Título: Seca a fonte de dólares
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2012, Economia, p. 15
BC avisa que, com o agravamento da situação na Europa, volume de empréstimos externos para as empresas será irrisório em 2012 Empresas que têm no exterior sua principal fonte de financiamento devem se preparar. Segundo previsões do Banco Central, as linhas externas de crédito devem secar no segundo semestre. Pelas projeções da autoridade monetária, entrarão pouquíssimos dólares no país como empréstimo: enquanto em 2011 os empresários obtiveram US$ 47 bilhões lá fora, este ano a tomada de crédito não deve passar de US$ 100 milhões — número considerado irrisório pelo mercado e pior até mesmo do que o desempenho de 2009, auge da crise financeira, quando o BC se viu obrigado a criar uma linha de crédito especial de US$ 30 bilhões para os exportadores.
Diante da piora da crise na Europa, especialistas ponderam que os bancos estrangeiros devem se voltar para seus próprios países a fim de garantir capital aos conterrâneos. Além do estrangulamento das linhas internacionais de crédito, as empresas brasileiras ainda estão limitadas pelas barreiras impostas pelo Ministério da Fazenda para a captação de recursos no exterior. Ciente do problema, no entanto, o governo começou a aliviar o peso sobre as empresas — desde meados de junho tornou-se possível pegar empréstimos no exterior com prazos de vencimento acima de dois anos sem pagar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); antes, qualquer financiamento com prazo abaixo de cinco anos sofria a incidência do tributo.
"Essa redução dos empréstimos não representa o fechamento do mercado externo", garantiu Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central. Ele admitiu que a cobrança do IOF influenciou o fluxo de recursos para o Brasil, mas tentou minimizar o recuo das captações. "Há um volume menor este ano porque as empresas estão capitalizadas", disse. Felipe Queiroz, economista da agência de classificação de risco Austin Ranting, pondera que o maior problema para as firmas brasileiras não é o pedágio do governo. Para ele, o determinante da queda é a piora do cenário internacional. "Quando o ambiente é de maior incerteza, diminuem os financiamentos e há um grau de seletividade mais rigoroso na escolha de quem irá receber o empréstimo", avaliou.
Na visão de Sidnei Nehme, economista e diretor executivo da NGO Corretora, o governo se precipitou quando impôs barreiras para o ingresso de capital estrangeiro. "Claramente, o governo errou ao pressentir a ocorrência de "enxurrada" e "tsunami" de recursos externos", disse. "Adotou com certa precipitação medidas inibidoras de ingressos de dólares, que hoje procura reverter", criticou. Nesse cenário, explicam os especialistas, as empresas devem encontrar dificuldades para rolar suas dívidas. Pelos números do BC, de janeiro a maio, para cada US$ 100 de dívida, as empresas buscaram US$ 150 no exterior. Porém, a expectativa é de que até o fim do ano esse valor se reduza, devido ao bloqueio de linhas de crédito, e que os empresários devem captar menos queo necessário para cobrir os vencimentos.
Rombo Com a piora do cenário externo e a fraqueza da economia brasileira em 2012, o Banco Central revisou a maioria das suas projeções para o ano. Em função do menor ritmo da atividade doméstica, a autoridade monetária estima que as empresas estrangeiras no país terão sua rentabilidade prejudicada e, por isso, devem remeter menos lucros e dividendos para as matrizes. Antes, o BC esperava que fossem enviados para fora US$ 38 bilhões; agora, a previsão caiu para US$ 28 bilhões.
Segundo Maciel, a queda vai afetar o deficit nas contas externas: a autoridade monetária diminuiu a projeção para o rombo, que passou de US$ 68 bilhões para US$ 56 bilhões. O saldo negativo deve cair ainda por causa dos gastos de brasileiros no exterior, que, devido à elevação do dólar frente ao real, devem ser US$ 2,5 bilhões menores que o esperado anteriormente pelo BC. "Essa redução do deficit reflete um cenário internacional de incertezas e uma atividade doméstica mais fraca, o que significa uma moderação da demanda por produtos e serviços estrangeiros", explicou Maciel.
A despeito da redução do rombo nas contas externas, ele não será totalmente coberto pelo Investimento Estrangeiro Direto (IED) — destinado ao setor produtivo e considerado de melhor qualidade para equilibrar o balanço internacional. A diferença entre o que deve ingressar de IED e a necessidade total de recursos será de US$ 6 bilhões, um buraco que terá de ser coberto com capitais mais voláteis, como aplicações de estrangeiros na bolsa de valores e em títulos de renda fixa.
» Piora à vista (Em US$ bilhões)
Projeções mudam diante da fraqueza da economia brasileira e dos problemas internacionais
ESTIMATIVAS Indicadores Antes Depois
Deficit transações correntes 68,0 56,0 Balança comercial 21,0 18,0 Gastos no exterior 15,5 13,0 Remessa de lucros 38,0 28,0
CRÉDITO ESCASSO Captação de recursos no exterior fica mais difícil
2005 -26,6 2006 0,6 2007 -3,8 2008 8,8 2009 6,7 2010 29,3 2011 47,0 2012 0,1*
DIVIDENDOS EM CRISE Remessa de lucros desacelera em 2012
2003 5,6 2004 7,3 2005 12,6 2006 16,3 2007 22,4 2008 33,8 2009 25,2 2010 30,3 2011 38,1 2013 28,0
*Previsão