O Estado de São Paulo, n. 45684, 15/11/2018. Metrópole, p. A13

 

Após eleição de Bolsonaro, Cuba deixa Mais Médicos; 8,3 mil profissionais saem

15/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Saúde. Havana alega que declarações ‘ameaçadoras’ do presidente eleito impedem parceria; futuro governo exigia testes de capacidade e pagar salário integral aos contratados. Secretários de Saúde falam em risco de que 29 milhões fiquem desassistidos

Cuba informou ontem que vai deixar o programa Mais Médicos após declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que previa mudanças no projeto. Hoje estão contratados 8.332 cubanos – 45,7% dos 18.240 profissionais do Mais Médicos, que tem o objetivo de levar atendimento de saúde às periferias de grandes cidades e ao interior do País. Entre as mudanças estabelecidas por Bolsonaro, estavam testes de capacidade aos estrangeiros e a liberação de que suas famílias se mudem para o Brasil.

Desde 2013, quando o programa foi criado pela presidente cassada Dilma Rousseff, o convênio com Cuba é feito entre Brasil e a Organização PanAmericana da Saúde (Opas). Pelo acordo, os médicos recebem do governo federal bolsa de R$ 11.865,60, mas ficam com cerca de R$ 3 mil, enquanto o restante fica com o governo da ilha.

Outra exigência de Bolsonaro era pagar salário integral aos profissionais, para que nada fosse dado “à ditadura” cubana, escreveu ele, no Twitter. “É trabalho escravo. Não poderia compactuar com isso”, disse mais tarde, em entrevista coletiva.

Segundo o Conselho de secretários municipais de Saúde, a mudança pode interromper o atendimento em várias partes do País e deixar mais de 29 milhões de brasileiros desassistidos (leia mais abaixo).

A Opas disse que mais detalhes sobre a saída dos cubanos só serão divulgados nos próximos dias. Em nota, o Ministério da Saúde disse que foi informado ontem sobre a decisão de Cuba, que classificou as mudanças propostas por Bolsonaro como “inaceitáveis”. Informou ainda que, como iniciativa imediata, abrirá nos próximos dias edital para convocar médicos para substituir os cubanos, mas não especificou quantas vagas. Segundo a pasta, será dada prioridade a brasileiros formados no País e depois de brasileiros formados no exterior.

O ministério também estuda negociar algum tipo de participação de médicos formados pelo Financiamento Estudantil (Fies) no programa.

“Estamos formando em torno de 20 mil médicos por ano e a tendência é aumentar esse número. Podemos suprir o programa com esses médicos. (Médicos) de outros países podem vir para cá. A partir de janeiro, daremos satisfação aos desassistidos”, disse Bolsonaro. “Eu duvido quem queira ser atendido pelos cubanos”, acrescentou o presidente eleito, dirigindo-se a jornalistas.

Segundo ele, qualquer cubano que solicitar asilo terá o pedido concedido. “Há quatro anos, o governo do PT anunciou que, caso alguém pedisse asilo, seria deportado”, disse o presidente eleito. “Não podemos ameaçálos como foram ameaçados.”

Em 2013, como deputado, Bolsonaro havia entrado com ação no Supremo Tribunal Federal para suspender o programa. Conselheiros do novo presidente já davam como certa a saída de Cuba, mas a decisão de romper unilateralmente o contrato agora pegou de surpresa o governo brasileiro e a Opas. Adiantar a volta dos médicos também é uma saída de Havana para reduzir as chances de que parte dos contratados peça asilo no País. Entidades. “Desde o início fomos contra repassar recursos a um programa em que as decisões finais e os termos não estão nas mãos do Brasil”, afirmou Lincoln Lopes Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), maior crítica do programa no País.

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse, em nota, que o País tem médicos suficientes, mas cobra condição adequada de trabalho. As duas entidades defendem uma carreira de Estado da categoria, o que ajudaria a fixar médicos em áreas remotas.