O Estado de São Paulo, n. 45645, 07/10/2018. Política, p. A18

 

Reformas ficam em 2º plano na disputa
Douglas Gavras e Tulio Kruse

 

 

 

07/10/2018

 

 

 

País vive a mais longa crise fiscal, mas debate eleitoral é marcado por temas morais

Com o fim do primeiro turno das eleições, os brasileiros vão às urnas hoje sem ouvir propostas detalhadas para os desafios do próximo presidente. As reformas para sanar o rombo nas contas públicas, a Previdência e rever o sistema de impostos ficaram em segundo plano, e o debate eleitoral acabou dominado por temas morais. Tudo isso durante uma das maiores crises fiscais já enfrentadas no País.

Na avaliação de analistas ouvidos pelo Estado, a polarização da campanha e o tempo mais curto de propaganda eleitoral frustraram quem queria ouvir estratégias concretas para a retomada de emprego, renda e questões estruturais para o futuro do País. Houve também situações em que o risco de desgaste com o eleitorado barrou a discussão.

Foi o caso com as duas campanhas que lideram as pesquisas de intenção de voto. Quando perguntado sobre mudanças na Previdência em uma sabatina, Fernando Haddad (PT) minimizou a influência do economista Marcio Pochmann no programa petista. Já o guru econômico de Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes, foi desautorizado pelo capitão reformado ao considerar a criação de um imposto nos moldes da antiga CPMF.

“Quando isso começa a incomodar o eleitorado de alguma maneira, é empurrado para debaixo do tapete. A questão da CPMF foi abortada quando se viu que aquilo poderia custar pontos para o candidato”, disse o cientista político Leandro Consentino, do Insper. “A grande preocupação das discussões não estarem sendo feitas é a população assinar um cheque em branco para o governante.”

O exemplo mais lembrado é a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. “Foi reeleita com um discurso e governou com outro, e deu no que deu”, afirmou Fernando Holanda Barbosa Filho, economista do Ibre/FGV. Até no tema da Previdência, em que os candidatos foram mais cobrados, poucos detalhes entraram em pauta, observou Barbosa Filho. “Todos pecaram por não determinar uma idade mínima.”

Temas mais áridos como a reforma tributária tiveram tratamento ainda mais raso. Para o especialista em tributação Bernard Appy, a discussão foi genérica, mas não fugiu do padrão de outras eleições. Segundo ele, propostas como a isenção de IR para até cinco salários mínimos ainda não foram explicadas. “Considerando os candidatos mais bem colocados na campanha, o caso do Bolsonaro é mais grave. Não dá para se ter ideia do que está sendo proposto”, disse.

“Uma profusão de discussões moralistas nas redes sociais e boatos influenciam nas pesquisas, mas nenhum tema importante foi explicado”, resumiu o professor

José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). “Não houve discussão econômica de verdade.” Procuradas, as campanhas de Haddad e Bolsonaro não responderam aos questionamentos.

Desafios. Além de desemprego na casa dos 12%, o próximo presidente vai herdar uma situação fiscal calamitosa. A expectativa é que as contas públicas fechem

o ano com até R$ 120 bilhões de rombo. Na última semana, o Ministério do Planejamento divulgou uma lista com 36 decisões urgentes que o novo governo terá de tomar. As medidas incluem endurecimento na regra de concessão do seguro-desemprego, cortes no número de funcionários dos Correios e mudanças no Minha Casa, Minha Vida.

Na contramão dos especialistas, coordenadores econômicos avaliaram a discussão econômica positivamente. “Houve um consenso de vários dos candidatos sobre a importância da reforma da Previdência e sobre a importância da reforma tributária”, disse Persio Arida, que preparou o plano do PSDB.

“Eu achei o nível de debate bom”, afirmou o economista Nelson Marconi, que colaborou com a proposta de Ciro Gomes (PDT). “O que ficou prejudicado é que tem um candidato cujos representantes nunca iam”, ironizou, se referindo à equipe econômica de Bolsonaro.

 

PROPOSTAS

As ideias sobre as reformas econômicas contidas nos programas de governos dos candidatos com as melhores posições nas pesquisas

 

Jair Bolsonaro (PSL)

Reduzir em 20% o volume da dívida por meio de privatizações, concessões, terrenos e imóveis da União. Corte de gastos e de privilégios do funcionalismo para equilibrar as contas públicas.

Introdução gradual de um sistema de capitalização, com contas individuais. Novos participantes escolheriam entre os sistemas novo e velho. O candidato já defendeu que militares fiquem de fora do novo sistema.

Isenção de IR para quem ganha até cinco salário mínimos e alíquota única de 20%. Unificar tributos. Reduzir a carga tributária à medida em que há corte de gastos. Descentralizar a cobrança para Estados e cidades.

 

Fernando Haddad (PT)

Revogar o teto de gastos. Propor que investimentos públicos, da União e de estatais, não contem na apuração do limite de gasto. Reduzir o endividamento público com mais arrecadação.

O plano de governo defende a geração de empregos formais para aumentar a arrecadação na Previdência, com “ajustes pontuais” nos regimes de Estados e municípios, e sem mudanças estruturais.

Diminuir a quantidade de impostos que taxam o consumo. Substituir impostos por um único tributo, o IVA. Alterar a tributação de bancos para taxar o spread bancário, com a intenção de baixar juros

 

Ciro Gomes (PDT)

Revogar o teto de gastos e substituir por outra forma de controle de gastos, que preserve investimentos, Saúde e Educação. Revisão de despesas para eliminar desperdícios, sobreposições e privilégios.

Dividir a Previdência em três modalidades, com faixas de renda e idade mínima por gênero e profissão. Os mais pobres seriam bancados pelo Tesouro, e mais ricos entrariam em um sistema de capitalização.

Tributar proporcionalmente mais os ricos, com impostos sobre lucros e dividendos e reduzir o IR para empresas. Federalizar o imposto sobre heranças. Substituir cinco contribuições pelo IVA.

 

Geraldo Alckmin (PSDB)

Reduzir em até dez o número de ministérios. Manter o teto de gastos e flexibilizar o orçamento, com revisão anual de gastos. Reduzir a dívida pública por meio do programa de privatizações e da venda de imóveis.

Estabelecer idade mínima e o mesmo teto de pagamento para todos os regimes, permitindo a complementação com sistemas particulares. Combater privilégios nos regimes próprios do funcionalismo público.

Simplificar o sistema tributário, substituindo cinco contribuições por um único tributo, o IVA. Criar um imposto sobre dividendos, e compensar a nova contribuição com a diminuição do IR para empresas.

 

Marina Silva (Rede)

Controle do gasto público, com seu crescimento limitado a 50% do aumento do PIB. Revisar renúncias fiscais e suspender a criação de Refis. Combater as distorções e privilégios adquiridos no funcionalismo.

“Estabelecer idade mínima, com um prazo de transição que exclua da regra quem está prestes a se aposentar. Eliminar privilégios de regimes próprios. Transição para um sistema misto de contribuição.

Reduzir a complexidade do sistema tributário com um imposto único sobre bens e serviços. Descentralização da autoridade para tributar, para aumentar a capacidade de investimento de Estados e municípios.