O globo, n. 31107, 07/10/2018. País, p. 20 e 21

 

Rio, um estado de nervos

Bernardo Mello

Luiz Ernesto Magalhães

Juliana Castro

Stéfano Salles

Carolina Heringer

Juliana Castro

07/10/2018

 

 

Eleição em meio a uma intensa tormenta

Decisão vai encerrar ciclo de 12 anos do MDB em meio a crises simultâneas

Doze anos depois de o MDB assumir o Palácio Guanabara com a maior votação já registrada no Rio, 12 candidatos decidem hoje um primeiro turno que se desenrolou sob influência da eleição presidencial, diante do ocaso do ex-governador Sérgio Cabral, preso em Bangu. Eduardo Paes (DEM), Romário (Podemos), Indio da Costa (PSD) e, na reta final, Wilson Witzel (PSC) disputaram uma campanha marcada por denúncias e sob o signo de uma aguda crise na segurança —espólio de Luiz Fernando Pezão (MDB), ex-aliado de Cabral.

O governador vive há três anos e meio um mandato turbulento, também atingido por uma crise fiscal sem precedente. Não à toa o emedebista se tornou sinônimo de desgaste político para todos os candidatos. As gestões de Cabral e Pezão, marcadas por crises simultâneas e pelo maior escândalo de corrupção já vivido no Rio, virou vidraça para Paes, que deixou o MDB em direção ao DEM em abril deste ano. Antes disso, seus ex-aliados, entre eles Cabral, já tinham sido presos pelas investigações da Calicute, braço da Operação Lava-Jato no Rio. Em outra frente, Paes tornou-se alvo de uma ação de inelegibilidade por abuso de poder político e econômico durante sua gestão como prefeito do Rio, e concorre graças a uma liminar do TSE. Nesta semana, a Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pela derrubada da liminar, mas o caso ainda não foi pautado pela Corte.

A reta final do páreo em busca do segundo turno ganhou rumos inesperados com o desfecho de outro caso de corrupção, este envolvendo Garotinho. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu indeferir a candidatura do ex governador do PRP, por conta de uma condenação por desvio de recursos na Secretaria de Saúde do Estado quando ocupava cargo chave no governo de sua mulher, Rosinha Garotinho, em 2005. Desde que sua campanha foi suspensa, Garotinho trocou as ruas por transmissões ao vivo no Facebook. Normalmente, ele usava o espaço para se defender das condenações que o tornaram inelegível. Na última sexta, antevéspera da eleição, acionou-a para direcionar seu espólio eleitoral a dois nomes: Romário e Lindbergh Farias (PT), candidato ao Senado. As dúvidas sobre o destino de uma fatia significativa dos votos, no entanto, seguem. Indio e Witzel, juntos na terceira posição, ao lado de Tarcísio Motta (PSOL), passaram a rivalizar entre si e com Romário. — É como aquela piada do caçador que arruma o tênis quando descobre que há um tigre se aproximando  compara um integrante da campanha de Romário. —O colega dele ironiza: “Você acha que vai correr mais que o tigre?”. E o sujeito responde: “Claro que não, só quero correr mais que você”.

O pessoal está de olho é na segunda vaga. Para um assessor de Indio, parte do eleitorado evangélico de Garotinho, que também é forte no segmento, pode migrar para Paes, que vem sendo apoiado por pastores de diferentes denominações, como Abner Ferreira e Silas Malafaia. O nome de Garotinho estará na urna, mas os votos serão considerados inválidos. O candidato do Podemos também esteve na posição de “vidraça” por conta de problemas judiciais, explorados por adversários. No início da campanha, Romário viu a Justiça determinar a penhora de um imóvel na Barra da Tijuca, comprado por R$ 6,4 milhões, e apreender um Porsche do candidato, avaliado em R$ 350 mil. Ambos estavam registrados em nome da sua irmã, Zoraidi, mas as autoridades entenderam que a documentação era, na verdade, uma tentativa de Romário evitar a penhora de seus bens para o pagamento de dívidas. As denúncias foram feitas pelo GLOBO. Além das acusações de ocultação de patrimônio, Romário precisou lidar, durante a campanha, com o avanço de um processo no qual aparecia como autor de crime de lesão corporal, por conta de um acidente de trânsito na Barra da Tijuca. Um amigo do ex-jogador assumiu a autoria, mas o Ministério Público argumentou que era Romário quem estava ao volante. Em setembro, a defesa de Romário fechou um acordo para que ele pagasse R$ 50 mil à vítima do atropelamento para encerrar o processo. A crise econômica e a escalada da violência no Estado do Rio foram pano de fundo dos debates.

Pauta da segurança

A intervenção federal na segurança, por exemplo, pautou dezenas de declarações e até desentendimentos entre os candidatos. Paes, Romário eWitzel,deumlado,trataram a presença das Forças Armadas como bem-vinda, embora tenham se mostrado contrários à prorrogação da intervenção, que termina em 31 de dezembro. Garotinho, Indio, Tarcísio, Marcia Tiburi (PT) e Pedro Fernandes (PDT) disseram que a medida teve caráter “eleitoreiro”. Em comum, quase todos dedicaram boa parte de seu tempo para apresentar seus próprios planejamentos de Segurança Pública, tema que chegou a aparecer mais do que Saúde e Educação em alguns momentos. O caldeirão fluminense ferveu, mas, depois da polarização da eleição nacional. Paes, Romário e Garotinho fizeram acenos discretos a eleitores de Bolsonaro e do PT, evitando vincular-se formalmente a algum candidato — embora o DEM de Paes apoie Geraldo Alckmin (PSDB), e o Podemos de Romário, Álvaro Dias (Podemos). O restante, no entanto, aderiu à nacionalização da campanha. Witzel, até então com um dígito de pontuação, empatou com Romário ontem, depois de se manifestar reiteradamente em favor de Bolsonaro. O candidato do PSL tem 51% dos votos válidos no Rio. Pedro Fernandes (PDT) aproveitou a presença de Ciro Gomes mais de uma vez do Rio. Marcia Tiburi e Tarcísio, além de fazerem campanha pelos presidenciáveis de seus partidos — Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), respectivamente —, firmaram posição contra Bolsonaro (PSL), cujo eleitorado foi disputado por Indio e Witzel. Segundo o Ibope, Bolsonaro beira os 40% de intenções de voto no Rio. Indio declarou voto nele, embora seu partido, o PSD, esteja na coligação de Geraldo Alckmin (PSDB).

A informalidade no ritmo elétrico do ex-prefeito
 
Eduardo Paes acumula algumas famas: teimoso, muitas vezes incisivo com os subordinados e workaholic — ritmo que se acentuou em seus dois mandatos de prefeito do Rio. Quem convive com ele diz que andou “mais calmo” nesta campanha, apesar de volta e meia dar broncas em cabos eleitorais no meio de discursos e até em entrevistas. A insistência em colocar a mão na massa, no entanto, continuou a mesma. Assessores de áreas específicas dizem que o próprio Paes tomou a iniciativa de marcar visitas a hospitais e batalhões de polícia. —Segunda-feira é um dia sagrado.

É quando ele monta a vida toda: decide para quem vai ligar, qual área precisa reforçar. E o WhatsApp facilitou essa condução da campanha. Se quiser, ele fica em contato o tempo todo —conta a ex-deputada Solange Amaral, que tem feito campanha com Paes. Por vezes, a teimosia e a velocidade com que cobra decisões fazem com que Paes não ouça a opinião de terceiros. Segundo pessoas próximas, isso teria ocorrido quando ignorou conselhos de substituir Pedro Paulo como seu indicado para a eleição municipal de 2016, depois de tornados públicos registros policiais de que ele teria agredido a ex-mulher. Candidato a deputado federal, Pedro Paulo acompanhou Paes em várias agendas nesta campanha. — O ímpeto faz com que ele adote o princípio do “minha ideia primeiro”. E é difícil convencê-lo do contrário —observa um antigo aliado. O candidato do DEM também é conhecido por misturar seu jeito informal, por vezes até falastrão, à campanha. Numa viagem a Mendes, no Centro-Sul fluminense, Paes disse que lá tomou seus “primeiros chopinhos” e viu a política de perto pela primeira vez. Na eleição de 1982, o então candidato Leonel Brizola discursou na praça da cidade onde o jovem Eduardo, então com 13 anos, passava férias.

Um lugar chamado Maricá

A informalidade já causou problemas ao ex-prefeito, como na ligação interceptada ao ex-presidente Lula, em que chama Maricá de “merda de lugar”. Para atenuar a gafe, Paes fez questão de citar nominalmente a cidade toda vez que falava em propostas para a Região Metropolitana. A esperada visita a Maricá foi organizada com discrição, apoiada por vereadores locais. Paes até cantou um samba em homenagem à cidade, numa parceria com Marquinhos de Oswaldo Cruz. Se deu certo ou não, as urnas vão dizer. Mas a resolução de crise, como tudo na campanha, teve as digitais do ex-prefeito do Rio.

Romário

O ídolo do futebol que reaprendeu a ser 'marrento'
 
RIO — Era apenas mais um dia de campanha no fim de agosto. Romário (Podemos) havia acabado de rodar pelo Centro do Rio quando, aos pés do prédio da Petrobras, esperava o carro que o levaria para mais uma agenda.

— Cadê o carro? Vocês não disseram que ele já estava vindo? — indagou.

Romário tem a impaciência de quem não gosta de esperar. Ou de quem quer tocar o dia a dia do seu próprio jeito. Dos tempos do futebol, guardou um costume: o de decidir sozinho. No campo da política, até ouve opiniões, mas será sempre dele a palavra final.

Essa convicção fica explícita em outro traço de personalidade do senador. Quando ele está com uma ideia fixa, ninguém consegue tirá-la da sua cabeça.

Dos campos para a campanha, carregou a máxima de que treino é treino, jogo é jogo. Já usou a expressão para justificar sua estagnação nas pesquisas enquanto o adversário Eduardo Paes (DEM) oscilava para cima.

Sem experiência em debates, Romário ensaiou com sua equipe. Mas, assim como no futebol, nem sempre tinha paciência para os treinos. De início, ele manteve sozinho as rédeas da campanha na área de marketing, o coração de qualquer candidatura. Faltando um mês para o primeiro turno, recebeu a indicação dos serviços do publicitário Lula Vieira.

O especialista veio firme com a ideia de que Romário tinha de ser simplesmente Romário. Isso inclui a marra e um quê de provocador que ele tinha nos gramados.

No debate da Record, o candidato do Podemos partiu para cima de Paes. Ao melhor estilo Romário, soltou: “Duduzinho, você vai querer dar uma de grande gestor? Tá de sacanagem”. Ficou frustrado porque, no debate seguinte, não teve oportunidade de um novo embate.

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Convite na lata

Com a confiança que lhe é inerente, Romário chegou para um almoço com o então economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês. Faltava pouco mais de um mês para começar a campanha. Sem meias palavras, bem ao seu estilo, o senador perguntou a Mercês:

— Quer ser meu secretário de Fazenda?

O economista, a quem Romário só tinha visto duas vezes, virou homem de confiança do senador. Deu algumas “aulas” para o candidato sobre economia e coordenou o plano de governo. Na nova divisão,Romário se dedica ao que todos acham que é seu maior potencial: a campanha de rua. Nela, mais atende pedidos de selfies do que faz promessas. Pede votos à sua maneira. — Dá uma força aí — diz, acanhado como um ídolo que trocou de posição com o fã.

Wilson Witzel

O estreante de discurso conservador que se diz progressista

Aos 50 anos, Wilson Witzel (PSC) pediu exoneração do cargo de juiz federal em fevereiro deste ano deixando para trás 17 anos de magistratura. Ao trocar as sentenças pelos discursos políticos, surfou ini cia lmente na onda da Operação Lava-Jato, mas seu crescimento na reta final da campanha veio por outro motivo: pelo voto declarado no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas.

Ontem, Witzel encerrou a campanha com uma carreata ao lado de Flávio Bolsonaro (PSL), candidato ao Senado e filho de Jair.

Apesar de a aproximação explícita de Bolsonaro ser recente, o discurso do ex-magistrado já era alinhado com alguns ideais do candidato do PSL. Desde o início da campanha, Witzel defende que policiais poderiam, em seu governo, "abater" bandidos armados, ainda que respondessem criminalmente por isso.

-Vamos dar defesa jurídica para os policiais. Melhor a gente resguardar o policial de uma eventual condenação jurídica do que ele perder a vida - disse, em entrevista ao GLOBO, em setembro.

Embora reconhecesse estar concorrendo por um partido conservador e ter propostas também nessa linha, durante a campanha, Witzel procurava frisar que não se considera tradicionalista e citava, nesse contexto, um de set.1 quatro filhos, Erick, que é transexual.

Apesar de ser a primeira vez que concorre a um cargo eletivo, Witzel já teve forte ligação com a política no passado quando, nos anos 1980, era um militante ativo.

Ataques nos debates

Nos debates, o ex-juiz surpreendeu os adversários com o tom de seus ataques. Tanto é que, no SBT, Anthony Garotinho (PRP) mal teve tempo de partir para cima de Eduardo Paes (DEM), como tradicionalmente fazia, porque ficou ocupado rebatendo Witzel.

Paulista de Jundiaí, o ex juizes tu dou Pedagogía, mas abandonou o curso para se dedicar ao Direito. Antes de ser defensor público, com atuação em tribunal do júri, e juiz, foi oficial do Corpo de Fuzileiros Navais.

No Judiciário, atuou em varas criminais, cíveis e de Execução Fiscal no Rio e no Espírito Santo. Antes de se render às aspirações políticas, o então juiz viu seu nome ocupar o noticiá1io em março de 2013.

Depois da retirada da Aldeia Maracanã num violento confronto com a política, um grupo de índios se recusou a ficar num alojamento montado pelo governo do estado em Jacarepaguá.

Insatisfeito~, eles ocuparam o Museu do Indio, em Botafogo. A saída do grupo foi conduzida por Witzel, que chegou a decretar a prisão dos manifestantes, mas revogou- a após um acordo para a desocupação do museu.

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Polarização nacional ofuscou debate

Thiago Prado

07/10/2018

 

 

Como lidar com o rombo de R$ 8 bilhões previsto para o orçamento do governo do estado no ano que vem? Quais as soluções para o crescimento dos índices de homicídios e roubos na segurança pública? Era uma campanha em que se esperava a apresentação de soluções para esses e outros temas, mas a verdade é que a eleição presidencial ofuscou o debate de ideias no primeiro turno do Rio. Com o interesse geral, no último mês, focado na disputa pelo Planalto, os candidatos ao Palácio Guanabara se acomodaram. Todos falaram em ajustar de alguma forma o programa de recuperação fiscal do estado. Ninguém detalhou como. Todos também disseram que iriam rever as UPPs e aumentar o policiamento ostensivo. Novamente, nenhum sinal de como isso seria feito. Na disputa presidencial, a despeito da forte polarização, ao menos foi possível distinguir os candidatos a partir de diversas posições. O eleitor irá às urnas no domingo sabendo claramente o que pensam as campanhas de Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e cia em questões como mudanças no Imposto de Renda e privatização de empresas públicas (se depois irão cumprir as promessas, aí é outra história). No Rio, a diferenciação das campanhas deu-se exclusivamente no campo das denúncias. O que fica na memória após o primeiro turno são a tentativa de Eduardo Paes de escapar da associação ao hoje presidiário Sérgio Cabral, a ocultação patrimonial de Romário e as prisões envolvendo Anthony Garotinho. Entre os eleitores, o eixo das conversas de familiares e amigos nos últimos 45 dias foi tão voltado para a corrida presidencial que dois candidatos do Rio decidiram apoiar Bolsonaro, mesmo sem reciprocidade. De carona na popularidade do presidenciável, Indio da Costa e Wilson Witzel chegam ao dia da eleição ainda sonhando com uma arrancada que os leve para o segundo turno. No campo da esquerda, Marcia Tiburi fez o mesmo com Lula, melhorou um pouco seu desempenho e talvez atrapalhe o resultado de Tarcísio Motta hoje.

Na reta final, a nacionalização acabou dando o tom, numa eleição-chave para o Rio começar a sair da crise.

“Eu respondo pelo meu CPF, por aquilo que fiz. Não tive nenhuma interferência de Cabral ou Pezão”

 

Eduardo Paes, em debate entre candidatos na Band, em agosto

“Eu seria um imbecil se usasse uma irmã como laranja. O dinheiro é meu e eu dou para quem eu quiser”

Romário, defendendo-se das acusações de movimentação financeira irregular

“Quem quer que esteja portando um armamento de fogo é um risco iminente e será abatido”

Wilson Witzel, em entrevista ao GLOBO, em setembro

“Eu tenho horror ao PT. Acho que o PT destruiu o Brasil, destruiu o respeito à política brasileira”

Indio da Costa, ao declarar voto em Bolsonaro, em entrevista à Rádio Globo

“O Eduardo Paes está fingindo que se desligou, mas o filho do Cabral (deputado Marco Antônio) vai votar no Paes”

Tarcísio Motta, ligando o candidato do DEM ao ex-governador preso

“Todo mundo que cometeu crime tem que ser preso. Passei por todos esses governos e nunca houve uma acusação”

Pedro Fernandes, ex-secretário de Sérgio Cabral e Pezão, em entrevista ao GLOBO

“Aqui estão candidatos alinhados com o governo golpista; (...) daqui a pouco estarão todos presos” ~

Marcia Tiburi gira a metralhadora para atingir vários rivais no debate da Band