O globo, n. 31107, 07/10/2018. País, p. 12

 

Jair Bolsonaro

Jussara Soares

07/10/2018

 

 

Dos limões políticos à limonada eleitoral

No início do período eleitoral, os míseros oito segundos de TV do candidato à Presidência do PSL, Jair Bolsonaro, eram considerados determinantes para que a empreitada do capitão do Exército se esfacelassediante de candidaturas robustas, com mais espaço de propaganda. Não foram. Bolsonaro chega hoje à votação do primeiro turno como o líder das pesquisas de intenção de voto apoiado em uma estratégia digital que organizou milhares de seguidores na internet e os municiou de forma permanente com informações sobre a campanha e os principais adversários.

Um time de 15 pessoas, da empresa de estratégia digital AM4, é responsável por distribuir conteúdo para cerca de 1.500 grupos de WhatsApp, que, por sua vez, compartilham-no com outros inúmeros conjuntos de apoiadores em diversas redes sociais. A estratégia digital é eficiente em reverter episódios negativos, uma máquina de transformar limões políticos em limonada eleitoral. No debate da RedeTV!, em 17 de agosto, Bolsonaro foi flagrado pelas câmeras com um lembrete escrito em sua mão: “pesquisa”, “armas” e“Lula ”.

A cola virou alvo de piada de eleitores de adversários. Em poucas horas, no entanto, seguidores deBol sonar o surgiram nas redes com uma cola na mão exibindo o nome e o número do candidato do PSL.

A ideia não foi espontânea. Os seguidores receberam estímulo nos grupos de WhatsApp para fazerem essas publicações.

#PTNÃO contra #ELENÃO

Após o atentado em Juiz de Fora que tirou Bolsonaro da agenda pública, a equipe digital do PSL também entrou em cena para estimular os apoiadores a assumirem a campanha, com o mote “Descanse, capitão. Deixe a campanha com a gente.”

Um novo site (estoucombolsonaro.com.br) foi posto no ar, e um número de WhatsApp, divulgado para receber imagens de quem estava no local do ataque e até denúncias sobre o crime. Enquanto Bolsonaro estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, um aplicativo foi desenvolvido para que os apoiadores fizessem uma selfie com o candidato. Antes do atentado, boa parte do tempo de Bolsonaro nas agendas era dedicado a atender a pedidos de fotos.

Na ofensiva feminina que começou nas redes e ganhou as ruas com o protesto #EleNão, a resposta foi um contraataque com #PTNão, que consistia em distribuição de vídeos sobre denúncias de corrupção contra Lula e Haddad.

— A diferença dessa campanha é que as pessoas estão mais conectadas. No passado, a estratégia digital era baseada em tuitaço, contra e a favor, que não revertia em voto para ninguém — diz Marcos Aurélio Carvalho, sócio-fundador da AM4. O ativo digital de Bolsonaro não é alcançado por nenhum outro político no país. No Facebook, a página de Bolsonaro reúne 6,9 milhões de seguidores, dez vezes mais que seu principal adversário nas urnas, Fernando Haddad (PT), com 689 mil.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva , líder petista, tem 3,8 milhões. No Instagram, Bolsonaro reúne 3,8 milhões de seguidores, enquanto Haddad soma 418 mil, e Lula, 524 mil. Bolsonaro e os três filhos mais velhos—o deputado estadual Flávio, o vereador Carlo se o deputado federal E dua rum do, eleito por São Paulo — construíram a militância digitala olongo dos últimos quatro anos.

Ao estilo influenciadores digitais, compartilham suas rotinas e polêmicas em fotos e vídeos com edições simples, a maior parte feita por Carlos. Ao contrário dos irmãos, o vereador não disputa cargo nestas eleições e se encarrega pessoalmente de abastecer as redes sociais do pai. Avessoàim prensa, Carlos, segundo seus próprios irmãos,éo mentor da família Bolsonaro na internet. A campanha também foi beneficiada porfakenews contra adversários, embora não exista vinculação provada desses materiais coma campanha oficial.

—Quem faz a campanha são os milhares de apoiadores voluntários espalhados por todo o país. Esse pessoal não foi motivado nos últimos dois meses, eles vêm sendo cativados há anos —diz Carvalho, da AM4, que dispensa o rótulo de “marqueteiro”.

— Não existe esse cargo na campanha. O que fazemos é curadoria do conteúdo criado pelos apoiadores. Presidente do PSL, Gustavo Bebianno diz que chegou a alertar Bolsonaro sobre o risco que a falta de tempo na TV, pela ausência de alianças, poderia representar à campanha. O candidato, porém, resolveu apostar na internet.

—Eu poderia dizer que tudo foi uma estratégia, masa base de colaboradores da campanha e dopar tidoé muito pequena. Ofa toé que 98% da presença na internet são orgânicos, (conteúdo) feito por antigos apoiadores de Bolsonaro —diz Bebianno.

Abastecimento diário

No primeiro turno, os estrategistas digitais desenvolveram sites e aplicativos para manter a militância mobilizada e com informações permanentes sobre a campanha. Inicialmente, foi criado um grupo de WhatsApp por estado para reunir apoiadores que queriam receber conteúdos diretamente de Bolsonaro.

Aos poucos, com o limite de membros no aplicativo, novos grupos surgiram, e, atualmente, são cerca de 1.500 abastecidos diariamente com material de campanha e informações que ajudam a desconstruir os adversários. Aos grupos, são repassados informações sobre conteúdos negativos identificados porme iode monitoramento em tempo real de tudo oqueéd itos obreBol sonar o.

O mapeamento verifica ainda o desempenho do candidato na televisão. No debate da TV Globo, na última quinta-feira, por exemplo, verificou-se que Bolsonaro, mesmo ausente, ganhou 35 mil novas curtidas no Facebook.

O candidato do PDT, Ciro Gomes, o segundo com mais êxito em converter seguidores para sua rede, somou quatro mil. A empresa de inteligência digital, contratada pelo PSL, atua desde a pré-campanha. Na convenção nacional do partido, o sócio da AM 4 afirmou que, naquele momento, a participação era “como pessoa física”. Segundo prestações de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a agência recebeu até agora R$ 100 mil.

A caminhada do Capitão até aqui

Colinha

Durante o debate da RedeTV!, em agosto, Bolsonaro escreveu um lembrete na mão com as palavras: “pesquisa”, “armas” e “Lula.” A cola virou alvo de chacota. O antídoto veio por meio de fotos de seguidores que foram estimulados a postar fotos com o nome e o número do candidato nas mãos.

A facada

O atentado em Juiz de Fora (MG), no dia 6 de setembro, tirou o candidato do PSL das ruas. A campanha reagiu estimulando apoiadores com o mote “Descanse, capitão, deixa a campanha com a gente” e criou um app para que os eleitores simulassem uma selfie com o candidato.

Campanha em vídeo

Após deixar o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, Bolsonaro passou a fazer transmissões ao vivo de sua casa, na Barra. O candidato é crítico das urnas eletrônicas e autor do projeto do voto impresso, vetado pelo STF. A cúpula do PSL criou o site Fiscais do Jair para monitorar urnas.

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Fernando Haddad

Sérgio Roxo

07/10/2018

 

 

O impulso e o peso de ser o ‘cara’ de Lula

Ao ser ungido candidato a presidente pelo PT no dia 11 de setembro, Fernando Haddad apostou todas as suas fichas nos vínculos com o ex-presidente Lula. Nas primeiras atividades de campanha, chegou a citar o nome do líder petista uma vez a cada 22 segundos. Em corpo a corpo com os eleitores, vestia uma camiseta com a foto do padrinho enquanto a propaganda no horário eleitoral de TV anunciava: “Lula é Haddad, Haddad é Lula”.

Mesmo com as acusações dos adversários de que o presidenciável, na verdade, não passava de um preposto, a estratégia trouxe resultados iniciais bastante animadores. Em uma semana como cabeça de chapa, Haddad já estava em segundo lugar. A velocidade da transferência de votos surpreendeu os integrantes da campanha. A previsão era crescer dois pontos por semana e contar com uma arrancada na semana final para garantir a passagem ao segundo turno da eleição.

A escalada mais acentuada empolgou os petistas, que revisaram os prognósticos e passaram a dizer que ultrapassar Jair Bolsonaro (PSL) era uma questão de tempo. Nesse momento, contudo, o ônus de assumir uma candidatura toda planejada para ser encabeçada por uma outra pessoa começou a aparecer.

Os coordenadores da campanha foram indicados por Lula. Ao virar candidato, Haddad incorporou dois homens da sua confiança ao grupo, mas manteve os demais. A coordenação geral continuou com José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, sem experiência anterior em uma eleição de porte nacional.

As visitas da Curitiba

Lideranças petistas entendem que a falta de afinidade entre candidato e coordenação atrapalhou a tomada de decisões estratégicas. Haddad manteve as visitas semanais a Lula, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o expresidente cumpre pena de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Nesses encontros, o líder petista passava orientações sobre as diretrizes a serem seguidas, mas um dirigente lembra que a campanha exige diariamente uma série de decisões que devem ser tomadas com rapidez.

Nesses casos, não é possível nem recorrer aos bilhetes transmitidos por advogados que visitam Lula diariamente. Um dos exemplos de demora de decisão na campanha, na avaliação de alguns aliados, se deu nos ataques a Bolsonaro na televisão, que só começaram ser veiculados na última quarta-feira. A forma de lidar com o assunto, porém, nunca chegou a ser uma unanimidade. Um aliado de Haddad argumenta que uma ofensiva precipitada ao candidato do PSL poderia ter favorecido Geraldo Alckmin (PSDB), muito mais temido num segundo turno do que o candidato do PSL.

Para integrantes da campanha, os problemas têm uma causa mais profunda na estrutura atual do PT: com Lula preso, não há liderança hegemônica, e as divergências se acentuam. Preocupada em garantir um mandato de deputada federal pelo Paraná, a presi Até dente do partido, Gleisi Hoffmann, tem ficado distante da campanha presidencial. Um dos coordenadores diz que, se for confirmado o segundo turno, ela deve assumir uma participação mais efetiva, mas faz uma ressalva:

— Só não sei se a presença dela ajuda. agora, quando atuou, Gleisi fez questão de barrar inciativas de Haddad que indicassem movimentações em direção ao centro. Mas, independentemente das interpretações sobre o cenário, o fato é que, desde segunda-feira, os petistas vivem uma agonia. Nesse dia foi divulgada a primeira pesquisa que apontava a estabilização dos votos de Haddad, o aumento da sua rejeição e o crescimento da intenção de votos em Bolsonaro. Levantamentos posteriores indicaram que o processo de transferência de votos de Lula para Haddad perdeu sua força.

A difícil memória de 2016

Nos bastidores, petistas passaram a reconhecer o risco de uma vitória do candidato do PSL já no primeiro turno. A avaliação ressuscitava o trauma vivido pelo próprio Haddad há dois anos, quando, ao tentar se reeleger prefeito de São Paulo, perdeu para o estreante em disputas eleitorais João Doria (PSDB) na etapa inicial da disputa. Além do distanciamento dos coordenadores, Haddad tem algumas diferenças com o programa de governo, apesar de ter coordenado a elaboração do documento. Como o cabeça de chapa era Lula, ele seguiu as orientações do chefe, mas isso não significa que concorde com tudo.

Um aliado relata, por exemplo, que o candidato não concorda com a proposta de formulação de uma nova Constituinte, inserida no programa de governo petista quando Lula ainda era apresentado como candidato.

No dia 28 de setembro, ao tratar do tema em uma entrevista coletiva em Goiânia, Haddad disse que houve uma alteração do programa a fim de “criar as condições para a convocação de uma assembleia exclusiva”. Adversários criticaram a proposta.

A avaliação interna é que o presidenciável se expressou mal e não soube explicar o tema, o que deixou margem para as críticas. Apesar das diferenças internas, petistas fazem a ressalva de que a candidatura de Haddad enfrentou um cenário totalmente atípico, o que impediria um quadro tranquilo mesmo que não houvesse problemas internos. Citam os apenas 26 dias de campanha do candidato como titular da chapa — decisão do próprio PT —e o atentado que tirou de circulação Bolsonaro, o principal adversário.

De qualquer forma, caso a passagem para o segundo turno se concretize, haverá uma reformulação da coordenação de campanha, com incorporação de lideranças experientes que estavam dedicadas a eleições locais.

A caminhada petista até aqui

Vice e plano B

Depois de um fim de semana de intensas reuniões, o PT decide indicar, em 5 de agosto, Haddad como candidato a vice de Lula. A decisão deflagrou o plano B, que seria concretizado com o enquadramento do titular da chapa como ficha-suja por causa da condenação em segunda instância no caso do tríplex.

Enfim, candidato

Em 11 de setembro, a apenas 26 dias da eleição, Fernando Haddad foi anunciado candidato do PT à Presidência da República. O lançamento aconteceu na frente da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, onde o expresidente Lula, o antigo titular da chapa, cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro.

A hora de atacar

A quatro dias da eleição, a campanha decide iniciar os ataques na TV contra Bolsonaro. Em um spot de 30 segundos, um locutor diz que o candidato do PSL votou, como deputado, contra a valorização do salário mínimo e a favor da reforma trabalhista, mas aprovou o aumento em seu próprio salário: “Não vote em quem sempre votou contra você”.