O globo, n. 31155, 24/11/2018. Artigos, p. 3

 

Para um Mais Médicos viável

João Manoel Pedroso

24/11/2018

 

 

O Programa Mais Médicos (MM) —paliativo para a distribuição de profissionais fora de centros urbanos, crônico problema em países continentais — requer solução que contemple a dinâmica de mercado, a questão dos médicos e o debate sobre qualidade. Pesquisas revelam usuários satisfeitos com o cuidado e ressentidos de falta de acesso, determinante da má avaliação. Cabe aos governos garantir acesso e qualidade assistencial, destacando que desatenção em cuidado básico gera custo em atenção especializada.

Temos o seguinte cenário: 9% do PIB são investidos em saúde, com partes similares nos campos público e privado, concentrando-se neste último em áreas de maior renda, contra um maior universo público (SUS), de 75% da população — uma iniquidade de investimento que exige compensação na área pública. Os médicos concentram-se em centros urbanos, em longas jornadas e vários empregos para compor a renda, sujeitos a depressão, doenças crônicas e burnout. Além da questão salarial, há a distância dos avanços tecnológicos e da educação, o risco de desatualização e desvalorização, como na aventura de médicos em cidades menores que reverteu hipocráticas expectativas de interiorização quando prefeituras não honraram mais os salários. A falência do modelo e o temor de perda do acesso geraram insegurança, advindo o MM para incluir mais usuários, sobrepondo a mera presença do cuidado à qualidade. A se manter o déficit no MM, há que estudar salários similares à soma de ganhos nas cidades. O real desafio consiste em deslocar médicos, e interiorizar requer solução híbrida, com modalidades intercambiáveis, sob modelos específicos, para duas vertentes de vinculações, flexível e permanente, esta última a aguardada carreira de Estado. A primeira forma de vínculo é mediante simples seleção (currículo, entrevista) e adesão a chamamento público nacional, descentralizado e simplificado, mas flexível, com realocação. Além disso, base salarial afim aos mercados locais, variações salariais regionais e locais, atualização permanente (ensino à distância) e supervisionamento, qualificando, fixando e amparando as equipes locais e regionais.

A segunda forma de vínculo é em equipes permanentes e carreira de Estado, com programas de integridade, educação permanente, progressão funcional e missões. Uma carreira que contemple missões e recrutamento temporário em situações de crise, epidemias e catástrofes, para capacitar e apoiar a organização local. Além disso, equipes experientes em gabinetes de crise, para rodar o país, induzir soluções regionais, uniformizar padrões de cuidados, reduzir desigualdades e aprimorar o Sistema Nacional de Saúde (SNS).

A relevância do tema é ímpar e extensa. O não controle de condições de baixo custeio na atenção primária — como em hipertensão arterial (menos 30% de hipertensos sob controle), diabetes mellitus e doença reumática — gera alto custo em níveis de atenção secundária e terciária.

Há um framework federal, com carreira de Estado estruturada e formulador de SNS híbrido, do planejamento do SUS à formulação de políticas e diretrizes também para o setor privado, incluindo questões emergenciais do país, sob consultoria especializada. E ainda a constituição de gabinetes de crise interesferas e apoio integrado a soluções locais e regionais, além de conexões com hospitais universitários, hospitais de referência e sociedades médicas, que devem ser fortalecidas e se tornar estruturais. Cumpre desenvolver essas modalidades em modelo intercambiável, com transferências de uma face a outra. Ingressando na carreira (como na magistratura), médicos assumem compromisso de atuarem no que for necessário. Nesse contexto, o Ministério da Saúde constrói bases para atender de forma adequada à saúde, reduzir desigualdades e aprimorar o SNS.