O Estado de São Paulo, n. 45697, 28/11/2018. Metrópole, p. A14

 

Dois anos após massacres, presídios mantêm celas superlotadas e precárias

Marco Antônio Carvalho

28/11/2018

 

 

Sistema carcerário. Relatório de órgão do Ministério dos Direitos Humanos, que será divulgado hoje, aponta que menos de 5% das sugestões para garantir direitos dos detentos foram cumpridas. Em Alcaçuz (RN), peritos constataram até agressões aos presos

Violações. Rotina de revistas vexatórias e agressões a presos em Alcaçuz é semelhante à Abu Ghraib, dizem peritos

O massacre de 126 detentos há quase dois anos em três presídios brasileiros não foi suficiente para impulsionar mudanças significativas nesses locais. Superlotadas, as unidades prisionais em Manaus, Boa Vista e de Alcaçuz, na Grande Natal, ainda convivem com uma rotina de violações distante de representar o efetivo controle e a adequada assistência do Estado aos detentos. No caso da prisão potiguar, há até relatos de agressões a presos.

Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão do Ministério dos Direitos Humanos, aponta que os três Estados cumpriram menos de 5% das 185 recomendações feitas visando a melhorar a estrutura das cadeias, garantir direitos dos apenados e apurar devidamente a responsabilidade dos massacres, reparando os parentes das vítimas.

Os peritos, que visitaram os presídios logo após as mortes e voltaram neste ano, constataram diversos problemas. Em Alcaçuz, onde 26 detentos foram assassinados, a rotina imposta pelos agentes do local configura, segundo os especialistas, tortura física e psicológica semelhante à notada na cadeia de Abu Ghraib, no Iraque.

Dizem os peritos que a rotina de revistas em Alcaçuz expõe os detentos a nudez. Os procedimentos de abordagem dos agentes, em que detentos não podem olhar ou se dirigir a eles, e os relatos de “agressões preventivas” criam “ambiente de profundo constrangimento e humilhação, que agride a autoestima”, e provoca “intenso sofrimento psíquico” do preso. Há recorrentes relatos de violência nos dedos e nas mãos como castigo ou prevenção a eventuais reações dos presos em casos de conflito.

Além disso, no Rio Grande do Norte e em Roraima há presos apontados pelos peritos como desaparecidos, pois estavam na prisão no momento dos massacres, mas não foram dados como mortos nem considerados foragidos. São 15 nessas condições em Alcaçuz, mas o número pode subir para 32, pois para outros 17 o Estado não explica os elementos que o levaram a considerá-los foragidos. Em Roraima, são sete nessa situação.

Segundo o relatório, que será divulgado hoje, após as mortes nas prisões, foram repetidas “soluções paliativas e ações reativas, com maior ênfase em afastar-se de suas responsabilidades sobre os massacres do que em dar conta das questões que envolvem os grupos vitimados”.

Ainda conforme o documento, “a visão e a determinação para sair do ciclo vicioso de repressão-violência não se colocaram como prioritárias”.

Os peritos dizem não ter observado resultado satisfatório quanto à apuração e responsabilização dos casos. No Amazonas, mais de 200 pessoas foram denunciadas à Justiça pelo envolvimento com as mortes. Mas nos outros dois Estados, as apurações pouco caminharam. Destacam ainda que nenhuma investigação dedicou atenção ao papel de gestores nas causas dos ataques – desde as diretas, como a facilitação da entrada de armas, até indiretas, como a precariedade das prisões.

Esquecidos. “O Estado tem baixa capacidade de resposta tanto em situações de crise como no desenvolvimento de políticas mais estruturais para a área. No momento dos massacres, foram tomadas medidas de urgência, mas o assunto acabou esquecido tempos depois”, disse ao Estado a coordenadora-geral do Mecanismo, Valdirene Daufemback.

Apesar desse cenário, verbas milionárias repassadas pelo Fundo Penitenciário, fonte federal de receita, têm sido subutilizadas. Em dezembro de 2016, a União enviou cerca de R$ 44 milhões a cada Estado; o Rio Grande do Norte aplicou 17% da verba, o Amazonas, 14,8%, e Roraima, 2,8%. Em 2017, foram mais R$ 21 milhões. O governo potiguar gastou 4,5% e os Estados do Norte não aplicaram nenhum centavo da verba até outubro deste ano, segundo dados do Ministério da Segurança.

A pasta não comentou o relatório. O Estado do Amazonas destacou as melhorias em infraestrutura e realização de revistas. Procurados pelo Estado, Roraima e Rio Grande do Norte não se manifestaram.

 

Esquecidos

726.712

É o número de pessoas presas no Brasil, de acordo com relatório mais recente do Ministério da Segurança Pública. As unidades prisionais do País, no entanto, têm apenas 368.049 vagas.

 

PONTOS-CHAVE

Cadeias foram inspecionadas por peritos

Massacres

Em janeiro de 2017, 126 detentos foram assassinados em presídios de três Estados. A causa apontada foi a guerra entre facções no interior das cadeias.

 

Inspeções

Órgão do Ministério dos Direitos Humanos realizou inspeções nas unidades e fez 185 recomendações de melhorias aos governos locais.

 

Precariedade

Relatório do órgão aponta que menos de 5% das medidas sugeridas foram acatadas e que as penitenciárias mantêm uma rotina de violações de direitos.