O globo, n. 31119, 19/10/2018. Artigos, p. 3

 

Diversidade crescente

Flávia Oliveira

19/10/2018

 

 

Brasil afora, o Legislativo que tomará posse em 2019 será mais conservador. Tão intensa quanto a festejada renovação impulsionada pela aversão do eleitor à velha política foi a guinada à direita, que indica predomínio de agenda liberal na economia e inflexível nos costumes. É panorama de retrocesso para defensores dos direitos humanos, dos povos tradicionais e da preservação do meio ambiente. Mas na fresta há que se celebrar o aumento da diversidade na composição parlamentar. O país elegeu sete senadoras e 240 deputadas federais, estaduais e distritais. Juntas, elas receberam 28.116.651 de votos.

O levantamento exclusivo da revista “Gênero e Número”, com base nos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra ainda que as mais de oito mil candidatas ao Legislativo, eleitas ou não, somaram 58,601 milhões de votos. É capital político robusto, que contraria a hipótese de que brasileiras e brasileiros resistem a votar em mulheres. O demógrafo José Eustáquio Alves já contabilizara que, no primeiro turno de 2014, as três candidatas à Presidência da República —Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (ex-PSB, hoje Rede) e Luciana Genro (PCdoB) — alcançaram 67 milhões de votos. Eleitores dispostos há, faltam oportunidade e recursos financeiros. Este ano, pela primeira vez, a legislação determinou que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário fossem destinados a campanhas de candidaturas femininas. Ainda assim, houve denúncias de desvio.

A Câmara dos Deputados terá 77 mulheres (26 a mais do que em 2014), das quais 13 negras (eram dez) e uma indígena, Joenia Wapichana (Rede-RR), a primeira da História. Para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) foram eleitas 12 deputadas; seis se autodeclararam brancas, quatro negras e duas pardas. Quatro anos atrás, eram nove deputadas: cinco brancas, três pardas e uma preta.

Há mais diversidade de gênero e raça, mas é ilusão imaginar que mulheres formam um grupo homogêneo na política — ou em qualquer outra dimensão. Como os homens, elas exibem diferentes colorações ideológicas. O par de tendências marcantes das eleições 2018, renovação e conservadorismo, entre elas também se repetiu. Quatorze nomes da atual legislatura não se reelegeram; 40 das 77 eleitas não têm experiência parlamentar; a maioria é de direita ou de centro, enumerou a cientista política Débora Thomé, da UFF. Partidos de esquerda (PDT, PSB, PSOL e PT) elegeram 25 deputadas federais.

Há diferenças de origem, vivência, crença. Não será tarefa fácil uni-las numa hipotética agenda de gênero. “Creio que uma pauta comum entre as parlamentares pode ser o aumento da participação feminina na política. Isso interessa às mulheres da esquerda e da direita. Políticas para vítimas da violência doméstica talvez as aproximem, assim como a diferença de idade de aposentadoria para homens e mulheres na reforma da Previdência”, sugere a cientista política.

Semanas antes do primeiro turno, a ONU Mulheres lançou a plataforma digital Brasil 50-50, para assegurar o compromisso de candidatos com direitos das mulheres, igualdade de gênero, combate à discriminação. São ações alinhadas com Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, dos quais o país é signatário. Seis parlamentares recém-eleitas já aderiram: a senadora Mara Gabrilli (PSDBSP); as deputadas federais Áurea Carolina (PSOL-MG) e Erika Kokay (PT-DF); as estaduais Olivia Santana (PCdoB-BA), Erika Malunguinho (PSOL-SP) e Robeyoncé Lima (PSOL-Juntas-PE). O diálogo com integrantes do Legislativo será permanente.

Entidades do movimento feminista, entre as quais o Fundo Elas e a ONG Criola, também estão empenhadas em aproximar o bloco de mulheres parlamentares, ampliar o protagonismo político feminino e também alertar para a importância de seguirem protocolos de segurança física. O Brasil, afinal, é território de risco. Está no topo da nada honrosa lista global de feminicídios e assassinatos de defensores dos direitos humanos. Aqui uma vereadora no exercício do mandato, Marielle Franco, foi brutalmente executada - e, sete meses depois, o crime segue sem solução.