O globo, n. 31103, 03/10/2018. País, p. 10

 

Ofensas e nacionalização marcam último debate

Bernardo Mello

Juliana Castro

Miguel Caballero

03/10/2018

 

 

Candidatos trocam acusações e até xingamentos na busca por ir ao segundo turno. Quase todos obtiveram direito de resposta. Eduardo Paes e Pedro Fernandes fizeram dobradinha, e Romário foi um dos mais polêmicos

Encarado pelos candidatos a governador do Rio como a última chance de confirmar a passagem ao segundo turno ou tentar uma virada nas pesquisas, o debate realizado pela TV Globo, ontem à noite, teve frequente troca de acusações e até ofensas entre os concorrentes. A aguerrida polarização da disputa presidencial entre Jair Bolsonaro (PSL) e o petista Fernando Haddad, que domina os debates entre os eleitores, transbordou para a disputa estadual: os candidatos que precisam ganhar posições se posicionaram de um lado ou de outro, enquanto Eduardo Paes (DEM) e Romário (Podemos), primeiro e segundo colocados, evitaram aderir a qualquer presidenciável.

Paes e Romário buscaram evitar atritos e passaram todo o debate sem perguntarem diretamente um para o outro no púlpito montado no centro do estúdio. A saída de Anthony Garotinho (PRP) da disputa, barrado pela Justiça Eleitoral, acirrou o ânimo dos demais.

Na lógica da nacionalização do debate, Indio da Costa (PSD) e Wilson Witzel (PSC) buscaram se alinhar explicitamente a Bolsonaro, que lidera as intenções de voto para presidente no estado com 35%, segundo Datafolha da última quinta-feira. Márcia Tiburi (PT) defendeu Fernando Haddad (14% no Datafolha no Rio), enquanto Tarcísio Motta (PSOL) se apresentou com um discurso anti-bolsonarista.

Logo no início, o psolista tentou colar Romário a Bolsonaro por causa do apoio anunciado do vice do senador, Marcelo Delaroli (PR), ao presidenciável. Romário se esquivou, dizendo que o vice era livre para escolher:

— Não sou eu que vou dizer para o meu vice em quem votar, nem para você ou mesmo para minha filha. Sou a favor da democracia.

Indio e Witzel, que buscam unir seus nomes ao de Bolsonaro, não demoraram a trocar as primeiras ofensas. As agressões verbais foram a marca do debate. Marcia Tiburi, Romário, Indio da Costa e Wilson Witzel (duas vezes) tiveram direitos de resposta concedidos. A apresentadora, Ana Paula Araújo, se preocupava em advertir que era necessário se ater à ofensa feita para evitar novas acusações durante a resposta. Ao longo do debate, os candidatos trocaram adjetivos como “mentiroso”, “frouxo”, “corrupto”, “fofoqueiro”, e até um “esquartejador”, quando Indio da Costa se referiu a denúncia contra um ex-assessor de Romário.

"Chamar a Marcia"

Eduardo Paes tentou se esquivar de polêmicas. Sempre que possível, o que aconteceu por quatro vezes, escolhia Pedro Fernandes (PDT) para responder, e os dois debatiam propostas em tom ameno. O ex-prefeito, porém, foi um alvo recorrente dos adversários. Ele recebeu ataques duros ao menos de Indio, Tarcísio e Marcia Tiburi.

O candidato do PSD lembrou de acusações contra o ex-prefeito do Rio e comparou Paes ao presidente Michel Temer, que na sua visão usou a máquina pública para convencer deputados a barrar processos contra ele em votações na Câmara.

— Se eu fosse você, nem seria candidato com tantos processos —disse Indio.

—Entendo seu desespero, mas não vou atender seu desejo, não —respondeu Paes.

Com a petista Marcia Tiburi, o confronto também teve momento tenso, mas começou com bom humor do candidato do DEM.

— Vou chamar a Marcia (para responder), mas não sou o Crivella —brincou Paes, em referência à assessora citada pelo prefeito Marcelo Crivella em reunião em que ofereceu vantagens a aliados, antes de perguntar sobre corrupção.

Na resposta, a petista lembrou da “farra dos guardanapos” episódio acontecido durante jantar em homenagem ao ex-governador Sérgio Cabral em Paris, em 2009, ao qual Eduardo Paes, então prefeito, estava presente. E lamentou a ausência de Garotinho, “que sempre brincava sobre esse assunto”.

—A sua saudade do Garotinho mostra que a senhora gosta mesmo de um presidiário —disparou Paes, se referindo ao ex-presidente Lula.

A resposta de Tiburi foi incisiva:

— O senhor foi grosseiro. Tem muita gente que é presidiária e é inocente. E muita gente bandida aqui fora. Sugeriria que o senhor nao falasse mais isso porque fica grosseiro.

Tarcísio citou a delação de executivos da Odebrecht, em que Paes foi acusado de receber US$ 5 milhões em uma conta no exterior.

—Que conta é essa? O que você deu em troca? — provocou o candidato do PSOL.

O ex-prefeito do Rio afirmou que as investigações em curso vão mostrar que ele não tem conta no exterior.

Romário vinha conseguindo se manter distante das discussões mais agressivas até o bloco final, quando trocou ofensas com Indio e Witzel. Primeiro, ouviu de Indio que um ex-assessor seu (Wilson Musauer) é réu sob a acusação de cometer quatro homicídios. O candidato do PSD, na tréplica, chegou a dizer que o assessor havia “esquartejado” pessoas. Em outro momento, Indio citou um irmão de Romário que esteve lotado na prefeitura e, segundo ele, não ia trabalhar. O senador respondeu que o adversário “não tinha moral” para falar desse assunto.

Com Witzel, Romário chegou a se exaltar. O senador encerrou uma crítica ao ex-juiz por sua atuação no Espírito Santo com ofensa pessoal:

— Precisamos de homem, de atitude, e não de frouxo — num fecho de um debate que teve mais xingamentos que propostas.

“Essa saudade do Garotinho mostra que a senhora gosta mesmo de um presidiário”

Eduardo Paes, em réplica a Marcia Tiburi, que citou o candidato do PRP impugnado pela Justiça Eleitoral

“Senhor Wilson, não faça isso. A gente precisa de homem, de atitude, não de frouxo”

Romário, acusando Witzel de ter medo do crime organizado

“Romário, você nunca pegou numa arma, então você não pode falar do que você não sabe”

Wilson Witzel, em direito de resposta à acusação de Romário

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Um embate de dobradinhas e ataques duros

Berenice Seara

Maiá Menezes

03/10/2018

 

 

Quem quer proposta? No último debate do primeiro turno no Rio, os candidatos apresentaram umas poucas ideias e discutiram o diagnóstico sobre a situação de calamidade do Estado do Rio. Mas nos intervalos entre espetadas e pancadas. E não foram poucas.

Primeiro colocado nas pesquisas, Eduardo Paes (DEM) foi, como era de se esperar, atacado por quase todos os adversários — com exceção do deputado estadual Pedro Fernandes (PDT), com quem fez uma dobradinha. Caminho aberto para o segundo turno? O deputado foi o interlocutor preferencial de Paes, a quem fazia perguntas que pudessem resultar em espaço para falar sobre suas próprias propostas de governo.

O caminho óbvio de ataque contra o líder nas pesquisas de intenção de voto teve um desvio em Indio da Costa (PSD), o saco de pancadas do confronto. Não por representar qualquer ameaça, já que são remotas as chances de o deputado do PSD chegar a algum lugar nesta eleição. Mas pela eterna lei do retorno: foi o que mais bateu na campanha inteira — inclusive no debate de ontem —,foi o mais criticado no final.

Romário (Podemos) também entrou na mira. Ele mesmo se enrolou nas respostas, como nunca antes, em nenhum outro debate. Até o nome do seu “Posto Ipiranga” na Economia, Guilherme Mercês, o senador quase esqueceu. A partir do terceiro bloco, foi uma troca de ofensas generalizada, que resultou em sucessivos pedidos de direito de resposta, em especial de Romário.

Tarcísio Motta (PSOL) e Márcia Tiburi (PT), mais uma vez, tentaram nacionalizar o debate. Tarcísio tentou imprensar Romário a dizer o que acha de Jair Bolsonaro (PSL). O senador driblou a pergunta. Mas integrantes de sua campanha têm feito dobradinhas com o presidenciável do PSL.

Com Anthony Garotinho (PRP), que tinha empate técnico com Romário nas pesquisas, impugnado pela Justiça Eleitoral, restou ao seu algoz no último encontro, Wilson Witzel (PSC), voltar suas baterias contra Indio e Romário. Como aliás, todo mundo. Foi um final de debate de tiro para todo lado.