O globo, n. 31107, 07/10/2018. País, p. 15
A eleição das fake news
Jeferson Ribeiro
Miguel Caballero
07/10/2018
O diagnóstico é compartilhado por especialistas, autoridades, partidos políticos e candidatos: o Brasil vive a eleição das fake news. Se é difícil mensurar o alcance que as informações falsas tiveram e seu impacto no resultado das urnas, tampouco há consenso sobre quais antídotos usar para combater conteúdo duvidoso em larga escala.
Durante toda a campanha, o projeto “Fato ou Fake”, que reuniu checagens de informações difundidas nas redes feitas por jornalistas do Grupo Globo, conferiu a veracidade de mais de 703 publicações, somadas as 653 verificações de frases de candidatos ditas durante debates ou atos de campanha e as 50 notícias falsas desmentidas. Foram 462 declarações de presidenciáveis checadas: 97 eram “fake”, 220 eram “fato” e 145 ganharam o selo “não é bem assim”, quando apresentavam inconsistências.
Os candidatos a governos estaduais tiveram 191 falas verificadas, das quais 32 não se confirmaram. Os 50 boatos desmentidos pelo projeto “Fato ou Fake” desde o início da campanha são mais do que o dobro das 23 ações que tramitaram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relacionadas a fake news no período, número informado pelo tribunal na sexta-feira.
O índice mostra a dificuldade de se conter o alastramento dos boatos, que muitas vezes não chegam ao conhecimento sequer daqueles que são vítimas. Se em redes sociais como o Facebook e o Twitter nem sempre é fácil identificar de onde surgiu um boato, em aplicativos de trocas de mensagens como o WhatsApp esse rastreamento é quase impossível.
Enxugando gelo
A velocidade e o alcance do WhatsApp, que em 2017 já tinha 120 milhões de usuários no Brasil, foram o principal campo para difusão de informações imprecisas. O aplicativo virou peça-chave tanto para as campanhas fazerem sua propaganda oficial chegar mais rápido a mais gente, quanto para apoiadores que se dedicam a criar e espalhar fake news. Ocultar a identidade no aplicativo é fácil e relativamente barato, explica o advogado Fernando Neisser, autor do livro “Crimes e mentira na política”:
— Com um aplicativo de VPN (rede privada virtual), qualquer um se conecta à internet com uma identidade de outro país. Obter um grande banco de dados também não é difícil. Um cadastro de mais de 100 milhões de contatos de WhatsApp no Bra si lé vendido na internet por cerca de R$ 10 mil — diz ele. — Existem casos de funcionários de empresas de telefonia que têm esses grandes cadastros e os vendem. Com computadores programados para mandar mensagens, não é difícil fazer disparar de oito a dez milhões por dia.
Neisser advoga nos processos relacionados à área digital para o candidato do MDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf. Ele explica como as próprias campanhas têm dificuldade de lidar com o problema:
— Levamos à Justiça o que chega até nós, mas a maioria não é sequer reportada às vítimas. É enxugar gelo. A velocidade do avanço da tecnologia não consegue ser acompanhada pelas leis e por quem as aplica. Professor de Direito da Mackeinze, Diogo Rais avalia que ainda há muito a se aprender para que o combate à desinformação seja eficaz:
—Fiz palestras para juízes e advogados e muitos sequer sabiam o que é uma URL (o endereço de um página na internet). Temos dois mundos específicos e que não tinham se juntado ainda no Brasil: o dos especialistas em direito eleitoral e o pessoal da tecnologia. No TSE, o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições ficou mais de quatro meses sem se reunir e só terá um novo encontro na próxima semana.
O tribunal cogitou criar um portal para reunir as checagens de notícias feitas pela imprensa e também dar um papel mais ativo à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) —duas ideias que foram abandonadas. Para o vice-procurador geral eleitoral, Humberto Medeiros, as instituições se prepararam para combater os casos maiores. Já as notícias falsas que circulam no celular dos eleitores, segundo ele, fazem parte do aprendizado do eleitorado:
— Há a sujeira pequena, que o eleitor controla; a mediana, que os partidos e os políticos cuidam; e as coisas mais graves, que as instituições tinham que cuidar. Às vezes, é melhor ignorar porque ajuda a neutralizar a mentira.
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