O Estado de São Paulo, n. 45642, 04/10/2018. Espaço aberto, p. A2

 

Deputados? Vote em quem defende o voto distrital

Roberto Macedo

04/10/2018

 

 

Nas eleições em andamento, parece que vamos escolher um rei ou imperador para receber a faixa dita presidencial. Nos meios de comunicação predomina fortemente o noticiário sobre os candidatos a ela. Muito abaixo nessa cobertura estão os candidatos a governador e a senador, nessa ordem. E bem lá em baixo, os candidatos a deputado federal e estadual. Pesquisas eleitorais só cobrem a eleição presidencial, para o governo dos Estados e para o Senado, com um viés enorme para o primeiro caso. Quanto à eleição de deputados, não me lembro de ter visto pesquisas de intenção de voto.

A razão é o enorme número de candidatos. No Estado de São Paulo há 1.686 (!) candidatos para 70 vagas de deputado federal e 2.174 (!) candidatos para 94 vagas de deputado estadual. Nesses casos, para pesquisas de intenção de votos seriam necessárias amostragens de enorme tamanho e custo.

Focarei no caso dos deputados federais, pois são os que têm grande influência nas questões políticas e econômicas que dizem respeito ao País como um todo. Quanto a eles, o já referido desequilíbrio na cobertura dos meios de comunicação contrasta com a enorme importância da Câmara dos Deputados no tratamento dessas questões. Os presidenciáveis falam muito de reformas, mas não de como vão combiná-las com os russos, os parlamentares, cuja maioria é avessa a mudanças que tratam de questões de grande interesse popular, como a previdenciária. Ou que afetam os seus interesses pessoais e dos grupos de interesse que defendem. Além dessa atitude defensiva relativamente a projetos reformistas, os parlamentares também atuam no ataque, como o fazem ao aprovar pautasbomba cujo alvo são as contas governamentais.

Com tantos candidatos fica muito difícil para o eleitor escolher um para votar. Como compará-los? O eleitor pode votar por convicções partidárias, mas, mesmo dentro de um partido, em vários casos são muitos os candidatos. Há também o eleitor que acompanha o desempenho de deputados que já exerceram ou ainda exercem os seus mandatos. E há muitas outras influências, como o boca a boca no meio social, as benesses recebidas de candidatos, os votos por grupos de interesse corporativos, religiosos ou até mesmo empresariais, e por aí afora, mas sem focar no candidato em si e na sua comparação com outros. E na propaganda eleitoral nos meios de comunicação tão pouco tempo é dado aos candidatos a deputado que a maior diferença entre eles é o número para ser sufragado na urna eleitoral. Lembram os números do jogo do bicho.

Pensando na seleção comparativa e bem informada, uma teoria sobre o processo de escolha se aplica também ao caso eleitoral. Trata-se da desenvolvida por um psicólogo americano, Barry Schwartz, e apresentada no seu livro O Paradoxo da Escolha: por que mais é menos (São Paulo: Girafa, 2007). Ele argumenta que a maior disponibilidade de opções beneficia as pessoas até um certo ponto, mas à medida que o número aumenta aparece o efeito negativo da dificuldade de escolher, fazendo que as pessoas fiquem menos satisfeitas com as muitas opções que lhes são dadas. Isso até que o lado negativo se sobrepõe e a insatisfação cresce a ponto de a decisão não ser tomada. Ou ser negligente, acrescento. No caso eleitoral, o cidadão pode votar sem muita convicção quanto à sua escolha, pode também se abster ou anular o voto, e pode ainda votar numa pessoa por outras razões, que nada têm que ver com a escolha de um deputado, como os que optam por Tiririca ou por alguma outra figura exótica.

A escolha não criteriosa contribui também para a falta de representatividade dos eleitos, e o eleitor costuma até se esquecer de em quem votou, não demonstrando maior interesse em acompanhar os eleitos, cobrar desempenho.

No Brasil o voto para deputado federal se dá por unidade da Federação, com as vagas sendo disputadas em todo o seu território, o que eleva o número de candidatos que as disputam. Reduzir o número em si não seria democrático, mas há uma solução óbvia que até aqui o Brasil não adotou, porque também nesse caso não foi possível combiná-la com os russos, os parlamentares atuais, cuja maioria quer manter o sistema atual, pelo qual foram eleitos.

Trata-se do voto distrital, que no caso paulista equivaleria a dividir o eleitorado estadual em 70 distritos, nos quais cada partido apresentaria o seu candidato e, no conjunto deles, o número de nomes viáveis não alcançaria uma meia dúzia. Tal como acontece nas eleições diretas para cargos executivos, do presidente, de governadores e prefeitos. Por isso costumo defender o voto distrital como sendo de eleição direta de deputados e vereadores, por distrito eleitoral.

Aí as comparações entre candidatos se tornariam viáveis por seu menor número e, além disso, o candidato eleito representaria os eleitores do distrito como um todo. Também seria diminuída a influência dos grupos de interesse corporativos, religiosos e empresariais, que hoje elegem seus deputados arregimentando votos por todo o território estadual. Tais grupos passam a ter uma representação mais forte do que a da maioria dos eleitores, que dispersa seus votos por uma profusão de candidatos. O efeito Tiririca também seria atenuado ou mesmo eliminado, pois uma coisa é ele se eleger com votos dispersos da mesma forma e outra seria sua eleição num distrito depois de ali comparado com outros numa eleição direta.

Vamos mais uma vez participar de uma eleição para deputados que em larga medida é uma farsa, por causa desse distorcido processo de escolha, que força o eleitor a votar sem refletir bem sobre o seu candidato, e pela falta de representatividade a que ele leva. Um bom critério de escolha é optar por candidatos comprometidos com o voto distrital.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

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O Brasil pós-crise exige ética do amanhã

Marcílio Marques Moreira

04/10/2018

 

 

Às vésperas das eleições que significarão a passagem do bastão de liderança nos Legislativos e Executivos federal e estaduais, urge concentrar esforços que ultrapassem divergências ideológicas para tornar viáveis avanços de comportamento político e privado, inspirados em sólidos princípios de ética pública e empresarial.

O mundo vem passando por profundas transformações econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, que têm causado incertezas e desconfiança. Mas há também enormes oportunidades e persistentes desafios. O globo avança em direção à sociedade do conhecimento, à economia de baixo carbono e à modernização de obsoletos quadros institucionais. É momento de lembrar San Tiago: “Nenhum projeto nacional é válido, nenhuma política interna é autossustentável, se não lograr inserir o País no rumo histórico do seu tempo e superpor, harmonicamente, o nacional e o universal”.

Urge, pois, abrir o Brasil ao mundo, atualizar mentalidades, tornar clara a gravidade da situação e a extensão das oportunidades, discernindo, com coragem, os desafios a enfrentar. Há que resgatar a verdade, tornandonos seus “pacientes ouvidores”.

A História nos lega preciosos ensinamentos, mas “não nos obriga”. Há que despojar-nos de ideias anacrônicas: patrimonialismo ibérico, intervencionismo arbitrário, anticapitalismo infantil. O presente exige respeito à verdade, frágil vítima de todas as crises. Qualquer projeto nacional exige que a ética do futuro substitua fúteis nostalgias e ressentimentos estéreis.

Temos de desenhar visões do amanhã para o País que queremos e buscar o fio condutor, a “ideia clara da obra a realizar”. Há que vertebrar propostas convergentes a objetivos compartilhados, sem tolerar retrocessos incoerentes e ações descomprometidas.

Primeiro passo será avançar no ajuste fiscal, condição inarredável da estabilidade econômica e do ambiente de negócios positivo que assegure sustentabilidade à retomada do crescimento, à geração de empregos e à modernização das combalidas infraestruturas física e humana. Produtividade e competitividade o exigem. É essencial tornar viáveis reformas estruturantes, a previdenciária e a tributária, por exemplo, para acompanhar mutações na demografia e no mundo do trabalho. Impõe-se revitalização da economia, do processo político, da educação, cultura, ciência e tecnologia, dos sistemas de saúde, saneamento e segurança.

Não me é possível esmiuçar reformas aqui. Limito-me a enfatizar que são indispensáveis para afastar o risco de um neosubdesenvolvimento ancorado no pântano de mediocridade doméstica e irrelevância internacional, riscos mais prováveis do que o caos, propalado pelos que optam por espalhar o medo. A discussão da reforma da Previdência tem revelado acanhamento intelectual, tanto de seus proponentes quanto de seus críticos. Ambos se têm digladiado principalmente em torno de dois pontos: o déficit financeiro e a idade de aposentadoria. Embora importantes, eles não são os únicos problemas a ser enfrentados nem resumem os aspectos que, se resolvidos, tornariam a reforma solução satisfatória.

Reforma previdenciária é processo incremental que tem de levar em conta as circunstâncias de cada momento percorrido e promover mudança significativa num sistema que se tornou irremediavelmente obsoleto e escandalosamente injusto: injustiça distributiva, na absurda relação de 10 a 1 entre benefícios oferecidos pelos sistemas previdenciários público e privado, assim como injustiça comutativa entre contribuições e benefícios. E, finalmente, gritante injustiça intergeracional, com a infância e as gerações a vir, que, silentes, não podem vocalizar suas enormes preocupações quanto ao pesado legado que herdarão caso as reformas corretivas não se materializem a tempo.

O conjunto de reformas terá de inspirar-se em ética do futuro, baseada em valores compartilhados de um Brasil que queremos para nossos filhos e netos. Haverá que privilegiar, por exemplo, o ensino desde a primeira idade e que deverá estender-se às etapas educacionais seguintes até a técnica e a universitária, incluindo cada vez mais a educação permanente por toda a vida, visando à reciclagem periódica imposta pela indústria 4.0, a inteligência artificial e os progressos técnicocientíficos em curso.

Os que comungam a ética voltada para o amanhã não se sujeitam às demandas dos grupos que capturam políticas públicas, pondo-as a serviço de interesses especiais. Há que pensar nas gerações vindouras, num Brasil inserido de forma soberana e competitiva na realidade global, que, apesar de tensões e volatilidade, continua avançando em direção a um novo ciclo. Políticas públicas têm de levar em conta consequências futuras das decisões de hoje, obedecer à ética da responsabilidade. Há que evitar soluções de hoje que se transformem em problemas amanhã. E urge pôr o Brasil em dia, passá-lo a limpo, voltar a produzir crescimento, emprego e renda e, assim, resgatar a confiança e a esperança.

Temos de privilegiar investimentos que garantam a sustentabilidade da expansão econômica, em vez do estímulo exacerbado ao consumo imediato, fonte de popularidade em curto prazo. A busca de equilíbrio fiscal de um país moderno não procura privar ninguém de legítimos direitos “adquiridos” ou não, mas assegurar o processo que estenda a todos o direito de usufruí-los, no seio de um país mais próspero, justo e generoso. Os sofridos brasileiros o merecem. O futuro está em nossas mãos. Não podemos fugir a essa responsabilidade! E o próximo passo está muito perto. Será o voto bem informado, longe de pruridos populistas, promessas vãs e traços messiânico-salvacionistas e conscientes das consequências que poderão custar à Nação. Terá de ser um voto concebido em torno de um objetivo principal: contribuir positivamente para a melhoria permanente do bem comum do povo brasileiro

PRESIDENTE DO CONSELHO EMPRESARIAL DE POLÍTICAS ECONÔMICAS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO