar nas pesquisas no cenário sem Lula, com 9% das intenções de voto, mas teria o maior tempo de TV no horário eleitoral – 12 comerciais por dia, ante um a cada quatro dias de Jair Bolsonaro (PSL). Era questão de tempo para decolar nas pesquisas, dizia. Às vésperas do início oficial da campanha, Alckmin acreditava que em pouco tempo implodiria a candidatura de Bolsonaro, que sempre subestimou. O exgovernador apostava que enfrentaria o candidato de Lula no segundo turno por achar que ainda representava o antipetismo. A expectativa não se concretizou. E foi quase sepultada no dia 6 de setembro, quando o atentado contra Bolsonaro mudou a previsão dos marqueteiros. Foi necessário mudar a campanha, até então pautada em uma agenda reformista. Pega de surpresa, a campanha tucana testou e descartou estratégias nesse último mês para tentar desconstruir Bolsonaro e devolver ao PSDB seu lugar na polarização com os petistas. Alckmin sofreu pressão de todos os lados. Foi obrigado a abrir mão do discurso reformista, baseado em propostas, para tentar, como última cartada, apresentar ao eleitor o “risco” de entregar o País aos “radicais”. Não se saiu bem na nova função. “Ele fez uma campanha ‘padrão Geraldo’. Sabia que o debate poderia ser tomado por esse ambiente totalmente envenenado, mas construiu sua candidatura da forma como acredita, baseada em propostas e informações”, diz o ex-senador José Aníbal.

Velho estilo. Impacientes com a resiliência de Bolsonaro, aliados foram aos poucos se afastando, declarando apoio a concorrentes e até se negando a mostrar Alckmin em seus santinhos. Nem o investimento do PSDB na campanha – R$ 51,6 milhões declarados até a sexta-feira, valor superior à soma de Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes, todos à frente nas pesquisas – fez com que o tucano conseguisse impor sua campanha. Mas, no velho estilo Alckmin, os mais fiéis se esforçam para manter uma narrativa otimista. “Acreditamos nos indecisos”, diz o deputado Silvio Torres.

 

QUEM É GERALDO ALCKMIN, 65 anos

• Coligação: PSDB/ PSD/PTB/DEM /PP/PPS/PR/SD/PRB

• Currículo: Médico anestesista.

• Cargos que ocupou: Vereador e prefeito de Pindamonhangaba, deputado estadual, deputado federal, vice-governador e governador.

• Família: Casado com dona Lu, teve três filhos: Sophia, Geraldo e Thomaz (morto em 2015).

• Curiosidade: Tem como hobby engraxar os próprios sapatos. Toma de 10 a 12 cafés por dia.

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A candidata que busca uma 'fresta para passar'

Marianna Holanda

07/10/2018

 

 

Eleições 2018 Perfis / Marina manteve a vice-liderança por 11 dias, mas corre o risco de sair da corrida com sua pior votação

Quando ficou internada, no ano passado, Marina Silva (Rede) fez um colar com sementes de jarina, bonina, murmuru e tiririca, especialmente para esta eleição. “Esse colar me ajudou a suportar a dor e agora está me dando a alegria de me deixar mais bonita para enfrentar mais uma campanha”, disse nas redes sociais, pouco antes de começar a corrida eleitoral. Quando gravou o vídeo, não sabia que enfrentaria esta disputa longe das posições em que esteve em 2010 e 2014. Onze dias. Foi o tempo em que a candidata da Rede se manteve na vice-liderança da disputa pelo Planalto. O cenário em parte lembra o da eleição anterior, quando perdeu a vaga no segundo turno para Aécio Neves (PSDB). Agora, no entanto, a desidratação foi mais rápida, mais prematura e, pior, atingiu seu próprio partido. Marina corre o risco de acabar a disputa com menos da metade dos votos que alcançou nas eleições anteriores – cerca de 20 milhões. O colar a acompanhou em quase todas as agendas em sua terceira tentativa de chegar à Presidência. Desfilou com o adereço no ponto alto da campanha, quando protagonizou um embate com Jair Bolsonaro (PSL), na defesa por salários iguais entre gêneros. Foi aplaudida. Naquele dia, Marina conseguiu emplacar uma das suas principais bandeiras em 2018: a defesa das mulheres. A candidata tentou capitalizar aqueles que representam parte da sua história – mãe, negra, de origem humilde, ex-empregada doméstica e alfabetizada aos 16 anos – e foram o seu principal eleitorado quando tinha 12% de intenção de votos, seu maior patamar nesta corrida. Mas foi só o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser substituído por Fernando Haddad na cabeça de chapa petista, que Marina começou a desidratar. Pelo menos, é esta a leitura de seus auxiliares. Ela também perdeu espaço como terceira via. “Antes, eram sempre três candidatos: dois polarizando e a Marina sendo a terceira via. Agora está muito dividido o centro”, afirma o coordenador de programa e amigo de Marina João Paulo Capobianco. Além disso, a candidata parece não mais mobilizar multidões. Segundo um porta-voz, o País está indicando que quer candidatos polarizados e Marina não radicaliza o seu discurso. “Não vale tudo para ganhar a eleição”, repetiu ela nos últimos meses. Além disso, a presidenciável perdeu um importante eleitorado que tinha em 2014: os evangélicos. Neste ano, as maiores igrejas fecharam com Bolsonaro.

Programa. A ex-ministra do Meio Ambiente da gestão Lula apresentou um programa mais progressista neste ano, com atenção a minorias e direitos individuais, mas mantendo posicionamento econômico liberal. A polêmica que enfrentou ao tirar a defesa do casamento gay de seu programa de governo em 2014 desta vez foi resolvida: disse que o direito deve ser protegido por lei. Na campanha havia quem defendesse desde o princípio que a candidata apostasse nos órfãos do “lulismo” e evitasse críticas mais duras ao ex-presidente. A ex-senadora adotou a estratégia de insistir na sua história humilde e no discurso de mãe e mulher, mas ao mesmo tempo fez duras críticas a Lula, a quem chegou a chamar de “corrupto”, e fez ainda uma enfática defesa da Lava Jato. Nas últimas semanas, à medida que o cenário de polarização foi ficando mais claro, Marina tentou se posicionar mais e mais como uma terceira via. “Não se pode querer governar um País na base do ódio e muito menos com base na mentira e na corrupção”, disse ela na sexta-feira, no Rio.

Discurso. Em 2010 e 2014, os adversários da candidata exploraram seu histórico de saúde – que inclui cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e uma contaminação por mercúrio – para colar nela a imagem de frágil. Marina atribuiu isso a uma “desqualificação das mulheres” e, neste ano, conseguiu se livrar dessa pecha. Seu discurso também ficou mais claro e incisivo em 2018 eé o resultado de um treinamento intensivo para abandonar o chamado “marinês” – como ficou conhecido seu vocabulário por vezes “rocambolesco”. Mais difícil, no entanto, foi se desvencilhar da falta de estrutura de seu partido, dos 21 segundos de televisão e driblar os poucos recursos disponíveis. No domingo, vão às urnas não só Marina, mas todo o projeto político que ela construiu nos últimos anos. Para a coordena dorada campanha, Andrea Gouve a ,“independentemente do resultado, aliados estão convictos de que Marina consolidou a imagem de uma política de extrema força moral”. Durante a campanha, a presidenciável usou a metáfora de uma “frestinha” para ilustrar o cenário de dificuldades – da vida e da corrida eleitoral. Lembra que passou por um “fresta” no Mobral, se alfabetizou e se tornou professora. Apesar de se dizer “especialista em passar por frestas ”, ade 2018 talvez seja amais difícil para Marina.

 

QUEM É MARINA SILVA, 60 anos

• Coligação: Rede e PV

• Currículo: Historiadora, professora e psicopedagoga.

• Cargos que ocupou: Deputada estadual e senadora por dois mandatos, ministra do Meio Ambiente.

• Família: É casada com Fábio Vaz de Lima e mãe de quatro filhos.

• Curiosidade: Tem sérias restrições alimentares e é alérgica a maquiagem.