Título: Cerco à tropa do cheque
Autor: Valadarres, João
Fonte: Correio Braziliense, 16/06/2012, Política, p. 2

Um dia depois da denúncia do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) apontando a existência de uma "tropa do cheque", que teria sido responsável pelo adiamento da convocação do dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, o bloco de parlamentares considerado independente pretende anular a votação na próxima sessão da CPI. A ideia é, com a anulação, pautar o mesmo requerimento e tentar trazer o empresário para a comissão o mais rápido possível. O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) disse que a situação é vergonhosa.

"É claro que a anulação é cabível. Estamos articulando isso. É vergonhoso. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) confirmou que tem relação de amizade com Cavendish. Ele não poderia participar da votação. Em qualquer país sério, um investigador, com direito a voto, não pode ter nenhuma relação com o investigado", declarou Randolfe. O senador Alvaro Dias (PSDB), líder do PSDB, também estranhou a relação de proximidade. "É no mínimo constrangedor porque se trata de integrantes da CPI. Existe uma intimidade", comentou.

O assunto veio à tona após o adiamento da convocação do empreiteiro pelos integrantes da CPI do Cachoeira. Na sessão, Miro Texeira não citou nenhum nome. Disse apenas que recebeu a denúncia e que estava protocolando requerimento para ter mais informações sobre o encontro. O senador Ciro Nogueira afirmou que se trata de um caso fortuito, sem agendamento prévio. Ele foi o primeiro a defender o adiamento da convocação de Cavendish porque, no seu entendimento, a CPI precisa se preparar melhor. O político classificou a tentativa de anulação da votação como uma piada. "Isso é molecagem. Conheço, sim, o Cavendish, assim como conheço os donos de outras empresas. Não considero que ele seja meu amigo. É um conhecido. Cheguei ao restaurante e apenas o cumprimentei. Sentei em outra mesa. Acho difícil um político no Rio de Janeiro não conhecer o Cavendish. Se for assim, não podemos investigar o senador Demóstenes (sem partido-GO)."

Uganda Os deputados federais Eduardo da Fonte (PP-PE), corregedor da Câmara, e Maurício Quintela Lessa (PR-AL), integrante da CPI do Cachoeira, confirmaram que estavam na companhia do senador Ciro Nogueira, no restaurante L"Avenue, em Paris, na semana santa, onde encontraram o empreiteiro. Por meio da assessoria de imprensa, os parlamentares afirmaram que o empresário, flagrado em escuta telefônica dizendo que comprava qualquer senador por R$ 6 milhões, estava almoçando em outra mesa e que o encontro foi absolutamente casual. De acordo com eles, Ciro Nogueira, que se posicionou contra a convocação de Cavendish, na sessão de quinta-feira, apenas cumprimentou o amigo.

Os parlamentares vinham de uma missão oficial em Uganda, na África, e retornaram por Paris. Quintela encaminhou, na manhã de ontem, nota oficial alegando que nunca tinha visto Cavendish antes. "Almocei com o senador Ciro Nogueira, outros parlamentares e suas mulheres, em plena luz do dia, em local público e muito frequentado por brasileiros. Na ocasião, o senador Ciro Nogueira, que é amigo do senhor Fernando Cavendish, o encontrou e cumprimentou. Não o conheço e sequer sabia de quem se tratava", diz.

Quintela ressaltou que votou favoravelmente à quebra do sigilo nacional da Delta e que é um dos autores do requerimento que pede a convocação de Cavendish. "Defendi publicamente investigação profunda em relação à empresa e seus gestores." O deputado não compareceu à sessão que adiou as oitivas do dono da empreiteira e do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit) Luiz Antônio Pagot. "Não estava presente à votação por participar, com o governador Teotonio Vilela e a bancada alagoana, do lançamento do Programa de Redução da Criminalidade Violenta, no Ministério da Justiça."