Título: Impasse continental
Autor: Luna, Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2012, Mundo, p. 22

Destituição-relâmpago de Fernando Lugo abre crise no bloco sul-americano. Argentina chama de volta embaixador em Assunção

No dia seguinte ao impeachment de Fernando Lugo e à posse de Federico Franco como novo presidente do Paraguai, a Argentina foi o primeiro país a sinalizar claramente sua rejeição à troca de governo no vizinho e sócio de Mercosul. No início da noite, o embaixador argentino em Assunção foi chamado de volta a Buenos Aires, à "ruptura da ordem democrática". Preocupado com a reação internacional ao impeachment-relâmpago que destituiu Lugo, o chanceler Félix Fernández, designado na noite anterior pelo novo presidente, iniciou os contatos com os governos vizinhos — a presidente Dilma Rousseff encabeça a lista de possíveis encontros.

A pronta retaliação da Argentina preocupa especialmente o novo governo paraguaio porque veio do país que ocupa a presidência rotativa do Mercosul e sediará, nesta quinta e sexta-feira, a reunião de cúpula do bloco. O encontro, em Mendoza, terá como tema central a possível adoção de sanções contra o Paraguai, no âmbito da cláusula que prevê a suspensão de países onde houver ruptura da ordem democrática. A opção, acenada por Dilma já na véspera, foi novamente mencionada por Patriota pela manhã, quando falou à TV Globo após chegar ao Rio de Janeiro. "Existem inúmeras formas de se manifestar, desde o não convite às autoridades que tomaram o poder no Paraguai para participar das cúpulas até o esfriamento dos contatos em diferentes níveis", afirmou o chanceler brasileiro.

Patriota reafirmou que o país, por ora, não de pronunciará individualmente e dará preferência à articulação regional. A diplomacia brasileira, que até ontem evitou classificar a destituição como um golpe de Estado, analisa também a possibilidade de que, paralelamente à cúpula do Mercosul, se realize em Mendoza uma reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O Paraguai exerce no momento a presidência da organização e, além da Argentina, mais três países-membros — Venezuela, Bolívia e Equador — já declararam que não reconhecem o governo de Franco. A situação é inédita e uma das possibilidades de resolver o impasse seria antecipar a transferência da presidência para o Peru, "mas isso ainda não foi discutido formalmente entre os países-membros", segundo uma fonte ouvida pelo Correio.

"Inaceitável" O novo presidente do Paraguai admitiu que ainda não recebeu "um convite claro" para assistir à cúpula do Mercosul — a iniciativa deve partir da Argentina, que passará o comando do bloco para o Brasil. "Entendo a situação e não vejo por que forçar. Responderemos no momento certo", disse Franco à imprensa no Palacio de los López, sede da presidência. A anfitriã do encontro, a presidente Cristina Kirchner, qualificou como "inaceitável" a destituição de Lugo. "É um ataque definitivo às instituições. Vamos realizar uma ação conjunta com os demais integrantes do Mercosul", afirmou Cristina ainda na noite de sexta-feira, em comunicado divulgado no site do governo argentino.

Cuba, que não integra a Unasul, fez coro com seus parceiros do bloco bolivariano e também anunciou que "não reconhecerá autoridade alguma que não venha do voto legítimo". A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), classificou como "uma afronta ao Estado de Direito" a remoção de um presidente no intervalo de 24 horas, sem garantias para que ele se defendesse. Apesar de todas as críticas, Federico Franco acredita que seu país não receberá sanções pela possível infração da cláusula democrática. Tanto no Mercosul como na Unasul, o dispositivo prevê, no caso de ruptura da ordem institucional, a suspensão do direito de participar dos órgãos multilaterais de processos de integração.