Título: Dilma elogia texto e alfineta países ricos
Autor: Mascarenhas, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2012, Brasil, p. 10

Na abertura oficial da conferência, com a presença dos chefes de Estado, presidente criticou a falta de ação das nações desenvolvidas. Negociações continuam hoje, mas governo rechaça a possibilidade de mudanças

A presidente Dilma Rousseff fez um discurso em defesa do documento aprovado pelas 193 nações que participam da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável — Rio+20, ontem, durante a cerimônia de abertura oficial. A delegação brasileira mediou as negociações. Ela comemorou a inclusão da erradicação da pobreza como um dos compromissos assumidos pelos chefes de Estado, cobrou investimentos dos países desenvolvidos e afirmou que a Rio+20 ampliou a interferência da sociedade nos processos decisórios. Pouco antes de Dilma subir ao púlpito, as ONGs de defesa do meio ambiente manifestaram publicamente o descontentamento com o que foi acordado e pediram a retirada do trecho "ampla participação da sociedade civil" do texto.

Já ciente da repercussão negativa entre a opinião pública, Dilma citou os itens que julgou mais importantes do documento. "Foi um esforço de reconciliação para avançarmos em direção ao futuro que queremos, em não retroceder nos compromissos que assumimos. Mas não basta manter as conquistas do passado, temos que evoluir. O texto traz avanços importantes. Estamos introduzindo o objetivo de erradicação da pobreza como maior desafio global que o mundo enfrenta, adotamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que darão foco e orientação aos nossos esforços coletivos, fortalecemos o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e ampliamos a participação da sociedade civil nos processos decisórios sobre desenvolvimento sustentável", destacou.

A presidente afirmou que o "tempo é o recurso de maior escassez" e criticou as nações desenvolvidas. "A promessa de financiamento do mundo desenvolvido para o mundo em desenvolvimento ainda não se materializou nos níveis prometidos e necessários. Os compromissos de redução de emissões firmados no âmbito do Protocolo de Kyoto não foram atingidos. O princípio comum, com responsabilidades diferenciadas foi muitas vezes recusado na prática, e, sem ele, não há consenso possível de um mundo mais justo e inclusivo, no qual as pessoas sejam o centro do desenvolvimento", disparou na direção, principalmente, de europeus e dos Estados Unidos. "Em um momento como este, de incertezas em relação ao futuro da economia internacional, é forte a tentação de tornar absolutos os interesses nacionais. A disposição política para acordos vinculantes fica muito fragilizada. Não podemos deixar isso acontecer", acrescentou.

Decepção Em tom menos otimista, o presidente da França, François Hollande, afirmou ontem que o documento aprovado na Rio+20 ficou aquém das expectativas. Conforme já havia anunciado em entrevista coletiva, concedida antes de se pronunciar no plenário dos chefes de Estado, o mandatário francês disse que pretende trabalhar para que seja instituído um tributo sobre transações econômicas internacionais para financiar iniciativas de desenvolvimento sustentável. "Os financiamentos inovadores não foram concretizados de fato. Existe a crise na Europa, mas, se não acrescentarmos novos financiamentos às ajudas previstas hoje, não conseguiremos atingir os objetivos que almejamos", afirmou

Hollande, que, à tarde, se encontrou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e almoçou com a presidente Dilma. Hollande também lamentou o fato de o Pnuma não ter sido transformado em uma agência, com mais autonomia, e deu um recado a quem defende que a crise econômica europeia seja uma boa justificativa para a dificuldade de se chegar a um consenso durante as negociações do documento elaborado na Rio+20. "O desenvolvimento sustentável não é um entrave, é uma oportunidade", resumiu.

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, aproveitou o espaço e a atenção da comunidade internacional para defender que a ordem mundial seja redesenhada, "com base em um Deus único". "Os chamados países desenvolvidos estão impondo padrões de desenvolvimento, e os outros países são forçados a seguir os seus passos. As questões de direitos humanos foram concebidas para servir àqueles que dominam o mundo. Os seres humanos não são rivais, mas amigos e companheiros. A felicidade de um não pode ser à custa do outro. A ordem internacional precisa ser redesenhada para servir tanto às necessidades materiais quanto espirituais", afirmou Ahmadinejad. Protestos na Cúpula dos Povos durante esta semana pediram que o país impedisse a participação de Ahmadinejad na conferência.

Contra-ataque Ontem, durante a entrevista coletiva, o chefe da delegação brasileira nas negociações, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, contra-atacou os representantes de países que criticaram o documento final da conferência. "Quem exige ambição de ação e não põe dinheiro na mesa está sendo no mínimo incoerente", afirmou, referindo-se a um dos pontos mais complicados do debate, a origem dos financiamento de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Figueiredo rechaçou a possibilidade de os chefes de Estado alterarem o texto aprovado pelos seus corpos diplomáticos.

O documento entregue ontem aos líderes é resultado da negociação iniciada na semana passada pelos representantes dos países que participam da conferência, que, na prática, começou no dia 13. Após dias de reuniões, em que a delegação brasileira ocupou a função de mediadora, os embaixadores chegaram a um consenso. O texto, no entanto, recebeu críticas severas de lideranças da sociedade civil, que o consideraram fraco e pouco objetivo.

"Foi um esforço de reconciliação para avançarmos em direção ao futuro que queremos, em não retroceder nos compromissos que assumimos. Mas não basta manter as conquistas do passado, temos que evoluir" Dilma Rousseff, presidente da República

"Quem exige ambição de ação e não põe dinheiro na mesa está sendo no mínimo incoerente" Luiz Alberto Figueiredo, embaixador-chefe da delegação brasileira nas negociações

Rio+20 em números

Participantes » Público estimado de 30 mil a 50 mil » Delegações de 193 países » Cerca de 5 mil pessoas trabalham no evento diariamente » Cerca de 6 mil eventos ocorrem ao longo dos nove dias da conferência

Transporte para o Riocentro » Cerca de 350 ônibus para o transporte de participantes credenciados » 7 linhas ligam Centro, Zona Sul e Barra da Tijuca ao Riocentro » 2 linhas ligam os aeroportos aos hotéis

Voluntariado » 1.500 jovens, selecionados entre alunos de cursos técnicos do sistema Senai/Firjan, alunos de escolas públicas fluminenses, universitários e profissionais de todo o país » Cerca de 700 jovens de comunidades vulneráveis foram selecionados » 5% do voluntariado é composto por pessoas com deficiência

20 mil Quantidade de pessoas de todo o mundo que marcharam no Centro do Rio de Janeiro

"A Dilma considera vitória o que o restante do Brasil considera um fracasso" Paulo Adário, diretor da ONG Greenpeace