Título: Deputados de Cachoeira à espera da absolvição
Autor: Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2012, Política, p. 6
Dos três investigados pela relação com o bicheiro, apenas o tucano Carlos Alberto Leréia corre o risco de ter processo de cassação aberto. Mas caso dificilmente chegará ao plenário
Se no Senado o processo por quebra de decoro que corre contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) segue no rumo da cassação do parlamentar por conta de seu envolvimento com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a tendência é que, na Câmara, o destino reservado aos três deputados goianos investigados por ligações com o bicheiro — Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), Rubens Otoni (PT-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) — seja bem mais suave. Dos três, apenas o tucano deve ter recomendada a abertura de processo de cassação no Conselho de Ética da Casa e, ainda assim, os colegas parlamentares deixam claro que dificilmente o caso chegará ao plenário. "Julgar um colega é difícil e não há clima para promover a cassação do Leréia", avalia um membro da comissão de sindicância criada na Corregedoria da Câmara para apurar o suposto envolvimento dos deputados com Cachoeira.
O colegiado deve receber, na próxima quarta-feira, os três pareceres resultantes da investigação contra os parlamentares. "O Leréia assumiu desde sempre a amizade com o Carlinhos Cachoeira, não só ao depor na comissão, mas no plenário, nas declarações públicas. Ele acha normal o tipo de ligação que mantém com o bicheiro, parece ser algo que faz parte da rotina dele", diz o relator do caso de Leréia, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). O deputado evita antecipar o conteúdo de seu relatório, mas reconhece que a admissão de Leréia sobre seus vínculos com Cachoeira pesa contra o tucano. "É uma relação indecorosa, que ele assume sem constrangimentos", avalia Goergen, apontando na direção de um provável voto pela abertura de processo contra o parlamentar goiano.
Leréia é citado na investigação da Polícia Federal que apura a rede de relações entre Cachoeira e o parlamento no âmbito da Operação Monte Carlo, e é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). A constante troca de favores entre o deputado e o bicheiro apontada nas gravações da Polícia Federal é o mote da investigação. Pesa contra o deputado a acusação de tráfico de influência. De acordo com a PF, Leréia fazia uso constante de um radiocomunicador habilitado nos Estados Unidos para conversar com Cachoeira. Também teria recebido dinheiro do contraventor e chegado a usar o cartão de crédito de Cachoeira para fazer compras.
Em seu terceiro mandato como parlamentar federal, o tucano é visto pelos colegas como um deputado "bem relacionado, sem inimizades". "A grande diferença entre a situação dele e a do Demóstenes é que este colecionou desafetos. O Leréia não cometeu esse pecado. É difícil que o caso dele chegue, de fato, a uma cassação, sobretudo com voto secreto", comenta um companheiro de Casa.
Equipamentos
Entre os deputados na mira da Corregedoria da Câmara, Sandes Júnior é considerado como o de situação mais confortável. "Seria forçar muito a barra recomendar a abertura de processo de cassação contra ele", avalia um membro do colegiado. E-mails interceptados pela Polícia Federal apontam que o pepista teria encomendado ao bicheiro a importação de equipamentos para a montagem de uma emissora de rádio. As mensagens trocadas entre Cachoeira e o deputado revelam a cotação de preços da encomenda. Sandes Júnior alega que o diálogo se limitou a uma consulta de preços. Responsável pela relatoria do caso, o deputado Maurício Quintella (PR-AL) segue o rito de não comentar as denúncias contra o investigado.
A questão temporal deve salvar o terceiro goiano investigado na Corregedoria da Câmara. O petista Rubens Otoni aparece em dois vídeos negociando doações de campanha com Cachoeira. O diálogo captado entre os dois levanta suspeita da existência de caixa dois na campanha de Otoni, quando o bicheiro pede para o deputado não declarar a doação. No vídeo, Otoni concorda com Cachoeira.
Mas o encontro teria acontecido em 2004. No entendimento adotado pelo Conselho de Ética da Câmara em novembro do ano passado, apenas fatos ocorridos até cinco anos antes do início do mandato do parlamentar acusado poderão resultar em cassação. "A temporalidade, por si só, não será suficiente para julgar o deputado. Há outros quesitos a serem analisados", comenta o relator do caso, Evandro Milhomem (PCdoB-AP), também sem revelar seu voto.
"O Leréia assumiu desde sempre a amizade com o Carlinhos Cachoeira, não só ao depor na comissão mas no plenário, nas declarações públicas. Ele acha normal o tipo de ligação que mantém com o bicheiro" Jerônimo Goergen, deputado do PP-RS, relator do caso de Leréia
Memória Pagamento de R$ 100 mil
Já investigado pela Corregedoria da Câmara e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suas relações com Carlinhos Cachoeira, o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) subiu ao plenário da Câmara em 3 de maio para parabenizar o bicheiro por seu aniversário, passado na Papuda, e reafirmar a amizade com o contraventor. "(Cachoeira) está preso na Papuda, faz 49 anos e é meu amigo pessoal", disse o deputado. Leréia teria se valido do cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara para agilizar a emissão de vistos internacionais a pedido de Cachoeira, segundo a Polícia Federal. É suspeito de ter recebido R$ 100 mil do bicheiro.
As ligações entre os parlamentares e Cachoeira se tornaram públicas com o vazamento de informações da Operação Monte Carlo, que prendeu o contraventor em fevereiro passado. O deputado Sandes Júnior (PP-GO) aparece nos grampos da Polícia Federal conversando com o contraventor sobre um edital de licitação pública e em e-mails captados na operação negociando a importação de equipamentos para a montagem de uma emissora de rádio. Em outro diálogo, o deputado fala sobre o recebimento de cheques. Rubens Otoni foi incluído no grupo de investigados mesmo sem ser citado nos autos da operação da PF. Ele aparece em vídeos negociando com Cachoeira a doação de R$ 100 mil para sua campanha à Prefeitura de Anápolis (GO) em 2004.
"A temporalidade, por si só, não será suficiente para julgar o deputado (Rubens Otoni). Há outros quesitos serem analisados" Evandro Milhomem, deputado do PCdoB-AP, relator do caso de Otoni