O Estado de São Paulo, n. 45680, 11/11/2018. Política, p. A11

 

As cruzadas de Bolsonaro

Edmundo Leite
11/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Foram 21 sugestões publicadas no jornal de 1971 a 1976

A tarde de 30 de setembro de 1971 foi especial para o jovem entregador de jornais de Eldorado Paulista. Pedalando pelas ruas da pequena cidade, o rapaz de 16 anos tinha algo a mais para entregar aos 32 assinantes do diário paulistano no município, que chegara às 13 horas pelo ônibus vindo da capital naquela quinta-feira. Na capa, a manchete principal do Estado dizia em letras grandes, direto de Washington, que o Brasil iria liderar o terceiro mundo nas negociações para reformular o sistema financeiro mundial, enquanto nos outros destaques a guerra fria dava as caras nas notícias internacionais e até no esporte, com o confronto entre enxadristas da Rússia e dos Estados Unidos.

Mas a notícia que interessava ao adolescente naquele dia estava na página 39. Não era propriamente uma notícia, mas um problema de palavras cruzadas que trazia na assinatura o nome do jovem leitor que a enviara ao jornal: Jair M. Bolsonaro. Seria a primeira de muitas. Cursando o científico – atual ensino médio – e ganhando seus trocados com trabalhos como a entrega do jornal e coleta de palmito e maracujá, Bolsonaro achou nas palavras cruzadas um hobby que lhe tomava cinco horas quando decidia montar um problema para tentar que fosse publicado com o de outros leitores. Com o diagrama concluído, ele ia ao correio postar a carta. Aí, eram cerca de 15 dias olhando o jornal diariamente. “Eu vivia na ansiedade. E, então, quando era publicado, eu demorava mais para entregar o jornal. Porque eu batia na porta de todo mundo e falava ‘olha na página tal, tem material de Eldorado Paulista’”, relembra aos risos o agora presidente eleito, em entrevista por telefone.

Com a prática cada vez mais aprimorada e um caderno próprio com banco de palavras, Bolsonaro teria seu melhor desempenho em 1972, quando conseguiu publicar nove problemas de fevereiro a novembro. Até 1976, quando já estava no Exército, foram 21 palavras cruzadas no jornal. Nos quadradinhos, expressões que hoje podem ser associadas à sua trajetória, como “mito”, “munir de armas” e os verbos “amar” e “orar”, não eram previamente pensados, mas encaixados onde fosse possível. “No começo é fácil. Duro é lá embaixo, quando tem de fechar num canto qualquer. Você tem de pesquisar.”

Live. Bolsonaro citou em vídeo, na sexta-feira, as palavras cruzadas, no trecho em que falava sobre mudanças na Educação. “Motivo de orgulho para minha família quando meu nome saía no jornal.”