O globo, n. 31155, 24/11/2018. Artigos, p. 3

 

A escolha de Moro

Marcelo Trindade

24/11/2018

 

 

Sou daqueles brasileiros que admiram profundamente Sergio Moro. Mas sou também daqueles que, respeitando a decisão de Moro de aceitar o convite para ser ministro da Justiça, acham que ele não deveria tê-lo feito.

Moro tem a qualificação para o cargo e pode fazer um excelente trabalho, inclusive no combate à corrupção e às organizações criminosas. E ele será um ministro muito poderoso, pelo acúmulo de competências do novo ministério e porque demiti-lo, ou mesmo dele divergir, será tarefa árdua, até mesmo para o presidente recém-eleito. Minhas dificuldades com a escolha de Moro são de outra natureza. Como tantos brasileiros, defendi, ao longo dos últimos anos, a imparcialidade de Moro, comprovada pela condenação de corruptos e corruptores de todos os matizes. É impossível negar que sua adesão ao governo eleito em disputa contra o partido cujo líder máximo ele condenou pode afetar a percepção de imparcialidade do juiz, talvez o valor mais relevante para a Lava-Jato. Também temo pelos ruídos na relação do ministro Moro com tribunais, federais e superiores, que examinarão, em grau de recurso, muitas decisões que são substancialmente dele, mesmo quando confirmadas por tribunais. Dir-se-á que as qualidades de Moro e seu apoio à Lava-Jato compensam os riscos. E que sua decisão é legítima, como de fato é. Mas o que diferencia os homens públicos superiores é privilegiar o interesse das instituições em detrimento de suas próprias pretensões. Uma recusa, sem tirar do governo o mérito de têlo convidado, teria dado a Moro a honra de ter declinado por razões de interesse público, levando ao grau máximo a reputação do Judiciário e da Lava-Jato —e garantindo, de quebra, que o futuro ministro da Justiça, fosse quem fosse, agisse sempre à sombra do seu gesto. Nesse cenário, a escolha de Moro não era uma escolha de Sofia, mas apenas a escolha entre o bom e ótimo para o país. Moro escolheu o bom. Torço para que o resultado seja ótimo.