O Estado de São Paulo, n. 45681, 12/11/2018. Metrópole, p. A14

 

Com mutirão e audiência de custódia, CNJ quer reduzir n° de presos em 40%

Rafael Moraes Moura

12/11/2018

 

 

Sistema carcerário. Ministro Dias Toffoli, que assumiu presidência do conselho em setembro, também vai estimular soluções alternativas, como uso da tornozeleira eletrônica; dados do órgão apontam que em agosto Brasil tinha 602,mil pessoas presas

Expectativa. Presidente do STF, ministro Dias Toffoli planeja fazer cadastro biométrico de todos os detentos

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, quer implementar uma série de ações para diminuir a população prisional em até 40% na sua gestão, que se encerra em setembro de 2020. Ao priorizar a questão carcerária, ele pretende fazer o cadastro biométrico de todos os detentos do País, retomar mutirões carcerários e fortalecer as audiências de custódia. Essa última medida entrou na mira do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) há dois anos, quando apresentou projeto para derrubá-la na Câmara.

“Nossa meta está baseada na decisão do STF que declarou o estado de coisas inconstitucional (quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais a exigir intervenção do Poder Judiciário). Dando continuidade e aprimorando políticas de gestões anteriores, no sentido de cumprir essa decisão, vamos reforçar as audiências de custódia e os mutirões carcerários, além de intensificar o processo eletrônico de execução penal. Tudo isso aplicado de modo sistematizado, coordenado pelo CNJ, nos permite ambicionar o alcance da meta estipulada”, disse Toffoli ao Estado.

Segundo dados do Banco Nacional do Monitoramento de Prisões do CNJ, em agosto de 2018 havia 602.217 pessoas no cadastro nacional de presos – os números de São Paulo e do Rio Grande do Sul ainda não foram totalmente contabilizados. O mais recente levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, estimava, em junho de 2016, que havia 726,7 mil detentos no Brasil.

Ao assumir o comando do STF em setembro, o ministro Dias Toffoli acumulou a presidência do CNJ, órgão voltado para o aperfeiçoamento do Judiciário. Ele quer retomar os mutirões carcerários e combater a superpopulação nos presídios – uma das propostas é estimular juízes a adotarem soluções alternativas, como o uso de tornozeleira eletrônica. As metas de Toffoli foram traçadas assim que assumiu o comando do CNJ, em 13 de setembro, antes de Jair Bolsonaro (PSL) ser eleito presidente da República.

Durante a campanha, Bolsonaro disse que “essa história de presídio cheio” é problema “de quem cometeu o crime”. O programa de governo do próximo presidente defende a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 (depois ele falou em 17) e o fim da progressão de penas e das saídas temporárias – duas propostas que encontram forte resistência no STF.

Conselheiros do CNJ ouvidos pelo Estado acreditam que as “bravatas” de Bolsonaro ficaram para trás e elogiam o tom mais moderado do discurso do presidente eleito. Toffoli e Bolsonaro se reuniram na última quarta-feira na sede do STF, em encontro que serviu para “distensionar o ambiente”, de acordo com integrantes da Corte.

Controvérsia. Um dos pilares do plano de Toffoli para reduzir o total de detentos, as audiências de custódia são contestadas pelo deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, que apresentou em 2016 proposta na Câmara para anular resolução do CNJ que instituiu a medida. Essas audiências garantem a apresentação do preso a um juiz no prazo de 24 horas, nas prisões em flagrante. Nelas, o magistrado confere eventuais ocorrências de maus tratos e avalia se a prisão deve ou não ser mantida – Ministério Público e Defensoria Pública também são ouvidos.

“Mutirões carcerários e audiências de custódia já demonstraram que têm potencial, não para provocar descalabro na sociedade, mas simplesmente para melhor selecionar aqueles que devem permanecer afastados do convívio social”, afirmou o juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas do CNJ.

Ao encaminhar a proposta à Câmara, Eduardo Bolsonaro alegou que as audiências estabelecem uma “inversão de valores e papéis”, em que agentes responsáveis pelas prisões passam a ser investigados, enquanto bandidos “foram travestidos de vítimas em potencial”. Lanfredi ressalta que as audiências de custódia não servem para colocar em liberdade estupradores ou assassinos, mas pessoas que eventualmente cometeram infrações de menor potencial ofensivo. Para o coordenador do CNJ, as audiências de custódia e os mutirões carcerários ajudam a evitar situações de injustiça.

Em 2017, disputas de facções em presídios levaram a massacres com mais de 120 mortos em Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República pediu intervenção federal no sistema prisional de Roraima, por riscos de colapso.

 

PARA LEMBRAR

Moro defende abrir mais vagas

O juiz federal Sérgio Moro, futuro ministro de Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro, afirmou nesta semana que é preciso criar mais vagas para presos e admitiu que pode ser necessário “criar um filtro melhor” em relação a prisões, diante do cenário de superlotação nos presídios nacionais. O magistrado defendeu, porém, o endurecimento das regras para impedir que presos por crimes cometidos com extrema violência saiam rapidamente do cárcere. O plano de governo de Bolsonaro não traz propostas para redução da superlotação.

 

PERFIL

30,5%

dos presos do País têm entre 18 e 24 anos, segundo dados mais recentes do Banco de Monitoramente de Prisões do CNJ, de agosto. Roubo (27%) e tráfico de drogas (24%) são os crimes mais comuns entre os detentos.