Título: Conferência acaba em consenso possível
Autor: Mascarenhas, Gabriel; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2012, Brasil, p. 12

No fim do encontro ambiental, presidente Dilma elogia texto destacando a dificuldade de acordo entre 193 países

A presidente Dilma Rousseff encerrou oficialmente a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável — Rio+20, ontem, da mesma forma como deu início a ela: defendendo o documento elaborado durante a conferência, alvo de críticas da sociedade civil e de parte dos chefes de Estado. Mais cedo, em entrevista coletiva, ela reafirmou o discurso adotado pela diplomacia brasileira de que o texto final é resultado do "consenso possível", mas admitiu também que as políticas de desenvolvimento sustentável do Brasil estão mais avançadas do que as propostas no documento.

"Obviamente, o texto não atende às nossas práticas. Aqui, nossa matriz energética é 45% renovável, enquanto em outras nações é de apenas 7%. Ainda assim, a minha expectativa foi plenamente atendida", justificou. Embora tenha preferido não comentar as manifestações de desagrado feitas por líderes de governo, Dilma deixou claro que não aprovou o comportamento dos colegas. Repetindo a todo momento a importância da multilateralidade, ela lembrou que o texto foi avalizado por representantes dos 193 países presentes na Rio+20. "Ninguém aqui pode ficar apontando o dedo para ninguém. Acho que essa não é uma boa prática. Respeitar a posição do outro, seja ela qual for, é fundamental".

No discurso que colocou ponto final à Rio+20, a presidente voltou a cutucar os países desenvolvidos e, como já havia dito, considera a conferência "um ponto de partida", de onde as nações devem avançar daqui para frente. "Aplaudo em especial os países em desenvolvimento, que assumiram compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável, mesmo na ausência do necessário financiamento prometido pelos países desenvolvidos", alfinetou.

A principal fragilidade do acordo firmado no evento, principalmente na avaliação dos representantes da sociedade civil, é a ausência de metas e prazos para implementação de medidas que visem ao desenvolvimento sustentável. Integrantes da Cúpula dos Povos, eventos paralelo a conferência, que reúne integrantes das mais variadas entidades, classes e raças, classificaram o documento como um fracasso. Entre os pontos negativos da versão final, admitido inclusive pela diplomacia brasileira, foi a supressão do termo "direitos reprodutivos", que diz respeito a autonomia das mulheres em escolherem quantos filhos querem ter.

O tema em questão, retirado a pedido do Vaticano, foi abordado pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, que representou o presidente americano Barack Obama. "Temos que assegurar os direitos reprodutivos. As mulheres têm de ter o direito de decidir se querem e quando querem ter filhos. Os Estados Unidos irão trabalhar para assegurar que esses direitos sejam respeitados em acordos internacionais", comprometeu-se Hillary. A secretária americana aproveitou para fazer um afago na delegação brasileira, que ocupou a presidência da conferência e ficou responsável por mediar os impasses entres as nações. "Apesar do momento difícil, graças ao Brasil conseguimos finalizar um documento."

"Ninguém aqui pode ficar apontando o dedo para ninguém. Acho que essa não é uma boa prática. Respeitar a posição do outro, seja ela qual for, é fundamental" Dilma Rousseff, presidente

Raios X da Rio+20 Durante nove dias (13 a 22 de junho), milhares de eventos foram realizados na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em todo Rio de Janeiro, incluindo mais de 500 encontros oficiais e paralelos no Centro de Convenções Riocentro. A Rio+20 foi a maior conferência já realizada pela ONU, com ampla participação de líderes dos setores privado, do governo e da sociedade civil, bem como funcionários da ONU, acadêmicos, jornalistas e o público em geral.

Compromissos » Mais de 513 bilhões de dólares mobilizados em compromissos para o desenvolvimento sustentável, incluindo áreas como energia, transportes, economia verde, redução de desastres, desertificação, água, florestas e agricultura;

» 692 compromissos voluntários para o desenvolvimento sustentável registrados por governos, empresas, grupos da sociedade civil, universidades e outros;

Participantes » Total: 45.381 » Delegações de 188 estados-membros e três observadores » Mais de 100 chefes de Estado e de governo » Delegados: aproximadamente 12.000 » ONGs e Major Groups: 9.856 » Mídia: 4.075 » Credenciais para os dias dos diálogos para a sociedade civil (16 a 19): 1.781 » Pessoal de Segurança: 4.363 » Cerca de 5.000 pessoas trabalharam no Riocentro diariamente.

Mais informações sobre a Rio+20: www.uncsd2012.org e www.onu.org.br/rio20 Para participar da conversação global sobre a Rio+20, visite: www.ofuturoquenosqueremos.org.br

Fontes: Nações Unidas e do Comitê Nacional Organizador (CNO) do Brasil para a Rio+20

Análise da notícia

Na hora errada A Rio+20 termina com muitos fazendo discursos de que não ficaram satisfeitos com os resultados expostos no documento final, mas não se pode deixar de levar em conta o que diz a presidente Dilma Rousseff: não é fácil buscar um consenso em 193 países. Partindo-se dessa premissa, ela tem ainda razão, quando cita o documento da Rio+20 como o ponto de partida para futuras cobranças. E, nesse sentido, a diplomacia brasileira não falhou.

Prevaleceu a defesa do multilateralismo, do respeito às diferenças entre os países. É importante destacar que ninguém levantou da mesa. Todos assinaram o documento. O próximo passo é cobrar o financiamento, algo difícil a curto prazo, diante da crise na zona do Euro e também nos Estados Unidos. Daí o fato de muitos classificarem a Rio+20 como a conferência certa, no momento errado.

Os diplomatas costumam dizer que é preciso ter em mente que o tempo da diplomacia não é tão rápido quanto de Ongs e da sociedade civil. A luta continua ainda mesmo que, para muitos, seja imperceptível. E como bem colocou a ex-senadora Marina Silva, dá para perder uma batalha, mas não a esperança. É essa esperança e a energia de muitos que moverão o mundo em direção a medidas mais audaciosas de implementação da economia sustentável. E esse caminho começa agora. (DR e GM)