Título: Aperte o cinto, o dólar subiu
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2012, Economia, p. 16
Viagens ao exterior, gastos com cartões de crédito internacionais e dívidas na moeda norte-americana ficaram 9,41% mais carosNotíciaGráfico
Com o dólar custando mais de R$ 2, o governo, as empresas e também as pessoas físicas vão precisar rever suas contas e apertar o cinto. A alta da moeda norte-americana provoca efeitos indesejáveis no bolso do consumidor, como o encarecimento das viagens ao exterior. Se não houver controle, a fatura do cartão de crédito pode ultrapassar — e muito — o orçamento previsto. A cotação utilizada por muitos bancos para conversão das compras realizadas lá fora costuma ficar mais próxima do dólar turismo, hoje, a R$ 2,20, bem acima do comercial para venda da última sexta-feira, R$ 2,06, que já significa uma elevação de 10,43% em relação ao valor da divisa no fim de 2011.
Segundo os últimos dados divulgados pelo Banco Central, mesmo com o dólar em alta, os brasileiros gastaram US$ 1,8 bilhão no exterior em maio. O montante é quase 10% superior às despesas realizadas no mesmo mês do ano passado. E quem viajou depois disso também sofreu com o câmbio. Foi o que aconteceu à gestora pública Danyela Felix, 34 anos, e ao marido dela, o engenheiro Leonardo Fonseca, 35 anos. Quando se casaram, no início do ano, eles tiveram uma lua de mel breve, de apenas 3 dias, no Chile. Apaixonados por viagens, decidiram se dar de presente, em junho, 12 dias fora do país, incluindo uma ida a Miami, com direito a passagem pelo Panamá e cruzeiro nas Bahamas. Mas precisaram puxar o freio de mão dos gastos.
Pré-pago "Tivemos de ser controlados. Ficamos olhando a cotação do dólar o tempo todo", conta Danyela. De acordo com Leonardo, as passagens aéreas foram compradas com antecedência de três meses, quando o dólar estava em cerca de R$ 1,75, o que reduziu o impacto da disparada recente da moeda norte-americana. "E abrimos mão do conforto, ficando em hotéis mais baratos, além de deixarmos de comprar parte do que havíamos planejado, como um iPad e um iPhone", acrescenta. Mesmo com toda a economia, o passeio saiu 20% mais caro do que o programado, devido ao fato de a maior parte dos gastos ter sido feita em cartão de crédito. "Foi uma lição. Na próxima viagem, que será para a Europa, vou levar travel money, que é um cartão pré-pago e carrega um IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 0,38%, bem menor do que os 6,38% do imposto que incide sobre as compras pelo cartão de crédito", diz Leonardo.
Para as empresas, a situação atual não é melhor do que para as pessoas físicas, e levou o governo a isentar do IOF as companhias que fizerem captações externas com prazo inferior a dois anos. As que têm dívidas vencendo no curto prazo, atreladas à moeda norte-americana, vão ficar entre a dificuldade de pagar os credores e o receio de fazer uma emissão em um momento adverso a emissões de títulos privados como o atual. Levantamento realizado pela Moody"s aponta que 59% das 39 empresas avaliadas pela agência de classificação de risco têm liquidez boa ou adequada, ou seja, dinheiro em caixa para pagar com tranquilidade suas dívidas. O percentual é bem abaixo, por exemplo, da situação das empresas mexicanas, entre as quais 81% apresentam o mesmo nível de liquidez. Com a desvalorização do real, a situação torna-se ainda mais difícil.
Exportações "Quanto maior a cotação da moeda norte-americana, pior o nível de risco da dívida de várias empresas", explica o vice-presidente da área de crédito corporativo da Moody"s, Filippe Goossens. Ele pondera que o impacto vai variar de acordo com o tipo de negócio: "Algumas empresas possuem uma espécie de hedge (seguro) natural. Elas exportam, portanto, ganham em dólares, o que ajuda a equilibrar a conta".
Mas, até mesmo no caso dos exportadores, a maré não está para peixe. Em outro momento, o dólar em alta significaria chance maior de as empresas brasileiras comercializarem seus produtos lá fora, pois os preços ficam mais competitivos. Agora, a incerteza internacional é tão grande que esse cenário mudou. "O resto do mundo está reduzindo o nível da atividade econômica. Todos os países são impactados pela crise e podem não comprar como compravam antes", avalia Goossens.
Diante do quadro de crise econômica mundial, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que será nulo o efeito da alta do dólar nas exportações brasileiras. "A taxa de câmbio melhorou. O problema é que o mercado externo não está bem. Temos preços melhores, mas não há compradores para manufaturados", lamenta. Nas estimativas da AEB, as exportações sofrerão queda de 7% este ano enquanto as importações devem permanecer estáveis. "Mesmo com esse câmbio, as importações devem continuar no mesmo ritmo porque o governo está estimulando o consumo interno, com a queda nas taxas de juros", prevê.
Mesmo em setores que podem se beneficiar da alta do dólar, como o siderúrgico, o cenário é nebuloso. "A China produz 50% do aço do mundo, mas já há um excedente de 500 milhões de toneladas. Se houver uma redução muito grande dos preços lá fora, as empresas podem preferir comprar aço no exterior do que aqui", aponta Castro. Outro fator que contribui para uma queda no valor total das exportações é que a tonelada do minério de ferro, que até outubro do ano passado estava em US$ 135, agora está em US$ 100, ou seja, o que significa uma receita 35% menor para as empresas brasileiras.
O preço do petróleo também está em queda e o da soja, ao contrário, teve uma elevação inesperada no início do ano, gerando um movimento atípico. "Por conta da seca no Brasil e na Argentina, a tonelada da soja, que custava US$ 495 no fim de 2011, agora está em US$ 550. Para aproveitar essa cotação, os produtores anteciparam as vendas. Com isso, até agosto, toda a soja terá sido embarcada", calcula o presidente da AEB. A soma desses fatores resulta em uma equação nada favorável à balança comercial brasileira. "A nossa previsão é de que o superavit será de US$ 3 bilhões, o menor desde 2001", afirma Castro.