O globo, n. 31107, 07/10/2018. País, p. 16

 

Retratos de um futuro pela frente

Bruno Abbud

Sérgio Roxo

Catarina Alencastro

Silvia Amorim

Maria Lima

07/10/2018

 

 

Com origens geográficas diferentes e escolhas profissionais variadas, candidatos tiveram em comum o esforço no aprendizado

A anos antes de assumirem uma corrida eleitoral histórica na disputa pela Presidência da República, que terá capítulo decisivo hoje, os jovens Jair Bolsonaro, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva viviam rotinas distintas, com origens igualmente diferentes.

No caminho até atingir a maioridade, os estudos. Entre a vida militar de Bolsonaro, a educação tardia de Marina, os anos rigorosos de Ciro Gomes na escola e a troca improvável da Engenharia pelo Direito por Fernando Haddad, um recorte de tempo registra parte decisiva da trajetória dos presidenciáveis, que hoje tentam conquistar os 147,3 milhões de eleitores brasileiros.

Nos sonhos e projetos dos jovens das fotos abaixo estão a semente do que o Brasil decidirá nas urnas.

Bolsonaro

Venda de peixe ajudou a financiar o sonho militar

No fim dos anos 1960, aos 15 anos, Jair Bolsonaro conheceu o Exército. Os militares haviam baixado em Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, à procura do guerrilheiro Carlos La marca, que havias e refugiado pert od afazenda onde o presidenciável costumava extrair palmito. Logo Bol sonar o passou aguiar os soldados pelas matas, que conhecia desde a infância.

À época, o hoje candidato gastava os dias entre a escola, a pesca e o futebol. No time Madureira, jogava como goleiro. Ele pescava na companhia de amigos quase diariamente, no Rio Ribeira do Iguape, em busca de peixes que depois comercializava na cidade. — Vendíamos a pescaria para juntar dinheiro e sair da cidade — diz Gilmar Alves, que estudou com o futuro militar.

Em1973, Bol sonar o juntou dinheiro para tentara vida longe do município. Ele cursou, por correspondência, Eletricidade e Português no Instituto Universal Brasileiro e se inscreveu para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas. Foi aprovado. No fim do mesmo ano, prestou concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), onde se formou em 1977. Quase dez anos depois, ao aparecer na imprensa como defensor do aumento dos salários de militares, elegeu-se vereador no Rio, em 1986. Deixou avida de militar para entrar no mundo da política.

Haddad

Golpe sofrido pelo pai o levou a trocar curso universitário
 
Fernando Haddad dividiu a juventude entre os bancos escolares, a loja de tecidos do pai e a militância no movimento estudantil. Cursou o ensino médio no Colégio Bandeirantes, uma das escolas de São Paulo campeãs em preparar alunos para o vestibular.

— Era responsável em suas tarefas e solidário. Em suma, um bom aluno — diz Edson Simões, conselheiro do Tribunal de Contas do Município (TCM), ex-professor de Haddad.

Seu plano era cursar Engenharia, mas um golpe de um estelionatário sofrido pelo pai o levou para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP, onde ingressou aos 18 anos. Haddad queria estudar as leis para não correr o risco de ser ludibriado. Foi com os colegas de universidade que descobriu o interesse pela obra de Karl Marx. Em 1984, Haddad foi eleito presidente do tradicional Centro Acadêmico XI de Agosto pela chapa The Pravda, em alusão ao jornal da extinta União Soviética e ao americano “The New York Times”. O advogado José Inglez de Souza, que encabeçava a chapa que ficou em segundo na disputa com a The Pravda, atribuiu a derrota à boa aparência do oponente. Apesar da popularidade, o futuro candidato a presidente não se deixava levar pelos excessos. — Não é um cara careta, mas eu nunca o vi bêbado —diz o jornalista Eugênio Bucci, seu amigo.

Ciro

Educação rigorosa não dava tempo para brincadeiras

 

Na pequena Sobral (CE), nas décadas de 1960 e 70, as crianças brincavam soltas na rua, mas os irmãos Ciro, Cid, Lúcio, Lia e Ivo, não. No lar dos Ferreira Gomes, onde os pais eram professores, as crianças saíam da escola e iam para casa para fazer a lição e ficar em família.

Ciro estudou em duas escolas públicas de Sobral. Depois, fez o último ano do ensino médio no Colégio Marista Cearense, particular, em Fortaleza. Quem conviveu com ele conta que era um aluno brilhante, mas não se destacava nas atividades físicas. Era um jogador de futebol medíocre. Ciro passou em primeiro lugar na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Nessa época frequentava barzinhos, mas não era de noitadas. Tampouco foi namorador. Um colega conta que o presidenciável só começou a vida amorosa “depois de velho”, quando já estava na faculdade. A primeira namorada firme foi a hoje conselheira do Tribunal de Contas do Estado Patrícia Saboya, com quem foi casado por mais de 15 anos.

O irmão Lúcio lembra que Ciro gostava de frequentar as rodas da boemia intelectual no bar Estoril, em Fortaleza. Ali, sentava-se com o cantor Fagner e os compositores Fausto Nilo e Augusto Pontes. — Ele gostava do papo. Às vezes se metia a cantar, mas não era o seu forte —diz Lúcio.

Alckmin

Um aluno tímido que logo passou a professor

Num encontro com jovens em agosto, Geraldo Alckmin fez piada com a própria juventude. —Dar aula de química do carbono era mais gostoso do que ir com a namorada à praia —disse, sem encontrar respaldo na plateia. Era uma brincadeira, mas não há exagero em dizer que foi em sala de aula que Alckmin passou grande parte da adolescência. O estudo apareceu para ele, ainda criança, como forma de superar a perda da mãe, aos 10 anos. Quando mais velho, a bordo de uma lambreta barulhenta, ele seguia do sítio onde morava com o pai em Pindamonhangaba (SP) para a escola. Disciplinado, Alckmin nunca foi de levar preocupação ao pai, exceto numa madrugada em que telefonou para um cunhado e pediu socorro. Ele estava na beira de uma estrada sem gasolina e com uma das pernas quebrada.

— Ele contou que, parado no acostamento, um carro foi para cima dele. Ele se atirou no capô do próprio carro. Quebrou a perna — conta, rindo, o cunhado Fernando Nogueira.

Tímido e magricela, era de poucos amigos. Por volta dos 18 anos, descobriu que se sentia mais à vontade à frente dos alunos do que nos bailes. Tornou-se popular pelas aulas noturnas que dava no antigo Madureza e num cursinho pré-vestibular para pagar a faculdade de Medicina. Foi assim que se elegeu vereador, aos 19 anos.

Marina

De aprendiz de freira a atriz de teatro no Acre

Enquanto estudava para ser freira, Marina Silva, aos 17 anos, conheceu Chico Mendes, tomou contato com a Teologia da Libertação e entrou para o movimento social da Igreja Católica. Depois de ter passado no vestibular de História da Universidade Federal do Acre, Marina desistiu de ser freira e entrou num grupo de teatro chamado Semente. Entre a costura de um figurino e outro, participou de peças como “A vingança do carapanã atômico”. No grupo de teatro, Marina fez alguns de seus melhores amigos.

A presidenciável da Rede conta que o grupo também fazia política, mas ela era quase uma intrusa. Os colegas eram ligados à Libelu, uma corrente do movimento estudantil formada por jovens de classe média que queriam fazer a revolução, diz Marina. A ex-senadora vinha de experiências nas comunidades eclesiais de base.

Aos 20 anos, ela virou coordenadora de uma paróquia da Igreja Católica em um bairro da periferia de Rio Branco. Ali, começou a sua carreira política. Trabalhando como doméstica em Rio Branco, capital do Acre, só aos 16 anos Marina Silva aprendeu a ler e escrever no Mobral, programa de alfabetização de adultos da ditadura militar. Depois, a hoje presidenciável cursou os ensinos fundamental e médio em cursos supletivos.