O globo, n. 31119, 19/10/2018. Colunas, p. 6

 

A indústria da mentira deu um baile no TSE

Bernardo Mello Franco

19/10/2018

 

 

A campanha de Fernando Haddad entrou com ação no TSE pedindo a inelegibilidade de Bolsonaro caso investigação do órgão comprove abuso de poder econômico pelo adversário. Reportagem da“Folha de S. Paulo” informou que empresas custearam divulgação de mensagens pelo WhatsApp contra o PT, o que é proibido. Em abril, o ministro Luiz Fux disse que as candidaturas que espalhassem notícias falsas seriam anuladas pela Justiça Eleitoral. Apesar da ameaça, a boataria correu solta, desequilibrou o jogo e ajudou a decidir votos. A promessa do ministro se tornou um exemplo involuntário de fake news.

O TSE fracassou na tentativa de coibir a indústria da mentira nas redes. A constatação é de dois outros ministros que falaram em caráter reservado com a coluna. Eles admitem que a comissão que fiscalizaria a campanha virtual se revelou inútil. Fux saiu de cena em agosto, quando seu mandato na Corte terminou.

No primeiro turno, ficou claro que o WhatsApp se tornou uma arma tão ou mais poderosa que a propaganda oficial. O aplicativo de mensagens instantâneas turbinou candidatos que tinham poucos segundos na TV. Também abriu um território livre para a disseminação de boatos com fins eleitorais.

Até aqui, o bolsonarismo foi quem melhor surfou a onda da desinformação. A tropa do candidato profissionalizou a difusão de vídeos falsos, como o que provaria uma fraude nas urnas eletrônicas. A Justiça já tirou parte do conteúdo do ar, mas o esforço tem sido igual ao de enxugar gelo.

Ontem uma reportagem da Folha de S.Paulo afirmou que um grupo de empresas financia a artilharia virtual contra o PT. O esquema usaria dinheiro de caixa dois para disparar milhões de mensagens pelo zap. Um dos acusados, o empresário Luciano Hang, já foi multado por outra prática ilegal: pagar ao Facebook para impulsionar postagens favoráveis ao capitão. Ao ser questionado sobre a nova denúncia, ele disse que não sabe “o que é isso”.

Bolsonaro também tentou se eximir de responsabilidade. “Eu não tenho controle se tem empresário simpático a mim fazendo isso”, disse o candidato que lidera as pesquisas. A frase lembra sua reação quando a imprensa começou a noticiar atos de violência praticados por seus apoiadores. “O cara lá que tem uma camisa minha comete lá um excesso. O que eu tenho a ver com isso?”, perguntou o capitão.

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WhatsApp: PT vai à Justiça contra Bolsonaro

Bruno Góes

Sérgio Roxo

Dimitrius Dantas

19/10/2018

 

 

Após jornal publicar que empresários financiaram irregularmente a divulgação em série de mensagens no aplicativo, campanha de Haddad pede investigação; presidente do PSL diz ser ‘impossível controlar rede’

A campanha do candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, protocolou ontem uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a Corte abra uma investigação com o objetivo de apurar possíveis crimes eleitorais cometidos pela candidatura de seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL). O PT afirma que a campanha cometeu “abuso de poder econômico” e “uso indevido de comunicação digital”.

O pedido é baseado em reportagem publicada ontem pela “Folha de S. Paulo”, segundo a qual empresas estariam favorecendo a campanha de Bolsonaro ao comprar pacotes de divulgação em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. Segundo a reportagem, a prática é ilegal porque representa doação eleitoral de empresas a políticos, ação já proibida pela Justiça Eleitoral e que configuraria o uso de caixa dois.

Fachin pede "fair play"

Os contratos, diz a reportagem, chegariam a até R$ 12 milhões pelos disparos de centenas de milhões de mensagens, com o uso de bases irregulares de números de telefone. A distribuição de conteúdo seria feita a partir de administradores de grupo no aplicativo que usam celulares com códigos de outros países para escapar de limitações do WhatsApp, como o número máximo de encaminhamentos de mensagens.

Haddad subiu o tom contra o adversário:

— O meu adversário, deputado federal por 28 anos, criou uma organização criminosa de empresários que, mediante caixa dois, dinheiro sujo, está patrocinando mensagens, pelo WhatsApp, mentirosas — disse o candidato do PSL à “Rádio Tupi”.

Ainda no documento protocolado pelos advogados do PT —um pedido para a abertura de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) —, há também a indicação para que, caso sejam comprovados os crimes, o candidato do PSL seja declarado inelegível por oito anos.

"Sem fake news"

Em transmissão ao vivo em rede social, Jair Bolsonaro negou que tenha feito uso irregular de impulsionamento no aplicativo:

— Não precisamos de fake news para combater o Haddad. A verdade é mais que suficiente. Todos lembram dos 13 anos de PT. Aí sim: caixa dois, corrupção generalizada, assalto à Petrobras, queda nos fundos de pensão... esse é o PT.

O presidente do PSL, Gustavo Bebianno, disse ontem que é impossível controlar a ação de apoiadores da candidatura de Bolsonaro e que não tem nada a temer:

— Nem o PSL, nem a campanha do candidato, e muito menos Jair Bolsonaro se prestam a esse tipo de papel. Toda e qualquer doação feita até hoje, fosse para o PSL ou para a campanha do candidato, são recursos doados via nossa plataforma, de acordo com a legislação.

O presidente do PSL afirmou que nunca houve a contratação de impulsionamento para ampliar o alcance das publicações nas redes sociais, e que o aumento da rede de Bolsonaro é fruto de um crescimento “orgânico”. Bebianno disse ainda que Haddad será processado pelas acusações.

— Óbvio que existe sempre a possibilidade de apoiadores de um lado e de outro lançarem mão de suas redes sociais para se manifestar. Impossível você controlar — disse Gustavo Bebianno. Óbvio (que defende a investigação), mas não depende de nós —acrescentou.

Em reunião com advogados de Bolsonaro e Haddad, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse ontem que as fake news são negativas para a democracia e o eleitor:

—Construir a democracia é elaborar proposta de campanha, todas elas destinadas a conquistar a vontade do eleitor. E o eleitor, nessa parte, é o ator principal. Ele tudo pode, mas nem tudo convém. As fake news, certamente, não convêm ao eleitor nem à democracia.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin também foi do encontro e pediu jogo limpo às campanhas:

— Pratiquemos o fair play que significa cumprir e fazer cumprir as regras do jogo. Haverá um Estado a gerir e uma sociedade a atender em todas as manhãs seguintes ao pleito eleitoral.

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Ao PSDB, agência ofertou 80 milhões de disparos ilegais

Silvia Amorim

19/10/2018

 

 

Consultor digital da campanha de Alckmin, que não contratou serviço, conta ter participado de reunião sobre cadastros

O consultor de marketing digital da campanha presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB), Marcelo Vitorino, relatou ontem ao GLOBO que participou de reunião em que uma empresa ofereceu ao partido a entrega de disparo de mensagens por WhatsApp, para até 80 milhões de pessoas, usando cadastro de terceiros, o que é proibido por lei.

A oferta do serviço, segundo ele, foi feita pelo presidente da empresa DOT Group, Luiz Alberto Ferla, num encontro na sede do PSDB em Brasília em 11 de julho, antes do início da campanha eleitoral. Segundo o PSDB, o serviço não foi contratado.

A reunião era com o PSDB Mulher, presidido pela exgovernadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius. Participaram também advogados, sócios do marqueteiro de Alckmin, Lula Guimarães, Vitorino, Yeda e assessores.

Na ocasião, o empresário, segundo Vitorino, fez uma apresentação sobre gestão de redes e falou sobre o uso do WhatsApp. Ele teria mostrado, num PowerPoint, números da base de dados que poderia ser usada no disparo em massa de mensagens para as candidatas do PSDB na eleição.

—Ele falou que tinha uma base de contatos de até 80 milhões de pessoas para a qual poderia fazer disparos —disse Vitorino.

A legislação eleitoral permite o envio de mensagens de WhatsApp por candidatos, mas somente para lista de contatos previamente cadastrados por eles ou partidos. É proibido o uso de cadastro de terceiros. A “Folha de S.Paulo” informou ontem que empresas bancaram o envio de mensagens contra o PT no segundo turno da eleição presidencial.

Vitorino disse ontem que ponderou na reunião que se tratava de uma ilegalidade.

—Fiz duas perguntas para ele sobre a ilegalidade de usar base de terceiros e ele insistiu que não havia problema—disse o consultor.

Em 19 de julho, em São Paulo, outro representante da empresa, que não foi identificado pela reportagem, voltou a oferecer o pacote de serviço a candidatas do PSDB a deputada.

Vitorino disse que resolveu tornar pública a oferta para alertar sobre o uso indevido que pode ter ocorrido nesta eleição de uma ferramenta nova e ainda não regulamentada pela Justiça Eleitoral.

A reportagem deixou recados e mensagens no celular de Luiz Alberto Ferla, mas ele não retornou até o fechamento desta edição. A DOT Group tem escritórios em Florianópolis, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte.