O globo, n. 31119, 19/10/2018. Economia, p. 19

 

Alívio no IR

Marcelo Corrêa

19/10/2018

 

 

 Recorte capturado

Maioria deve pagar menos, mas conta não fecha

A proposta de isentar de Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 5 mil) — defendida pelos dois candidatos à Presidência — deixaria 16 milhões de contribuintes livres da cobrança e traria alívio até para quem ganha mais. No plano de Jair Bolsonaro (PSL), que prevê alíquota única, quem recebe R$ 20 mil, pagaria R$ 3 mil por mês, R$1.630 a menos (queda de 35%) que o cobrado hoje. Já no desenho de Fernando Haddad (PT), que quer tabela progressiva como a atual, em que quem ganha mais paga mais, a economia para a mesma faixa salarial seria de R$ 605,34 (menos 13,1%).

Para especialistas, no entanto, faltam dados para mostrar como financiar as mudanças diante da fragilidade das contas públicas. Segundo o Projeto de Lei Orçamentária, a meta para 2019 é de déficit fiscal de R$ 139 bilhões. Na prática, a mudança traz o risco de deterioração das contas públicas e de estouro da meta.

As simulações foram feitas a pedido do GLOBO pelo tributarista Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ, com base nas ideias apresentadas até agora pelas duas campanhas. Bolsonaro defende alíquota de até 20% sobre a renda acima do limite de isenção. No programa petista, uma das possibilidades é adotar uma tabela com três faixas: 22,5% para quem recebe de R$ 5 mil a R$ 7 mil; 27,5% para quem ganha de R$ 7 mil a R$ 40 mil; e 35% sobre renda acima de 40 salários mínimos. Os valores foram arredondados levando em consideração o salário mínimo previsto para 2019 na proposta de Orçamento enviada ao Congresso (R$ 1.006).

As mudanças no IR são acompanhadas por uma mudança na estrutura dos tributos que incidem sobre bens e serviços no país. A adoção de um imposto sobre valor agregado (IVA) está nos planos dos dois candidatos. E, no caso de Bolsonaro, há a hipótese de se fazer essa simplificação por meio de um imposto sobre movimentação financeira. Juntas, as medidas devem mudar a forma de cobrar imposto: do acerto de contas com o Leão ao preço do pãozinho.

Hoje, não paga o IR quem recebe até R$ 1.903,98. Pêgas, do Ibmec-RJ, estima que só o aumento do limite de isenção causaria perda de R$ 2,7 bilhões em arrecadação.

A mudança beneficiaria mais gente, no entanto, por causa da tabela progressiva do IR. Quem ganha R$ 10 mil, por exemplo, não paga imposto hoje sobre a parcela de sua renda que fica dentro do atual limite de isenção —ou seja, sobre R$ 1.903,98. Mas este limite seria ampliado e, com isso, a arrecadação com o IR pelo governo seria bem menor. A atual equipe econômica estima que a mudança custaria R$ 60 bilhões aos cofres públicos.

A ideia do time de Bolsonaro é compensar isso com medidas de ajuste fiscal, explica o economista Marcos Cintra, responsável por assessorar Guedes na área tributária. O programa prevê, por exemplo, a tributação de dividendos (hoje isentos), privatizações e mudanças nas regras de outros impostos. Ele não estima o impacto da mudança no IR.

—Toda e qualquer simulação em torno de variáveis tributárias têm que ser sempre de acordo com o ajuste fiscal —afirma Cintra.

Já no modelo de Haddad, a compensação viria do aumento da cobrança sobre os mais ricos. Segundo Guilherme Mello, economista da Unicamp que integra a equipe do petista, o impacto da

mudança de regras, com ampliação do limite de isenção, é de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões —em uma das 11 simulações com as quais o grupo trabalha. A tributação sobre salários mais altos e sobre lucros e dividendos ajudaria a fechar a conta, com arrecadação de até R$ 80 bilhões.

—Queremos garantir que a proposta é viável do ponto de vista fiscal —destaca Mello.

Pêgas, do Ibmec-RJ, tem críticas aos dois lados:

— Isentar valores até R$ 5 mil, no momento atual brasileiro, é irresponsabilidade fiscal. O problema é que você diminui muito o IR para rendas mais elevadas e isso destrói a arrecadação. As duas propostas são eleitoreiras, sem qualquer fundamento técnico.

Cintro tributos em um

Já o advogado Luiz Gustavo Bichara, especialista em tributação, afirma que faz sentido aumentar a faixa de isenção, considerando a defasagem da tabela atual do IR, que não corresponde ao comportamento da inflação nos últimos anos.

—A faixa de isenção é muito baixa. Isso tem que ser feito. Se fosse atualizar só pela inflação, daria uma faixa de mais de R$ 8 mil —afirma.

O professor da FGV Direito Rio Linneu de Albuquerque Mello afirma que, seja qual for o modelo adotado, o importante é manter a progressividade —um princípio para o IR previsto na Constituição. Ele defende principalmente faixas mais amplas.

— Temos cinco faixas de zero a R$ 4 mil e depois de R$ 4 mil ao céu. Que progressividade é essa? Tem que espaçar mais —afirma.

Em outra frente, os candidatos propõem mudar a estrutura dos tributos que incidem sobre bens e serviços. O ponto em comum é a criação do IVA, que unificaria cinco tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.

Entenda os projetos para impostos

1 Faixa de isenção maior

Os dois candidatos querem aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda, hoje em R$ 1.903,98, para cinco salários mínimos — R$ 5.030, considerando a previsão do mínimo para 2019. A proposta livraria do Leão cerca de 16 milhões de brasileiros, mas tem um custo de R$ 60 bilhões, segundo a atual equipe econômica. A ideia esbarra na fragilidade das contas públicas — o país caminha para o quinto ano seguido de déficit.

2 Bolsonaro defende alíquota única

Guru econômico do candidato do PSL, Paulo Guedes é a favor de uma alíquota única para o Imposto de Renda, que incidiria sobre rendimentos acima de cinco salários mínimos. Hoje, a tributação é por meio de uma tabela progressiva: quem ganha mais paga mais. A equipe do presidenciável ainda não definiu se a nova alíquota seria de 15% ou de 20%. O sistema aliviaria de forma semelhante a classe média e os altos salários.

3 Haddad fala em tabela progressiva

Já o programa econômico do PT prevê uma tabela semelhante à atual. A diferença é que são previstas menos faixas de tributação. Hoje, são cinco: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. Em uma das simulações, a equipe elimina as duas primeiras e acrescenta uma nova cobrança, de 35%, sobre rendimentos acima de 40 salários mínimos. Existe a possibilidade, ainda, de criar uma tributação de 40% sobre rendas acima de 60 salários mínimos.

4 Tributação de dividendos

Os dois candidatos defendem regras semelhantes às adotadas no IR para a tributação de dividendos (parcela do lucro distribuída por empresas a seus acionistas). Especialistas alegam que alíquotas elevadas de IR nas faixas de renda mais altas podem incentivar que pessoas físicas optem por trabalhar como pessoas jurídicas (ou seja, abrir empresas) para fugir da tributação, já que os dividendos hoje são isentos de IR. Tributar os dividendos evitaria essa manobra.