Título: Alianças repletas de contradições
Autor: Caitano, Adriana; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 25/06/2012, Política, p. 4

Chapas montadas para a disputa municipal reúnem adversários históricos e partidos com ideologias diferentes. O tempo de tevê é a desculpa para fechar as coligações

Ao posar para as câmeras, no início da semana passada, ao lado do deputado federal Paulo Maluf (SP) e confirmar a aliança PT-PP na capital paulista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se protagonista da cena mais comentada e polêmica da semana. Reacendeu também a discussão sobre as coligações partidárias a qualquer custo em nome da vitória na disputa eleitoral. Apesar de simbólica, no entanto, a curiosa aliança dos inimigos do passado não é a única contradição das eleições municipais de 2012.

Se graças à conjuntura política, Lula e Maluf fizeram as pazes após trocar ofensas ao longo da vida — ("Ele é o símbolo da pouca vergonha nacional e está querendo ser presidente", disse o ex-presidente sobre o ex-prefeito de São Paulo, em 1994) —, o pré-candidato do PSDB em São Paulo, José Serra, também jogou para debaixo do tapete as duras palavras já proferidas por ele e seu partido contra o maior escândalo político envolvendo o governo do petista. Para conseguir mais tempo na propaganda eleitoral na TV e no rádio, Serra aceitou ter em seu palanque o deputado Valdemar Costa Neto, presidente estadual do PR e réu do mensalão, que será julgado a partir de agosto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Integrantes das cúpulas tucana e petista defendem-se das acusações de estarem traindo a história ideológica dos partidos, mas não negam que as alianças foram feitas a contragosto. "Se você quer disputar uma eleição para vencer, não dá para dispensar o tempo de televisão. A população quer saber o que o candidato propõe para a cidade e você precisa ter condições de mostrar isso no horário eleitoral", justifica o vereador e presidente do diretório municipal do PT em São Paulo, Antônio Donato. "Para quem disputa eleição só para marcar posição, a tarefa de apenas criticar fica mais fácil. O que não permitimos é que nosso programa de governo e nossa base de diálogo com a sociedade sejam alterados", completou.

Esquema nacional

Deputado federal e um dos coordenadores da campanha de Serra, Walter Feldmann (PSDB-SP) rechaça a comparação entre as alianças do tucano e do petista. "Do ponto de vista ético, de fato há semelhanças entre Paulo Maluf e Valdemar da Costa Neto", comenta. "Mas o prejuízo no caso do PT foi maior porque o Maluf é uma figura muito presente na história política de São Paulo nos últimos 20 anos. Seria como se o PT de Brasília se coligasse com o Roriz (Joaquim Roriz, ex-governador do Distrito Federal). Já o boy (apelido de Valdemar) é forte em Mogi das Cruzes e participou do mensalão, que é um esquema nacional", justificou.

Para o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira, as coligações "esdrúxulas", como define um deputado da cúpula petista, repetem-se pelo país (veja quadro) graças à falta de coerência programática entre os partidos. "O caso paulista, apesar de ser o que mais chama a atenção, não é isolado, pois estamos verificando coligações feitas tendo a vitória na eleição como fim e, se o objetivo é só esse, programas e ideias comuns não são observados, enfraquecendo os próprios partidos", destaca.

Carvalho Teixeira cita como outro exemplo contraditório a aliança entre o ex-governador do Rio de Janeiro e deputado federal Anthony Garotinho (PR) e o ex-prefeito da capital fluminense Cesar Maia (DEM). Inimigos históricos, os dois se uniram para lançar os filhos Rodrigo Maia, deputado federal, e Clarissa Garotinho, deputado estadual, como candidatos a prefeito e vice da cidade.

Outra parceria curiosa lembrada pelo professor é a selada em Salvador(BA), onde o deputado federal Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM) terá como vice a professora universitária Célia Sacramento (PV). "É no mínimo estranho um partido como o PV, que prega a renovação política, aliar-se ao representante de uma tradicional oligarquia baiana", comenta o cientista político, referindo-se ao poder da família do democrata no estado, na figura de seu avô, Antônio Carlos Magalhães.

O professor da FGV acrescenta ainda ao caso de Porto Alegre (RS), onde a deputada federal Manuela D"Ávila (PCdoB) terá como vice o vereador Nelcir Tessaro (PSD). "Também não faz o menor sentido ver um partido comunista aceitar a aliança com uma legenda sem ideia definida, que se alia a qualquer um", critica.

Apesar de fazerem parte das negociações eleitorais, os próprios caciques dos partidos reconhecem que o sistema político atual facilita essas alianças contraditórias. "Tudo isso demonstra o esgotamento do modelo no qual o tempo de TV vale mais do que a aliança programática, é a regra do jogo", comenta o vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira e deputado federal, Paulo Teixeira (PT-SP). "Com esse modelo, fica tudo invertido, é o rabo que está abanando o cachorro."

"Ele é o símbolo da pouca vergonha nacional e está querendo ser presidente" Luiz Inácio Lula Silva, sobre Maluf, em 1994

"Quem votar em Lula vai cometer suicídio administrativo" Paulo Maluf, sobre Lula, em 1993

Exemplos pelo país

Confira casos de coligações nas próximas eleições municipais que fogem do tradicional

São Paulo Lula-Fernando Haddad (PT) e o inimigo do passado Paulo Maluf (PP)

São Paulo José Serra (PSDB) e Valdemar Costa Neto (PR) (foto), réu do mensalão, um escândalo do governo petista

Rio de Janeiro Os rivais históricos Cesar Maia (DEM) e Anthony Garotinho (PR) lançam seus filhos Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho na mesma chapa

Salvador ACM Neto (DEM), da família que dominou o estado por muitos anos, terá como vice uma professora do PV, legenda que defende a renovação dos partidos tradicionais

Porto Alegre Manuela D"Ávila (foto), do PCdoB, comunista e de esquerda, terá como vice Nelcir Tessaro, do PSD, sem ideologia definida