Título: Morsy articula alianças
Autor: Seixas, Maria Fernanda
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2012, Mundo, p. 17

Presidente eleito do Egito estrutura governo. Suposta reconciliação com o Irã preocupa a comunidade internacional

Especulações com relação às futuras alianças políticas do Egito — sob o governo do recém-eleito presidente, Mohamed Morsy — provocaram inquietação na comunidade internacional. Há cinco dias de sua posse, o islamita teria afirmado, em suposta entrevista à agência de notícias iraniana Fars, que tem interesse em restabelecer uma boa relação com o Irã. A assessoria de Morsy negou que o áudio da entrevista, divulgado no próprio site da Fars, seja real. Os rumores, no entanto, causaram desconfiança de que tal aliança poderia trazer instabilidade e fortalecer o programa nuclear de Teerã, amplamente criticado pelos Estados Unidos, pela França e pelo Reino Unido.

O resultado da primeira eleição presidencial livre do Egito, que apontou a vitória da Irmandade Muçulmana (51,73% dos votos), e a possível reaproximação com o Irã, preocupam especialmente Israel, que teme o rompimento do acordo de paz com Egito, em vigor desde 1979. Mesmo após Morsy garantir, em seu discurso de vitória, que respeitará todos os tratados internacionais, os jornais israelenses alegavam que as trevas tinham chegado ao Egito e que os resultados de domingo eram perigosos para a nação. "Israel espera prosseguir sua cooperação com o governo egípcio com base no tratado de paz, que responde aos interesses mútuos dos dois povos e contribui para a estabilidade regional", disse em comunicado o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Morsy não deu atenção aos rumores e apressou-se ontem a estruturar seu governo. Ontem, ele mudou-se a para a residência oficial — a mesma onde morava o ex-ditador Hosni Mubarak — e começou a articular o gabinete. O reformista Mohamed El Baradei, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) do Egito e laureado com o Nobel da Paz, teria sido convidado a integrar a nova equipe, de acordo com a assessoria da Irmandade Muçulmana.

Ontem, no Ministério da Defesa, Morsy se reuniu com o atual chefe de governo e também líder do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), Hussein Tantawi, e com o primeiro-ministro nomeado pelo Exército, Kamal Al-Ganzouri. Fontes afirmam que o presidente eleito estaria negociando o recuo das forças militares que, na semana passada, dissolveram a câmara baixa do Parlamento e delimitaram os poderes do novo presidente.

Demandas

Contrários às ações da junta militar Militar e favoráveis a Morsy, manifestantes permanecem na emblemática Praça Tahrir — palco dos protestos da Primavera Árabe. O fotojornalista egípcio Mohammed ElShamy, que registra as manifestações, afirmou ao Correio que os egípcios não sairão das ruas até que o Legislativo seja restituído e a Constituição provisória, removida. "Se Morsy não reaver seus direitos, ele não terá poderes nem autoridade. E toda essa vitória terá sido em vão", disse ElShamy. Para Reginaldo Matar Nasser, professor e coordenador do curso de relações internacionais da Pontíficia Universade Católica de São Paulo (PUC-SO), é provável que o início do governo de Morsy seja turbulento, como qualquer transição democrática. "Um país que nunca viu a democracia vai precisar se adaptar à nova realidade. É normal que esse começo seja confuso. O bom andandamento disso vai depender da boa vontade dos militares", acrescentou.

Eu acho... "As pessoas seguem na Praça Tahrir, enaltecendo o novo presidente e lutando contra as decisões dos militares, que atrasam meu país. Se Mohamed Morsy não reaver seus direitos, ele não terá poderes nem autoridade. E toda essa vitória terá sido em vão."

Mohammed ElShamy, fotojornalista egípcio

Um país que nunca viu a democracia vai precisar se adaptar à nova realidade. É normal que esse começo seja confuso"

Reginaldo Matar Nasser, professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC-SP