O globo, n. 31104, 04/10/2018. País, p. 4

 

O avanço da mentira

Gisele Barros

Luís Guilherme Julião

Marlen Couto

04/10/2018

 

 

Na reta final da campanha, fake news disparam na internet

Na reta final da eleição, os conteúdos falsos se multiplicaram nas redes e no WhatsApp. Desde o fim de semana, 11 publicações falsas de grande repercussão — entre textos, fotos e vídeos —foram desmentidas pelo Fato ou Fake, o serviço de checagem do Grupo Globo.

No Facebook, 35 postagens tiveram cerca de 400 mil compartilhamentos e alcançaram milhões de eleitores. Só quatro vídeos publicados na rede social registraram 2,7 milhões de visualizações.

A propagação dos conteúdos falsos está crescendo, e rápido. O Núcleo de Dados do GLOBO analisou 18 páginas que compartilharam mentiras desde o fim de semana. As publicações mais recentes têm, em média, nove vezes mais interações e compartilhamentos do que postagens feitas pelas mesmas páginas nas primeiras semanas de setembro. Em média, cada publicação com conteúdo falso foi compartilhada 13,7 mil vezes. No início do mês, essa média era de 1,4 mil.

As milhares de interações — a soma de reações, comentários e compartilhamentos —ajudam a amplificar o alcance de uma postagem no Facebook. Uma das publicações que viralizou nos últimos dias, da página Planeta Brasil, traz um vídeo dizendo que a foto da manifestação contra o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) no Largo da Batata, em São Paulo, no sábado, era antiga e foi tirada durante o carnaval de 2017. Apesar de ser falso, o vídeo teve mais de 1,5 milhão de visualizações e 83 mil compartilhamentos.

Jogo "Deturpado"

No Facebook, as páginas pesquisadas que publicaram conteúdo falso nos últimos cinco dias se posicionam, majoritariamente, a favor de Bolsonaro. Contudo, isso não significa que a campanha tenha participação na propagação das mensagens e que também não seja alvo.

Um exemplo é o texto publicado em uma conta falsa do PSL no Twitter alertando para o fim do 13º salário caso Bolsonaro seja eleito — seu candidato a vice, general Mourão, já criticou o pagamento do 13º, mas o candidato rechaçou o seu fim.

Os materiais falsos que circulam no WhatsApp são impossíveis de serem rastreados, pois as conversas são criptografadas. Ao mesmo tempo, é fácil encaminhar mensagens recebidas.

Professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)e um dos coordenadores do Monitor do Debate Político do Meio Digital, projeto que faz o acompanhamento do que é publicado nas redes sociais, Pablo Ortellado explica que momentos de aumento da temperatura política são mais propícios para a circulação de desinformação. Ele alerta para o risco que esse tipo de conteúdo pode gerar:

—Esse aumento da circulação de mensagens falsas é óbvio e esperado em momentos em que a temperatura política também aumenta e isso se confirmou agora, na véspera da eleição. Esses boatos têm um dano terrível para a democracia, pois está sendo forjado um juízo político e há pessoas tomando decisões em cima de informações falsas, o que deturpa muito o jogo político — afirma Ortellado.

Para o cientista político Rafael Sampaio, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mensagens falsas que circulam nas redes servem para reforçar o voto de quem já se decidiu ou ainda para aumentar a rejeição a certo candidato.

— Geralmente a “fake news” não é positiva, é negativa, para aumentar a rejeição. O perigo disso é que uma pessoa que não era tão radical no começo da eleição vai sendo contaminada e ficando mais radical. O efeito real é sobre aquelas pessoas que até poderiam mudar de candidato, mas que acabam cristalizando o voto —afirma Sampaio.

Peso na hora decisiva

Coordenador do projeto Eleições sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabricio Benevenuto confirma a sensação de que há muitos conteúdos falsos no WhatsApp. Seu grupo monitora as fotos, vídeos, áudios, textos e links mais compartilhados em cerca de 200 grupos abertos no aplicativo — que podem ser acessados por links de convites oferecidos em páginas na internet.

Na última terça-feira, a ferramenta identificou que o texto mais compartilhado foi uma mensagem falsa que diz que o voto é anulado se o eleitor escolher apenas presidente e votar em branco para os outros cargos. A mensagem falsa foi compartilhada em 23 grupos monitorados pelo projeto da UFMG.

— É uma ferramenta que entrou com um peso muito grande na eleição, mas não conseguimos saber quem são os criadores do conteúdo e rastrear a origem — afirma Fabricio Benevenuto. (Colaborou Marta Szpacenkopf)

Carnaval não foi usado para manipular foto de manifestação

O ato contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) no Largo do Batata (SP), no último sábado, foi alvo de mensagens falsas. Uma postagem disse: “Foto que está sendo divulgada pela esquerda para falar do ‘sucesso do movimento contra Bolsonaro’ é na verdade de um carnaval de rua em São Paulo do ano passado!”. No entanto, a fotografia feita no sábado mostra a manifestação e é diferente da registrada em 2017 e reproduzida nas publicações, embora do mesmo ângulo. As duas são da mesma autora.

A universidade americana e a pesquisa que não existiu

A suposta pesquisa feita pela Universidade do Sul da Califórnia apontando que não há previsão de 2º turno é falsa. A imagem aponta Bolsonaro com 61% das intenções de voto, Ciro Gomes com 12%, e Haddad com 7%. A universidade informou que não fez trabalho sobre as eleições no Brasil. “A University of Southern California repudia a tentativa de envolver o nome da universidade para espalhar notícias falsas no Brasil. Estamos investigando a origem do post para tomar as medidas cabíveis”, informou a instituição em nota.

O falso tuíte que extermina o 13º salário e o salário mínimo

Uma publicação no Twitter que simulava ser do PSL, partido de Jair Bolsonaro, afirma que num eventual governo do candidato o 13º salário seria extinto e que os empresários não pagariam mais salário mínimo. O perfil nomeado @PSLOicial não é a identidade real do partido na rede social. Ao confirmar que a publicação era falsa, a assessoria do candidato afirmou ainda que o conteúdo da mensagem não expressa opiniões de Bolsonaro. O deputado negou que pretenda extinguir o benefício.

Temor espalhado sobre anulação dos votos

Surgiu no WhatsApp uma mensagem dizendo que o voto é considerado parcial e anulado quando o eleitor vota somente no presidente e em branco nos demais candidatos a outros cargos (governador, deputado federal, deputado estadual e senador). O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que não é verdade a afirmação de que um voto depende do outro para ser computado. O voto em branco ocorre quando o eleitor escolhe a opção da tecla de cor branca. O nulo ocorre quando o eleitor digita um número inexistente na lista de candidatos.

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Favorito para quem compartilha, WhatsApp não pode ser rastreado

04/10/2018

 

 

Segundo pesquisa Datafolha, 66% dos brasileiros têm conta no aplicativo

O WhatsApp é a ferramenta mais usada para compartilhar notícias sobre política e eleições, revela pesquisa divulgada ontem pelo Datafolha. Ao todo, 66% dos brasileiros têm contas no serviço de mensagens e 24% declararam compartilhar conteúdos sobre política na plataforma. Os gestores do aplicativo, porém, dizem que não conseguem rastrear o conteúdo disseminado.

O Facebook aparece em segundo lugar. Entre os entrevistados, 58% informaram ter perfil na rede social e 21% disseram usá-la para enviar notícias políticas.

Segundo o levantamento, as taxas de eleitores que compartilham notícias sobre eleições no WhatsApp são maiores entre os homens (28%), na faixa de idade de 25 a 34 anos (31%), entre os entrevistados com ensino superior (39%) e no grupo com renda superior a dez salários mínimos (47%). Nas regiões do país, essa proporção é maior no Centro-Oeste (27%) e nas cidades com mais de 500 mil habitantes (28%).

O perfil é semelhante ao dos eleitores que mais leem notícias relacionadas às eleições pelo WhatsApp. A proporção é mais alta entre aqueles com ensino superior (66%) e na última faixa de renda (71%).

Fabrício Benevenuto, professor de computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do projeto “Eleições sem Fake”, destaca o impacto do WhatsApp na eleição e, ao mesmo tempo, as dificuldades para se rastrear a origem de mensagens falsas na plataforma:

—O que a gente percebeu em grupos públicos de WhatsApp é que tem muita desinformação. É uma ferramenta que entrou com um peso muito grande na eleição, mas não conseguimos saber quem são os criadores do conteúdo e rastrear a origem.

Quem publica mais

No Facebook, os jovens também são os que mais compartilham notícias sobre as eleições. Na faixa de idade de 16 a 24 anos, chega a 29% dos entrevistados. No grupo de 25 a 34 anos, a 28%. O compartilhamento é ainda mais comum entre os que têm ensino superior (32%) e entre aqueles com rendimento entre cinco e dez salários mínimos (33%).

Segundo o Datafolha, entre os candidatos mais bem colocados nas pesquisas, o índice de compartilhamento de notícias é mais alto entre os eleitores de Jair Bolsonaro (PSL): 31% declararam compartilhar notícias sobre política no Facebook e 40% no WhatsApp. Entre os eleitores de Fernando Haddad (PT), os índices são, respectivamente, 21% e 22%. Nos eleitores de Ciro Gomes (PDT),são22%paracadarede social, e entre os eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB), 14% e 13%.