O Estado de São Paulo, n. 45684, 15/11/2018. Política, p. A4
Admirador de Trump vai chefiar Relações Exteriores
Breno Pires, Luciana Dyniewicz e Ricardo Galhardo
15/11/2018
Itamaraty. Ernesto Araújo é anunciado por Bolsonaro; sem experiência de comandar embaixada, diplomata usou blog para apoiar presidente eleito e atacar “ideologia globalista"
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou ontem o diplomata Ernesto Araújo como o seu futuro ministro das Relações Exteriores. Promovido a embaixador em junho passado, Araújo ainda não havia chefiado nenhuma sede diplomática. Em artigos e blogs, ele tem um discurso alinhado com o de Bolsonaro, é crítico da esquerda e do que chama de “ideologia globalista” e defende o “nacionalismo ocidental” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Pelo Twitter, o presidente eleito justificou a escolha afirmando que Araújo é um “brilhante intelectual” e “a política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje”.
O futuro ministro, de 51 anos, atualmente é diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. No cargo de ministro, caberá a ele atuar na formulação e conduzir a política externa do Brasil com outros países e organismos internacionais. Durante a eleição, Araújo criou um blog em que atacava o PT e defendia Bolsonaro.
Nem o presidente eleito nem Araújo deram detalhes do que deve ser a diretriz da pasta das Relações Exteriores no novo governo. Já está claro, porém, que a ideia é romper com a linha adotada pelos governos petistas. A avaliação no entorno do presidente eleito é que o Itamaraty foi aparelhado e que sua atuação ficou limitada ao relacionamento com os países ditos “bolivarianos”.
Essa linha já foi rompida pela atual gestão, como reconheceu o futuro chanceler numa carta divulgada ontem. “Aprofundaremos iniciativas lançadas com competência pela atual gestão”, escreveu Araújo. Na carta, ele enaltece o presidente eleito. “Bolsonaro com amor e coragem!”, escreveu. “Este é o lema do candidato em que sempre acreditei, junto com tantos milhões de brasileiros (...). A mão firme e confiante do presidente Bolsonaro nos guiará.”
Analistas da política externa ouvidos pelo Estado apontaram a escolha como polêmica e com potencial foco de conflitos com áreas do governo, como a militar, o setor exportador do agronegócio e o próprio Itamaraty. A avaliação tem como base textos publicados em revistas especializadas e no blog Metapolítica 17, em que expõe suas visões políticas.
O principal ponto é a crítica ao “globalismo”, que ele classifica como “a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. “É um sistema anti-humano e anticristão”, escreveu Araújo no seu blog. Para ele, o ocidente seria vítima de uma articulação global que teria como raiz a “China maoísta” e o presidente eleito seria o único capaz de evitar a dissolução da nacionalidade brasileira – que seria fundamentalmente cristã e conservadora. Em um outro texto, chama o PT de “Partido Terrorista”.
“Essa nomeação pode criar um imbróglio dentro do próprio governo”, disse o professor de história da Política Externa da Faap, David Magalhães. Segundo o professor, as ideias do futuro chanceler reproduzem em vários momentos os argumentos do filósofo Olavo de Carvalho.
Em um artigo publicado na revista do Instituto de Pesquisa e Relações Internacionais (Ipri), vinculado ao Itamaraty, ele afirma que “somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação – inclusive e talvez principalmente a nação americana”. E, ao final, sugere: “Somente Trump pode ainda salvar o Ocidente”.
O embaixador considera que a imagem de Trump fica contaminada pela conotação negativa com que a imprensa americana trata o presidente. A interlocutores, Fraga avaliou que o Brasil precisa estreitar laços com os americanos, por exemplo, por meio da ênfase na parceria com EUA no mercado da indústria de defesa e cibersegurança.
Discrição. Os textos pavimentaram o caminho de Araújo até o posto de chanceler do futuro governo. Por ser relativamente jovem e não ter experiência como embaixador, era tido como um “azarão” nas bolsas de apostas.
Gaúcho, formado em Letras e escritor, Araújo é descrito por colegas como uma pessoa discreta e até mesmo introvertida. A retórica assertiva que se vê nos artigos e no blog não aparece no dia a dia do trabalho.
O diplomata fez sua carreira em postos relacionados com temas econômicos, como a União Europeia, Genebra e Alemanha. Em Washington, foi ministro conselheiro para área econômica. Há pelo menos 10 anos se dedica à relação com os EUA. Araújo é casado com a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa e genro do ex-secretário-geral do ministério Luís Felipe Seixas Corrêa. / COLABORARAM LU AIKO OTTA e BEATRIZ BULLA
O pensamento do futuro chanceler
“O remédio é voltar a querer grandeza. Encha o peito e diga: Brasil Grande e Forte. Milhares de pequenos esquerdistas imediatamente te atacarão como formigas quando você chuta o formigueiro, mas se você resistir e não recuar eles ficarão desorientados e se dispersarão na sua insignificância, deixando aberto o campo para construirmos um país de verdade.”
POSTAGEM DE 3 DE NOVEMBRO NO BLOG METAPOLÍTICA 17 CONTRA O GLOBALISMO
“O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história.”
TRECHO DO TEXTO DO PERFIL DO AUTOR DO BLOG METAPOLÍTICA 17 CONTRA O GLOBALISMO
“O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. (...) O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente.”
TRECHO DO ARTIGO ‘TRUMP E O OCIDENTE’, QUE CONSTA DO Nº 6 DOS ‘CADERNOS DE POLÍTICA EXTERIOR’ DO INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (IPRI)