Título: Uruguai propõe a venda de maconha
Autor: Luna, Thaís de
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2012, Mundo, p. 21

Medidas do governo preveem a legalização do comércio e do uso controlado da droga

Um projeto de lei elaborado pelo presidente do Uruguai, José Mujica, para legalizar a venda de maconha, tem provocado muita polêmica. O pacote de medidas, batizado de Estratégia pela vida e pela convivência, foi anunciado por volta das 19h45 de ontem e visa diminuir o comércio ilegal do entorpecente a partir de sua venda controlada. "Também queremos atender a uma situação social conflitiva", afirmou o vice-presidente uruguaio, Danilo Astori. Ele se referia ao consumo de pasta-base de cocaína, usada na produção do carck, droga apontada como a causa do aumento da delinquência juvenil no território. O Estado pretende evitar que os usuários procurem um ponto de venda de drogas, onde teriam acesso a narcóticos mais pesados.

O pacote, elaborado pelo Gabinete de Segurança — constituído por Mujica e pelos ministros do Interior, da Defesa e das Relações Exteriores, além de um grupo de especialistas —, abrange 16 medidas para fortalecer a segurança pública. O secretário da Presidência, Alberto Breccia, afirmou que elas buscam combater a insegurança e melhorar a convivência no país. O ponto que mais chama a atenção da população, de parlamentares e de clínicas de reabilitação é a possibilidade de o Estado vender maconha para consumidores acima de 18 anos e devidamente cadastrados. Se o projeto for aprovado pelo Parlamento, a qualidade do produto será certificada pelo governo e cada pessoa poderá comprar, no máximo, 40 cigarros por mês. Quem ultrapassar esse limite, segundo o texto, terá que se submeter a tratamentos em clínicas de reabilitação.

No preço dos cigarros de maconha estarão incluídos impostos destinados a financiar o tratamento de dependentes químicos. Outra medida prevê a internação compulsiva de viciados em pasta-base de cocaína. Grupos que defendem o consumo de maconha no Uruguai, como o Movimento de Liberação da Cannabis, estimam que cerca de 20% da população fumam a droga.

Repressão

De acordo com Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), o projeto de lei parece ser uma legalização controlada. "É uma medida interessante. Se pareceria com o comércio de remédio controlado, que só pode ser comprado se a pessoa se cadastra. Isso tira um pouco o poder dos traficantes", avalia. "Em termos de combate ao narcotráfico, esse processo deveria vir acompanhado da repressão policial. O objetivo do governo é a redução do consumo de drogas, mas os resultados podem ser controversos", comenta Ayerbe. Ele alerta que o Partido Nacional, de linha conservadora, considera que tal ação aumentaria o consumo de drogas.

O coordenador do instituto da Unesp lembra que, por ser uma experiência nova e ousada, a ideia do governo levará um tempo para mostrar resultados, se aprovada pelo Parlamento. Para Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado e assessor internacional para a União Europeia, tirar a questão das drogas do âmbito criminal e levá-la para o campo administrativo pode ser positivo, se houver um reforço no atendimento aos dependentes. "Por sua vez, com o proibicionismo, não se tem verificado a redução do uso de maconha nem de outros narcóticos", comenta.

Três perguntas para Wálter Fanganiello Maierovitch, jurista, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, desembargador aposentado e assessor internacional para a União Europeia

Qual é a diferença entre legalização e descriminalização de drogas como a maconha? Quando se descriminaliza a droga, o porte para uso próprio não é considerado crime, mas uma infração administrativa, como estacionar em fila dupla. Já ao legalizar, torna-se permitido inclusive que a pessoa compre a droga. No caso do Uruguai, seria uma forma de descriminalização, com oferta controlada da droga ao usuário.

Projetos de lei como o uruguaio podem reduzir o consumo de drogas? As medidas de descriminalização são relativamente novas, mas já vêm surtindo efeito. A União Europeia recomendou a adoção da legislação portuguesa, que não mais criminaliza as drogas de uso próprio, mas as proíbe administrativamente. Em 2010, constatou-se que, em Portugal, pela primeira vez na história, havia ocorrido uma queda significativa no consumo de narcóticos.

Essa iniciativa pode abrir precedentes para que outros países da América Latina desenvolvam projetos de lei parecidos? A América Latina sempre ficou a reboque da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1966, ditada pelos norte-americanos e que foca no proibicionismo em relação ao uso. O que deve ser feito é atacar o tráfico de drogas e a economia movimentada por ele.